Por João Capibeirbe
“Na minha casa eu frito peixe com azeite de pracaxi,” disse-me uma senhora da comunidade.
Não é possível! Reagi incrédulo. O que sei é que o azeite de pracaxi amarga e fede!
Sobre a mesa havia uma dezena de garrafas, pedi uma colher e pela primeira vez provei o azeite de pracaxi. Fiquei positivamente chocado com o sabor! Naquele dia, 29 de julho de 2021, aprendi que o pracaxi, além de sua utilização na medicina e na cosmética, era saboroso, bom de comer! De lá pra cá, eu troquei, o azeite de oliva, que vem de Portugal, da Espanha, da Grécia, pelo azeite de pracaxi, produzido pelas mulheres do Limão do Curuá, comunidade ribeirinha da Ilha Grande do Curuá, arquipélago do Bailique, onde eu me encontrava naquele dia de julho.
- Pergunto-me porquê não aprendi isso antes? Aliás, porquê não nasci sabendo que o azeite de pracaxi é tão bom na salada quanto o azeite de oliva? Pois bem, em um dia de dezembro de 2021, eu e Janete convidamos as pessoas mais qualificadas da nossa cidade, professores doutores e pesquisadores da Unifap,Ueap, Ifap e Embrapa, para provar uma saladinha que fizemos em casa. Uma temperada com azeite de oliva, a outra com azeite de pracaxi, os comensais acharam as duas deliciosas, quando perguntei quem era quem, eles não souberam responder, não conseguiram distinguir um azeite do outro na salada. Eles e elas, homens e mulheres de ciência, assim como eu até aquele 29 de julho no Limão do Curuá, não sabíamos que o azeite de pracaxi era comestível, tão bom ou melhor que o azeite de oliva.
Essa degustação, que causou surpresa geral, foi um momento de intenso aprendizado, um dia para ficar na história, aconteceu precisamente no dia 20 de dezembro de 2021, quando homens e mulheres de ciência e tecnologia do Amapá, descobriram o azeite de pracaxi comestível. E mais, nesse mesmo dia experimentaram e aprovaram o vinho tinto seco feito de açaí, no entanto deste assunto falaremos em uma outra ocasião.
Nesse dia, senti como nunca o peso do colonialismo ecológico em nossas vidas. É verdade! Somos detentores da maior biodiversidade do planeta. Também é verdade que pouca ou quase nada sabemos dela. Nossas instituições de pesquisas na Amazônia e no Brasil, mesmo a Embrapa, que estava presente na degustação, não dispõem de orçamentos claramente definidos para pesquisa básica ou aplicada sobre a biodiversidade amazônica, quando muito vamos encontrar um ou outro abnegado, sem apoio institucional, desenvolvendo projetos de pouca monta nessa área.
Precisamos entender que nosso atraso é político! O carrapato que chegou por aqui há 500 anos continua agarrado em nossas costas, sugando nosso sangue, ensinando-nos a fazer tudo que é bom pra ele e nos mantendo na mais profunda ignorância sobre o que é bom pra nós. Continuamos de costas para nossa biodiversidade, consumindo azeite de oliva e fermentado de uva, plantando pinho, dendê e eucalipto, criando carpa e tilápia, trocando floresta biodiversa por monocultura, resumindo, continuamos como nos velhos tempos do Brasil colônia, exportando matéria prima de baixo valor agregado,
exportando riqueza e distribuindo pobreza internamente.
Mas nem sempre foi assim! Pelo menos num pedacinho do território nacional! No Amapá, na década de noventa, vivemos uma experiência ousada, revolucionária, o Programa de Desenvolvimento Sustentável do Amapá – PDSA, que tirou das prateleiras da utopia o conceito de desenvolvimento sustentável e o transformou em prática de governo, colocando os indicadores sociais, econômicos e culturais do Amapá entre os mais altos do país, os registros históricos estão disponíveis, vamos revisitá-los e trazê-los de volta ao futuro. Não foi à toa que a elite política de mentalidade colonial se opôs ao PDSA, que estabelecia uma nova relação homem-natureza, propunha uma nova economia baseada no uso sustentável da biodiversidade, mexia com as estruturas de uma sociedade injusta e desigual, parada no tempo cheirando a mofo.
Mas nem tudo está perdido! Naquela nossa ida ao Bailique em julho de 2021, quando tomamos conhecimento que o azeite de pracaxi, extraído a frio, era bom pra comer e depois daquela degustação de vinho de açaí em dezembro, com o estafe da ciência e da tecnologia do Amapá, percebi que ainda há tempo para nos reinventar e sair do atraso.
*Ex-governador, ex-senador pelo PSB, ativista pelo desenvolvimento humano e sustentável da Amazônia.