
Parlamentares, ex-ministros e outras autoridades criticaram a decisão do Exército de não punir o ex-ministro da Saúde, o general da ativa Eduardo Pazuello, por participar de um ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), no Rio de Janeiro. Nas redes sociais, as autoridades afirmam que a decisão vai contra a hierarquia da Força. A cúpula da CPI da Pandemia, entretanto, evitou o confronto direto com o comando militar.
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O Comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, decidiu arquivar processo administrativo contra o também general Pazuello, aberto após participação em ato político ao lado do presidente. Na ocasião, Pazuello subiu em um carro de som no aterro do Flamengo para exaltar Bolsonaro, após passeio de moto do presidente com apoiadores.
Em nota divulgada na quinta (3), o Centro de Comunicação Social do Exército afirma que Oliveira “acolheu os argumentos apresentados por escrito e sustentados oralmente pelo referido oficial-general. Desta forma, não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do General Pazuello. Em consequência, arquivou-se o procedimento administrativo que havia sido instaurado”.
De acordo com Regulamento Disciplinar do Exército, instituído por decreto em 26 de agosto de 2002, configura-se em transgressão “manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária”. A nota não diz se Pazuello foi autorizado a participar. O Estatuto dos Militares, definido na Lei 6880, de 1980, não deixa qualquer margem: “são proibidas quaisquer manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório ou político”.
Socialista critica Exército
O socialista Milton Coelho (PSB-PE) destacou no Twitter que a decisão do Exército abre perigoso precedente e estimula militares ao engajamento na “aventura autoritária” de Bolsonaro.
PEC proíbe militares no governo
O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), também se mostrou indignado com a falta de punição contra o general. “O Exército não decidiu arquivar a denúncia contra Pazuello. O Exército decidiu que agora militar pode participar de manifestações políticas como bem entender. Isso não será bom para uma instituição que tem o respeito do povo brasileiro”.
A deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), por sua vez, afirmou ao jornal O Globo que retomará coleta de assinaturas para protocolar PEC que tem objetivo de impedir que militares da ativa ocupem cargos no governo, proposta que tem o apoio do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ).
“É hora de levar à frente a minha PEC sobre militar ocupar espaços no governo. Na semana que vem, farei um intensivo para retomar a coleta de assinaturas para andar com essa PEC. Militar pode até ocupar espaço no governo, contanto que deixe a ativa e vá para a reserva”, disse Perpétua. Ela afirma possuir, até o momento, 80 das 171 assinaturas necessárias para protocolar a PEC.
Pelas redes sociais, o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ressaltou que já assinou o apoiamento à proposta: “Está na hora de a Câmara discutir essa PEC. Cada vez tenho maior convicção: estamos vivendo um chavismo de direita”, concluiu Maia.
Oposição condena posicionamento do Exército
O líder da oposição no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN), afirmou que, na prática, o Exército liberou com a decisão a participação de militares da ativa em atos políticos.
“Liberou geral! Com esta lacônica justificativa, fica patente que acabou a proibição a militares da ativa de participar de manifestações políticas. Quantos vão afrontar a regra com base na ‘jurisprudência’ aberta por conta de Pazuello?”
Jean Paul Prates
O deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), ex-ministro da Saúde, afirmou nas redes sociais que o Exército “é avalista escancara do genocídio Bolsonaro”.
“Cara de PAUzuello foi ser Ministro da Saude,mesmo na ativa, o Exercito deu aval. Fez uma.gestão trágica,deu aval.Mentiu na CPI,deu aval.Subiu no carro de soms/máscara,deu aval.O Comando do Exército é avalista escancarado do genocidio Bolsonaro”.
Alexandre Padilha
O líder da Minoria na Câmara, Marcelo Freixo (Psol-RJ), diz que é “gravíssimo o Exército não punir Pazuello”.
“Gravíssimo o Exército não punir Pazuello, violando seu próprio Estatuto e o Código Penal Militar. As Forças Armadas, que deveriam agir como instituições de Estado, estão se desmoralizando diante da delinquência de Bolsonaro e estimulando a quebra da disciplina pela tropa”.
Marcelo Freixo
Marco Aurélio se preocupa com “preservação da disciplina”
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello afirmou estar “perplexo” com a decisão do comandante do Exército, general Paulo Sérgio, de arquivar o procedimento disciplinar contra Pazuello.
“Preocupa-me quanto à preservação da disciplina e hierarquia nas Forcas Armadas. Carreata de de motos, palanque, presidente da República, um deputado federal e um general da ativa, os que identifiquei na fotografia. O sistema não fecha. Estou perplexo”.
Marco Aurélio Mello
Santos Cruz declara guerra a Bolsonaro
Em veemente protesto pelas redes sociais, o general Santos Cruz sugere que militares devem se unir contra tentativa de desmoralização do Exército por Bolsonaro.
Leia a íntegra:
“VERGONHA!
Ontem, 3 de junho de 2021, fui surpreendido com telefonemas e mensagens de dezenas de jornalistas sobre o encerramento do caso Pazuello. Em atenção ao trabalho que fazem, sempre respondo, mesmo que seja para informar que nada tenho a dizer. Mas ontem eu não disse nada. Por vergonha.
