A China, na próxima sexta-feira (4), em meio ao repique mundial da pandemia de covid-19, abre oficialmente os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim. Os chineses ignoraram o fajuto boicote diplomático aos Jogos anunciado pelos EUA, mas se preocupam com a crise sanitária.
Mais do que projetar o país como potência e reforçar o orgulho nacional, Jogos Olímpicos tem como maior desafio confirmar a eficiência da estratégia de “covid zero”, sob a pressão da chegada de milhares de estrangeiros para o evento. A preocupação sanitária tornou-se também uma prioridade diplomática, para mostrar ao mundo a superioridade do sistema chinês na contenção do vírus.
É ainda uma oportunidade de estimular um setor da economia que, devido à pandemia, estava adormecido. Segundo o governo, o país superou a meta oficial de ter 300 milhões de praticantes de esportes de inverno estabelecida em 2015, quando Pequim foi escolhida para sediar o evento esportivo. Desde então, foram construídos mais de 450 rinques de patinação e 300 estações de esqui em todo o país. Tornou-se comum ver crianças praticando hóquei no gelo.
Jogos são desafio para Xi Jinping
Na visão do presidente Xi Jinping, a Olimpíada carrega peso simbólico para o Partido Comunista da China (PCC). O controle da pandemia turbinou a confiança popular no PCC, e os Jogos Olímpicos de Inverno serão a prova de fogo do mandatário chinês. “O mundo estará com os olhos na China, e a China está pronta”, disse recentemente o presidente ao vistoriar instalações olímpicas.
Os cerca de 11 mil participantes, entre atletas, equipes técnicas e pessoal de apoio, ficarão restritos a um “circuito fechado”, uma bolha hermética que os manterá separados do resto da cidade. O cuidado para evitar um vazamento do vírus é tamanho que a polícia de Pequim alertou os moradores a não socorrer os ocupantes de veículos olímpicos em caso de acidentes. A venda de ingressos ao público foi cancelada, e as competições receberão um número limitado de espectadores convidados.
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A iminência de entrar para a história dos Jogos como a primeira cidade a sediar tanto a Olimpíada de verão como a de inverno é motivo de indisfarçável orgulho para as autoridades chinesas, que têm chamado Pequim de “a cidade duplamente olímpica”. Mas o clima é muito diferente do que havia na primeira, e não apenas pelas temperaturas mais baixas.
2022 não é 2008
Em 2008, enquanto a crise financeira derretia os mercados globais, a China despontava como potência econômica e o governo estava empenhado em mostrar que o país estava aberto para o mundo. Quando os Jogos começaram, o público mundial foi contagiado pela euforia dos chineses e viu um país que surpreendeu positivamente, com arquitetura arrojada, capacidade de organização e uma sociedade que recebeu os visitantes de braços abertos.
Quatorze anos depois, é um outro mundo, dominado pela pandemia e redefinido pela crescente competição entre China e EUA. É também outra China, que dois anos depois da Olimpíada de 2008 se tornou a segunda economia mundial e caminha para se tornar a primeira. Sob a liderança de Xi, ficou para trás o comedimento de governos anteriores para dar lugar à autoconfiança de uma potência que exige ser tratada como tal.
“A Olimpíada de 2008 mostrou um país que estava pronto para ocupar um lugar na mesa principal das discussões mundiais. Já a China de 2022 está organizando a mesa”, diz o jornalista e consultor esportivo Mark Dreyer, que chegou a Pequim em 2008 para cobrir a Olimpíada e desde então escreve sobre a interseção entre esporte, política e negócios no país.
Em 2008, o entusiasmo da população e o fácil acesso do público a ingressos para as competições fizeram daquela Olimpíada uma grande festa popular, relembra Dreyer. Havia boa vontade internacional de um tempo em que o país não era visto como uma ameaça existencial como é hoje nos EUA. Exemplo disso é que o então presidente George W. Bush compareceu aos Jogos, com a mulher e a filha.
Em contraste, com a pandemia e a polarização política atual, a lista de chefes de Estado com presença confirmada nos Jogos de Inverno de Pequim é menor. Um dos nomes confirmados é o do presidente da Argentina, Alberto Fernández. Por outro lado, EUA e aliados tradicionais da anglosfera, como o Reino Unido, anunciaram um “boicote diplomático” aos Jogos. Mas é um boicote de fachada, porque não há veto à participação de atletas – apenas ausência de representação oficial.
Com informações do jornal O Globo