Após duas semanas, a CPI da Pandemia no Senado retomou os depoimentos nesta terça-feira (3) com o reverendo Amilton Gomes de Paula, que intermediou negociações paralelas para compra de 400 milhões de doses da AstraZeneca.
Negando ter contatos no governo, ele disse que enviou e-mail ao Ministério da Saúde no dia 22 de fevereiro, pedindo uma reunião, e foi atendido no mesmo dia. Às 16h30, ele foi recebido pelo então diretor de Imunização e Doenças Transmissíveis da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do ministério Lauricio Monteiro Cruz.
A rapidez e a facilidade com que ele conseguiu acesso ao governo espantou alguns senadores da CPI. O vice-presidente do colegiado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), foi o primeiro a desconfiar da situação:
“O senhor mandou e-mail às 12h, apontou o horário que queria ser recebido e no mesmo dia isso ocorreu. Queria essa eficiência do governo também com a Pfizer. O que nos espanta é que farmacêuticas de todo o mundo não tiveram esse tipo de tratamento. É um fenômeno isso!”
Randolfe Rodrigues
O presidente da CPI, Omar Aziz (MDB-AM), também não acreditou na versão e lembrou que se ele levasse uma comitiva de prefeitos de qualquer lugar do país ao ministério, teria dificuldade para ter um espaço na agenda, principalmente numa época de pandemia.
Defesa na CPI
Amilton Gomes afirmou que acredita ter sido recebido tão rapidamente em razão da urgência da demanda e da escassez de vacinas no mundo naquela época. Ele confirmou ainda não ter obtido aval de nenhum agente público para negociar vacinas.
Amilton Gomes foi apontado pelo PM Luiz Paulo Dominguetti como intermediador entre o governo e a Davati Medical Supply, oferecendo vacinas da AstraZeneca ao Ministério da Saúde. Dominguetti relatou à CPI que tinha procurado a Senah para viabilizar o negócio e revelou que o ex-diretor de Logística do Ministério Roberto Ferreira Dias teria exigido US$ 1 de propina para cada dose negociada.
Ao abir seu depoimento, Amilton Gomes disse que, diante da situação, a entidade foi usada “de maneira odiosa para fins espúrios”.
“Vimos um trabalho de 22 anos de uma organização não-governamental séria para ações humanitárias jogado na lama. Isso trouxe prejuízo na credibilidade e atingindo seus integrantes nas relações profissionais e familiares.”
Amilton de Paula
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CPI ouve suspeito de intermediar vacinas
Após deliberação sobre requerimentos, senadores começam a ouvir o reverendo Amilton Gomes de Paula, apontado por representantes da Davati Medical Supply como um “intermediador” entre empresas que ofertavam vacinas e o governo federal. Ele chegou a ser convocado para depor antes do recesso parlamentar, mas apresentou um atestado médico, e o depoimento foi então adiado. O reverendo comparece munido por um habeas corpus.
A convocação do religioso atende pedido do vice-presidente do colegiado, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). O senador lembra que o caso veio à tona no início de julho, quando o Jornal Nacional, da Rede Globo, mostrou e-mails em que o diretor de Imunização do Ministério da Saúde, Laurício Cruz, autorizava o reverendo a comprar, por meio da ONG Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), 400 milhões de doses de vacinas contra a covid-19.
O depoimento de Amilton de Paula estava marcado anteriormente para o dia 14 de julho, mas foi adiado por questões de saúde. Ele apresentou um atestado médico alegando problemas renais, o que foi confirmado por perícia médica do Senado.
Recuperado, o reverendo comparece ao Senado munido de um habeas corpus concedido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, que autorizou o silêncio parcial de Amilton Gomes de Paula. O depoente não precisará responder questionamentos que possam incriminá-lo. Fux negou o pedido apresentado pela defesa de Amilton de não comparecer ou se retirar da sessão. Além da oitiva do reverendo Amilton, a CPI da Pandemia analisará uma série de requerimentos.
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Assista à reunião da CPI
Primeiro encontro do reverendo com Dominguetti ocorreu em fevereiro
Ao iniciar sua fala, o reverendo Amilton Gomes de Paula disse que a proposta para aquisição de 400 milhões de doses da Astrazeneca com a Davati ocorreu em 16 de fevereiro, por meio do representante da empresa, Dominguetti Pereira. De acordo com ele, as primeiras reuniões com o Ministério da Saúde foram realizadas a partir do dia 22 de fevereiro de 2021, com a participação de diretores da ONG Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah) responsáveis por conduzir Dominguetti ao ministério. O reverendo é fundador e presidente da Senah.
