A união entre queimadas e a pandemia da Covid-19 deve agravar ainda mais o impacto da pandemia em hospitais já sobrecarregados da Amazônia Legal e do Pantanal. Isso pode acontecer porque a queima de biomassa da floresta produz material particulado fino que, assim como o coronavírus, tem potencial para desencadear processos inflamatórios no organismo de pessoas expostas à fumaça.
O aumento do número de internações pode chegar a 30% entre crianças que vivem em áreas afetadas pelo fogo. A previsão é da pesquisa “Covid-19 e queimadas na Amazônia Legal e no Pantanal: aspectos cumulativos e vulnerabilidades“, produzida pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
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“A Covid-19 complica bastante as coisas, pois pode dar o azar de uma pessoa ter a doença e ficar exposta à fumaça. Isso vai agravar o estado de saúde do paciente. Além do mais, pode provocar uma confusão de diagnóstico, pois os sintomas de doenças respiratórias comuns e do novo coronavírus são muito parecidos. Para piorar, o Brasil faz poucos testes para detecção da Covid-19”, alerta o especialista em saúde pública Christovam Barcellos, que é vice-presidente do Icict e coordenou a equipe que realizou a pesquisa.
Geógrafo formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Barcellos se dedica há 35 anos à pesquisa sobre o impacto das deficiências do sistema de saúde pública em populações vulneráveis. Ao longo desse período, acumulou experiência como sanitarista das secretarias estaduais de Saúde do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Hoje, atua na área de geografia da saúde com ênfase em vigilância.
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Em entrevista ao InfoAmazonia, divulgada pela sucursal brasileira da agência alemã Deutsche Welle, ele aprofunda pontos da pesquisa realizada pela Fiocruz que aponta o Arco do Desmatamento, no sudeste do Pará e norte do Mato Grosso, a porção ocidental da Amazônia Legal e o bioma Pantanal como áreas críticas para a combinação da Covid-19 e queimadas.
“O sudeste do Pará e o norte do Mato Grosso (que engloba unidades de conservação ambiental e terras indígenas, incluindo o Parque do Xingu) têm elevado número de desmatamentos, além das queimadas. E a porção ocidental da Amazônia Legal apresenta alta incidência de casos e de óbitos por covid-19 numa região que historicamente apresenta escassez de serviços de saúde e de estradas”, diz um trecho da nota técnica que resultou da pesquisa.
Queimadas e a relação com a saúde
A preocupação da Fiocruz tem precedentes em estudos realizados em anos anteriores, antes da existência da covid-19, pelo Observatório de Clima e Saúde. “Mesmo que não haja a infecção pelo vírus Sars-Cov-2, as pessoas afetadas pela fumaça derivada de queimadas poderão enfrentar sérios problemas de atendimento na rede de saúde, que já se encontra comprometida com a atenção aos doentes graves de covid-19, principalmente em leitos hospitalares”, destaca.
Barcellos alerta que esse comprometimento da rede de saúde já está evidente. “A combinação de queimadas e covid-19 provoca uma competição por leitos. Os leitos que deveriam ser ocupados pelas doenças típicas dessa época do ano na Amazônia já estão lotados por casos de covid-19. Isso é muito preocupante. É um alerta para o sistema de saúde, gestores, prefeitos e população, pois é muito perigoso o que pode acontecer.”
A conversa com o pesquisador faz parte da série Amazônia Sufocada, que vem mostrando o impacto das queimadas na região amazônica, uma das mais afetadas pelo coronavírus no Brasil.
Confira a entrevista na íntegra neste link.