Segundo especialistas ouvindo pela Folha de S. Paulo, dois despachos internos do presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, tiveram como efeito a maior recirculação de madeira ilegal no Brasil. Além disso, também houve a ampliação de exportação irregular de madeira proveniente de espécies ameaçadas de extinção.
O primeiro despacho foi assinado por Bim em 14 de novembro de 2019. Segundo o documento, um comprador de madeira com o Documento de Origem Florestal (DOF) não pode ser responsabilizado se, depois, ficar constatada a fraude do documento. Assim, os fiscais da instituição não podem responsabilizar esse comprador “sem que haja demonstração de indícios de participação ou ciência quanto à ilicitude”.
O despacho, inicialmente, não faz referência à apreensão da madeira, mas somente à isenção de responsabilização. Depois, o entendimento foi ampliado pela Diretoria de Proteção Ambiental, impedindo também a apreensão. Bim não se opôs.
“Se há uma confiança no sistema do Ibama, no DOF, parte-se do princípio de que está tudo certo. São Paulo, por exemplo, é o maior comprador de madeira do Pará. E, se não há indício de fraude, nada desabona uma operação de compra”, disse Bim à Folha.
A decisão foi questionada na Justiça Federal no Amazonas em uma ação movida pelo Instituto Socioambiental (ISA), pelo Greenpeace Brasil e pela Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente.
Segundo técnicos, o despacho resultou em permanência e recirculação da madeira ilegal no mercado; em redução de cautela por parte dos compradores; e em perda de poder fiscalizatório pelo Ibama.
Espécies ameaçadas de extinção
O segundo despacho interno do presidente do Ibama foi assinado em 25 de fevereiro deste ano, terça-feira de Carnaval. No documento, Bim eliminou a necessidade de autorização de exportação de madeira para todas as espécies, inclusive as ameaçadas de extinção. A medida vigorou assim por pelo menos 45 dias.
“O parecer não falava no artigo 9°, que trata dessas espécies ameaçadas de extinção. Como não falava, parecia que não precisava [da autorização de exportação, além do DOF]”, disse Bim à Folha.
Por causar “mal entendido”, Bim decidiu retificar o despacho. “Nestes casos, não se poderia abrir mão de um controle adicional”, afirmou. As demais ficaram dispensadas do controle duplo.
As autorizações de exportação são feitas para as espécies ameaçadas de extinção, previstas em uma portaria do Ministério do Meio Ambiente de 2014, e para aquelas que cumprem exigências internacionais.
Ibama teve fiscalização reduzida
As vistorias in loco nos portos foram reduzidas, segundo técnicos ouvidos pela reportagem. A fiscalização tem se resumido a uma análise dos documentos de exportação inseridos no sistema eletrônico.
Para o presidente do Ibama, não há relação da fiscalização in loco com seu despacho em fevereiro. “Não tenho ideia se houve redução da fiscalização nos portos. A nossa fiscalização já era aleatória, por amostragem.”
Bim é homem de confiança do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Os dois atuam em consonância na condução do órgão ambiental.
Na terça (17), em uma reunião virtual da cúpula do Brics, bloco que reúne Brasil, Rússia, índia, China e África do Sul, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) utilizou o argumento da recirculação de madeira ilegal para atacar países que criticam a gestão ambiental do seu governo.
Com informações da Folha de S. Paulo