A China se prepara para anunciar a primeira queda na população desde que os números demográficos começaram a ser registrados, em 1949. O fato ocorre mesmo após o relaxamento da rígida política de planejamento familiar imposta pelo governo chinês. A flexibilização das regras teve o objetivo de reverter a queda do índice de natalidade no país mais populoso do mundo.
O censo chinês mais recente, completado em dezembro mas cujos resultados ainda não foram divulgados, deve informar que a população total do país é inferior a 1,4 bilhão de pessoas, segundo fontes familiarizadas com a pesquisa. Em 2019, a população chinesa teria ultrapassado o marco de 1,4 bilhão.
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Divulgação de dados da China é delicada
Fontes ouvidas pelo Financial Times destacam que a cifra é vista como uma informação muito delicada e não será divulgada enquanto diversos departamentos do governo não chegarem a um consenso sobre os dados e suas consequências. Huang Wenzheng, do think tank Center for China and Globalization, em Pequim, afirma que os dados do censo chinês precisam ser manejados com muito cuidado.
“Os resultados do censo terão um impacto enorme sobre a visão que os chineses têm de seu país e sobre o funcionamento de vários setores do governo.”
Huang Wenzheng
O governo previa a divulgação do censo no início de abril. No dia 16, Liu Aihua, porta-voz do Departamento Nacional de Estatísticas, afirmou que o atraso se deveu em parte à necessidade de realizar “mais trabalho de preparação” antes do anúncio público. A demora vem sendo amplamente criticada nas redes sociais.
Autoridades locais também se preparam para o impacto da divulgação dos dados. Chen Longgan, vice-diretor do departamento de estatísticas da província de Anhui, disse em reunião neste mês que o governo deve “definir o tom” da interpretação do censo e “prestar muita atenção à reação do público”.
Índia pode ultrapassar a China em população
Analistas dizem que um declínio sugere que a população da China pode atingir o pico mais cedo do que as projeções oficiais previam e seja excedida em pouco tempo pela população da Índia, estimada em 1,38 bilhão de pessoas. Isso pode colocar uma carga pesada sobre a segunda maior economia do mundo, afetando tudo, desde o consumo até o cuidado dos idosos.
“O ritmo e a escala da crise demográfica chinesa estão mais velozes e maiores do que imaginávamos”, diz Huang. “Isso pode ter um impacto desastroso sobre o país.”
Relaxamento da política de planejamento
O índice de natalidade chinês se enfraqueceu mesmo depois de 2015, quando Pequim relaxou a política de planejamento em vigor havia décadas, passando a autorizar todos os casais a terem dois filhos, em vez de apenas um. A população cresceu sob a política do filho único adotada no final dos anos 1970, graças a uma população jovem grande na esteira da revolução comunista e do aumento da expectativa de vida.
Dados oficiais mostraram que o número de recém-nascidos no país aumentou em 2016, mas então caiu por três anos consecutivos. As autoridades atribuem a queda ao número decrescente de mulheres jovens e aos custos crescentes da criação dos filhos.
É possível que o quadro real seja ainda pior. Em relatório publicado na semana passada, o Banco Central chinês estimou que o índice de fertilidade total –o número médio de filhos que uma mulher terá durante sua vida— estava abaixo de 1,5, menor que a estimativa oficial, de 1,8.
“É quase certo que a China tenha superestimado seu índice de natalidade. Os desafios acarretados pela mudança demográfica no país podem ser maiores do que o previsto.”
Banco Popular da China
Um assessor governamental em Pequim, que falou à reportagem sob condição de anonimato, disse que essas superestimativas se devem em parte ao fato de o sistema fiscal usar cifras demográficas para determinar orçamentos, inclusive os de educação e segurança pública. “Os governos locais se beneficiam se estimam seus números demográficos para cima, para terem direito a mais recursos”, explicou ele.
Essa situação levou a pedidos de uma revisão radical nas regras de controle de natalidade. O relatório do Banco Central sugeriu que o governo abandone completamente sua “atitude de esperar para ver” e abra mão do planejamento familiar. “Relaxar políticas pouco adiantará quando ninguém quiser ter mais filhos.”
Com informações da Folha de S.Paulo