Nesta quinta-feira (14), o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, disse que os projetos de lei que tiram poder de governadores sobre polícias são um “retrocesso inaceitável“.
O ex-decano do Supremo abriu mão do silêncio que marca sua postura desde a aposentadoria, em outubro do ano passado, para criticar a proposta que prevê mandato de dois anos para os comandantes — gerais e delegados —, gerais e impõe condições para que eles sejam exonerados antes do fim do prazo.
“A padronização nacional dos organismos policiais estaduais, com expressiva redução do poder e competência dos Estados — membros, se implementada, traduzirá um ato de inaceitável transgressão ao princípio federativo”, disse Celso de Mello à reportagem.
“Não se pode ignorar que a autonomia dos Estados-membros representa, em nosso sistema constitucional, uma das pedras angulares do modelo institucional da Federação”, afirmou o ministro aposentado. “Qualquer proposição legislativa que tenda à centralização em torno da União Federal, com a consequente minimização da autonomia estadual, significará um retrocesso inaceitável em termos de organização federativa.” Como revelou o Estadão na segunda-feira, o Congresso se prepara para votar dois projetos de lei orgânica das polícias civil e militar que sugerem mudanças na estrutura das polícias, como a criação da patente de general, hoje exclusiva das Forças Armadas, para PMs, e de um Conselho Nacional de Polícia Civil ligado à União.
No caso da Polícia Militar, a sugestão é para que a nomeação do comandante saia de uma lista tríplice indicada pelos oficiais.
Destituição
O texto prevê que a destituição, por iniciativa do governador, seja “justificada e por motivo relevante devidamente comprovado”. Na Polícia Civil, o delegado-geral poderá ser escolhido diretamente pelo governador entre aqueles de classe mais alta na carreira. A dispensa “fundamentada”, porém, precisa ser ratificada pela Assembleia Legislativa ou Câmara Distrital, em votação por maioria absoluta dos deputados.
O projeto de lei que pretende remover alguns dos controles que governadores de Estado têm sobre suas forças policiais também invade atribuições da Polícia Federal em relação à fiscalização e regulação de empresas particulares de segurança privada, conforme avaliação de representantes e entidades do Ministério Público e da PF ouvidos pelo Estadão.
O novo modelo é defendido por aliados do Palácio do Planalto no momento em que o presidente da República, Jair Bolsonaro, endurece o discurso da segurança pública para alavancar sua popularidade na segunda metade do mandato.
A divulgação da medida provocou a reação de gestores estaduais, que já se mobilizam contra a iniciativa. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), acusou Bolsonaro de querer “intimidar governadores através de força policial militar”.
Instituições de classe, por outro lado, defendem a proposta. Para o presidente da Associação de Delegados de Polícias do Brasil (Adepol), Rodolfo Laterza, é “histeria” associar os projetos ao “golpismo”.
Celso destacou que, em 1831, o então presidente da província de São Paulo, Rafael Tobias de Aguiar, sancionou projeto que criou, em São Paulo, o Corpo de Guardas Municipais, núcleo embrionário da atual Polícia Militar estadual. Dificilmente, o fundador da Polícia Militar do Estado de São Paulo chancelaria uma proposta claramente centralizadora e detrimentosa dos poderes e competência das unidades locais, pois foi ele, Tobias de Aguiar, quem, ao lado do Padre Feijó, insurgiu-se, na histórica Revolução Liberal de 1842, contra a concentração de poderes na esfera do governo central imperial”, acrescentou.
Com informações do Estadão