Reverendo diz que Senah não negocia vacinas, mas fala em ‘conversações’
Questionado pelo relator, Renan Calheiros (MDB-AL), sobre a atuação da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah) na negociação de vacinas, o reverendo Amilton disse desconhecer essa “narrativa”. Afirmou que o trabalho da Senah é humanitário, mas abriu “conversações” devido ao preço de US$ 3,50 informado por Luiz Paulo Dominguetti. O religioso reforçou que “nunca havia negociado vacinas” e que apenas “apresentou as informações” ao Ministério da Saúde.
Amilton nega conhecer agentes públicos do Ministério da Saúde
Após Renan Calheiros (MDB-AL) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) perguntarem ao reverendo Amilton o que explicaria o seu prestígio por ter sido recebido no Ministério da Saúde no mesmo dia em que encaminhou e-mail, enquanto laboratórios eram ignorados pelo governo, o religioso afirmou que foi pela “urgência da demanda e escassez” de vacinas. Amilton negou conhecer alguém na pasta.
Reverendo diz desconhecer oferta de propina para vacinas
Ao senador Eduardo Braga (MDB-AM), o reverendo Amilton disse desconhecer a denúncia do pedido de propina de US$ 1 por dose da vacina AstraZeneca, como afirmou à CPI o policial Dominguetti Pereira, representante da empresa Davati, à CPI.
O reverendo disse ainda que conversou duas vezes com o CEO da Davati, Herman Cadenas, que teria lhe garantido que tinha vacinas para serem comercializadas.
Braga destacou que, em recente entrevista televisiva, Cadenas assegurou que tinha prioridade de alocação e não vacinas propriamente.
Amilton negou acordo com Davati, mas admitiu ‘doação’ à Senah
Diante de perguntas de Fabiano Contarato (Rede-ES) e Renan Calheiros (MDB-AL) sobre acordos ou acertos com a Davati por encaminhar Luiz Paulo Dominguetti ao Ministério da Saúde, o reverendo Amilton negou acordo, mas admitiu que Cristiano Carvalho, da Davati, falou em “doação” à Senah, mas não indicou o valor. Sobre cartas encaminhadas a governadores e prefeitos com ofertas de vacinas, Amilton disse não se lembrar de quanto a ONG receberia.
Governadores não responderam às ofertas de vacina, segundo reverendo
Em resposta ao senador Fabiano Contarato (Rede-ES) sobre cartas enviadas aos governadores oferecendo vacinas no valor de US$ 3,50, o reverendo Amilton disse que não cuidava da demanda de negociação com os gestores estaduais.
Segundo o depoente, nenhum governador respondeu às ofertas de vacina feitas pela Senah.
Reunião no MS contou com presidente do Força Brasil, diz reverendo
Segundo o reverendo Amilton Gomes de Paula, a reunião no Ministério da Saúde no dia 12 de março, para tratar sobre a proposta da Davati, foi compartilhada com o coronel Helcio Bruno de Almeida, presidente do Instituto Força Brasil. Ele informou ainda que cerca de dez pessoas participaram do encontro, entre eles, Luiz Paulo Dominguetti, Cristiano Carvalho, o então secretário-executivo da pasta, Elcio Franco, e o ex-diretor de Programas do ministério, coronel Marcelo Bento Pires.
Amilton Gomes também disse que chegou a discutir com o presidente do Instituto Força Brasil, no dia 9 de março, sobre outros projetos. Entre eles, a proposta que estava em tramitação no Congresso Nacional e que autorizava a aquisição de imunizantes contra a covid-19 por empresas para vacinação de seus funcionários e doação de 50% das vacinas ao SUS. O projeto não chegou a ser aprovado.
Reverendo afirma que não tem ligação com políticos
Mesmo contestado por senadores, o reverendo Amilton Gomes de Paula negou ter ligação com parlamentares e com o presidente Jair Bolsonaro. Ele disse que só teve ligação com o deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP), que teria assinado carta de apoio à Senah para a aquisição de vacinas pelo governo, de acordo com a proposta da Davati.
‘Foi uma bravata’ diz reverendo sobre menção a autoridade
O reverendo foi confrontado pelo senador Humberto Costa (PT-PE) com uma mensagem para Dominguetti em que dizia ter conversado “com quem manda”, mas ele se limitou a responder que “foi uma bravata”. Sobre ter citado Michelle Bolsonaro em conversas, Amilton disse não se lembrar do contexto em que falou que a primeira-dama estava “entrando no circuito”: “Era mostrar algo que eu não tinha”. O reverendo disse também que não esteve com o presidente da República.
Com informações da Agência Senado