Por formação, me nego a fazer qualquer consideração sobre a decisão. Sobre o conjunto dos fatos, é uma desmoralização para todos nós. Houve um ataque frontal à disciplina e à hierarquia, princípios fundamentais à profissão militar. Mais um movimento coerente com a conduta do Presidente da República e com seu projeto pessoal de poder. A cada dia ele avança mais um passo na erosão das instituições. Falta de respeito pessoal, funcional e institucional. Desrespeito ao Exército, ao povo e ao Brasil. Frequentemente, com sua conduta pessoal, ele procura desrespeitar, desmoralizar pessoas e enfraquecer instituições.
Não se pode aceitar a SUBVERSÃO da ordem, da hierarquia e da disciplina no Exército, instituição que construiu seu prestígio ao longo da história com trabalho e dedicação de muitos.Péssimo exemplo para todos. Péssimo para o Brasil. À irresponsabilidade e à demagogia de dizer que esse é o “meu exército”, eu só posso dizer que o “seu exército” NÃO É O EXÉRCITO BRASILEIRO. Este é de todos os brasileiros. É da nação brasileira.
A politização das Forças Armadas para interesses pessoais e de grupos precisa ser combatida. É um mal que precisa ser cortado pela raiz. Independente de qualquer consideração, a UNIÃO de todos os militares com seus comandantes continua sendo a grande arma para não deixar a política partidária, a politicagem e o populismo entrarem nos quartéis”.
Etchegoyen diz: “Decisão do Exército é indefensável”
Ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o general Sérgio Etchegoyen chamou de “indefensável” a decisão do Exército de não punir Eduardo Pazuello.
“Sou um soldado disciplinado, fui assim minha vida inteira. Não vou criticar uma decisão do comandante do Exército, até porque a julgo indefensável”, disse o general da reserva à Coluna. Etchegoyen é conhecido por ser discreto e respeitado. Nos bastidores, militares de alta patente se disseram incrédulos, chocados, e decepcionados: Jair Bolsonaro conseguiu um Exército só “seu”.
Sérgio Etchegoyen
Ex-ministros desaprovam atitude do Exército
O ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo avalia a decisão do Exército como um “habeas corpus para a indisciplina”.
“Se um general pode subir no palanque para fazer arenga política, para defender posições políticas, o que vai impedir que o cabo, o soldado, o sargento façam o mesmo? Ou as pessoas acham que todo mundo ali vai fazer campanha e ser militante político do Bolsonaro? Quando o cabo resolver subir no palanque do PSOL, do PT, ou do PSDB ou do DEM, quem vai ter força moral para impedir isso? Na verdade, a não punição é uma espécie de habeas corpus para a indisciplina”.
Aldo Rebelo
Também ex-ministro da Defesa, Raul Jungmann classificou a decisão do Exército como “capitulação” e disse que é hora de reagir antes que seja tarde. “A capitulação de hoje não honra os ex-comandantes da Marinha, Exército e da Aeronáutica e do ex-ministro da Defesa, que não se dobraram ao presidente e caíram por respeito a constituição e à democracia, com quem as Forças Armadas permanecem. Mas é hora de reagir e de unidade. Antes que seja tarde”, afirmou Jungmann.
OAB alerta para partidarização das Forças Armadas
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, disse que “a partidarização das Forças Armadas ameaça a democracia e abre espaço para a anarquia nos quarteis”. Ele defendeu que as instituições devem dar “respostas firmes para impedir retrocessos e quebra da ordem institucional”.
“Não é raro ouvir declarações públicas dos comandantes militares de que “quando a política entra pela porta da frente num quartel, a hierarquia e a disciplina saem pela porta dos fundos”. Pois a decisão de hoje escancarou as portas, ao não punir um general da ativa que participou de um evento político, em clara afronta à disciplina e ao que determina a lei”, criticou Santa Cruz.
CPI da Pandemia não se pronuncia sobre o caso
O presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), evitou entrar no mérito da decisão do Exército, que, segundo ele, “é interna e administrativa”. “Não me cabe avaliar, assim como não caberia a qualquer instância do Exército avaliar decisões do âmbito do Senado. Assim deve ser o estado democrático: com autonomia e equilíbrio entre as instituições que o integram”, afirmou Aziz, em nota.
Já o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), minimizou a decisão, dizendo ter certeza de que “os comandantes não vão se render na guerra pela democracia”. Ele também afirmou que prefere acreditar que foi um “movimento de retirada, de recuo, não de capitulação”. “É um movimento tático para poupar forças para a batalha final contra os golpistas e inimigos da Constituição”, escreveu Renan em suas redes sociais.
Cargo novo para Pazuello
Pouco mais de dois meses após deixar o ministério da Saúde, Pazuello foi nomeado no dia 1º de junho por Bolsonaro para um cargo na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Nesse meio tempo, o general chegou a ser reincorporado ao Exército. O general comandou a pasta da Saúde por cerca dez meses. No período, a Brasil saltou de aproximadamente 218 mil casos e 15 mil mortes para quase 11,5 milhões de registros e cerca de 280 mil vítimas fatais pela covid-19.
Com informações do jornal O Globo, O Estado de S. Paulo, Brasil 247 e Brasil de Fato