No domingo (19) Gustavo Petro foi eleito presidente da Colômbia. Mas Petro não venceu sozinho essas eleições. Ao lado dele, a ativista em defesa dos direitos humanos e do meio ambiente e advogada Francia Márquez foi consagrada vice-presidente da Colômbia, a primeira mulher negra a ocupar o cargo.
A presença de Márquez na chapa, que foi garantida após uma votação poderosa nas prévias do Pacto Histórico, traz consigo as lutas da Colômbia rebelde que se levantou contra o neoliberalismo, a Colômbia campesina que se mobiliza contra o extrativismo e matança de líderes locais, a Colômbia negra que não tem direito a voz.
A primeira mensagem de Francia após a vitória eleitoral reforça os laços com a ancestralidade. “Essa luta não começou conosco, começou com nossos ancestrais. Hoje com dignidade e grandeza colhemos os frutos dessa semeadura. Hoje levanta-se a voz dos que não estão mais aqui e dos ressurgentes que virão e juntos começaremos a construir A Nova História”, escreveu a vice-presidenta no Twitter.
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Essa mensagem também foi levada por ela em seu primeiro discurso público. A vice-presidenta não conteve a emoção aos lembrar dos mortos pela violência do Estado Colombiano.
“Obrigado, Colômbia, por esse momento histórico. Quero agradecer a todos os colombianos e colombianas que deram a vida por esse momento. A todos os nossos irmãos e irmãs, líderes sociais, que tristemente foram assassinados nesse país, a juventude que foi assassinada e desaparecida, às mulheres que foram violentadas e desaparecidas. Agradecemos a eles por terem jogado as sementes da esperança e da resistência”, afirmou Francia Márquez, que não segurou a emoção.
“Avançamos em um passo muito importante, depois de 214 anos, conquistamos um governo do povo. Um governo popular. Um governo do povo de mãos calejadas, de pés descalços, dos ninguéns da Colômbia”, disse a vice-presidenta.
Líder do movimento ambiental e feminista antirracista, Francia Márquez, com os seus mais de 700 mil votos nas prévias presidenciais, deixou para trás figuras tradicionais da política, e que tiveram muito dinheiro em suas respectivas campanhas, como Sergio Fajardo, que já foi três vezes candidato à presidência (recebeu 701 mil votos nas prévias), o ex-ministro Alejandro Gaviria e o ex-governador de Boyacá, Carlos Amaya.
Porém, além de ter atropelado nomes tradicionais da política colombiana, outros dois fatores também explicam o fato de Francia Márquez ser considerado um fenômeno político: foi a primeira mulher negra a disputar uma prévia presidencial. Isso, quando comparado com Gustavo Petro e os outros nomes, é um fato para lá de histórico, pois, todos eles estão há anos em campanha política.
Que é Francia Márquez?
Francia Márquez nasceu em La Toma Suárez, região de Cauca, no Oeste da Colômbia e começou a ganhar destaque na cena política da Colômbia ao denunciar a mineração ilegal do Ouro, que afeta o ecossistema do rio Ovejas e mais de 250 mil pessoas de sua comunidade.
Em 2018 Márquez convocou um ato que lhe renderia o Prêmio Ambiental Goldman 2018 (considerado o “Nobel do Meio Ambiente”). Márquez convocou 80 mulheres de sua região e, juntas, caminharam por 10 dias cerca de 350 quilômetros até Bogotá. O ato tinha por objetivo fazer com que as autoridades “ouvissem” as demandas do movimento.
Depois de passar mais de 10 anos trabalhando em movimentos sociais, Francia havia lançado sua pré-candidatura à presidência da Colômbia em 2021. Entretanto, com o avanço da campanha, ela passou a ser parte da chapa de Gustavo Petro, candidato da esquerda.
Mulher de 40 anos, formada pela Universidade Santiago de Cali em direito, Francia é mãe solo de dois filhos e tem uma história de vida muito ligada ao ativismo social.
Quando jovem, ela trabalhou como garimpeira de ouro e como empregada doméstica, função que exerceu para pagar seus estudos. Já maior de idade, liderou movimentos contra a expansão da mineração na região e foi crescendo dentro do cenário político colombiano.
Durante a campanha, ela prometeu, se eleita, ajudar na criação e manutenção de direitos para mulheres, negros, indígenas, camponeses e para a população LGBTQIA+.
Carreira política
“Para mim, ocupar um cargo no Estado não é o fim da trajetória. O fim pra mim é dignificar a vida, é cuidar da vida, é viver em um lugar mais justo e digno para todos. O fim é diminuir a mortalidade negra. Chegar à presidência da Colômbia é um meio, ocupar o Estado é um meio para seguir movendo essa luta que queremos como povo e como humanidade”, disse Francia Márquez antes de se unir à chapa de Petro.
Em 2014, como presidente da Associação de Mulheres Afrodescendentes de Yolombó, ela organizou a “Mobilização das mulheres negras pelo cuidado da vida e dos territórios ancestrais”, movimento que reuniu pessoas do norte de Cauca e avançou até Bogotá (capital) para exigir seus direitos.
Em 2018, após receber o prêmio Goldman pelo Meio Ambiente, Francia se lançou como candidata a comandar a Câmara das Comunidades Afrodescendentes.
Em 2021, antes de apresentar a pré-candidatura à presidência da república foi líder do comitê nacional de paz, reconciliação e convivência do Conselho Nacional de Paz.
A favor da descriminalização do aborto e contra o neocolonialismo
Conhecida por ter uma retórica contundente e direta, Franca Márquez tem como bandeiras prioritárias o fim da desigualdade econômica das mulheres, a descriminalização do aborto, presença do Estado em regiões periféricas, erradica o racismo estrutural e preservação do meio ambiente e da “mãe terra”, com ela costuma dizer.
“Cresci com essas visões de colonialismo, racismo, violência armada, violência estrutural, mas também com a resistência de minha mãe, minha avó, que não aprendeu uma carta, mas que sempre nos ensinou que o importante é cuidar da vida e ver o território como um patrimônio ancestral”, declarou Márquez ao France 24.
Com Lucas Rocha e informações do G1