Anunciado na noite do último domingo (23) por Donald Trump como um “avanço histórico” para o tratamento da Covid-19, o uso de plasma convalescente no tratamento de pacientes diagnosticados com a doença ainda é questionado por pesquisadores e médicos dentro e fora dos Estados Unidos.
Depois de sofrer pressão dentro de seu próprio partido por sua atuação na pandemia, o presidente americano fez o lançamento oficial do método, afirmando mostrar uma “taxa de sucesso inacreditável” e “salvará inúmeras vidas”. A pandemia de coronavírus continua a se espalhar no país, que já infectou mais de 5,7 milhões de americanos e matou mais de 177 mil – ambos são os maiores totais para qualquer país do mundo.
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Com ou sem anúncio, até agora as experiências com essa técnica têm sido bastante comedidas e a própria Food and Drug Administration (FDA), agência que regulamenta o uso de medicamentos nos EUA, vê apenas um “benefício potencial” na terapia, que seria maior do que os efeitos colaterais conhecidos. Até que dados mais confiáveis de ensaios clínicos estejam disponíveis, o método não deve ser visto como o novo padrão para o tratamento de pacientes da Covid-19, recomenda a FDA.
Plasma e uma nova esperança
Desde o início da pandemia, o tratamento com plasma convalescente é visto como uma esperança. A ideia é simples: pacientes recuperados da Covid-19 carregam em seu soro sanguíneo uma grande quantidade de anticorpos diferentes que podem combater a doença de maneira eficaz. Se tais anticorpos, isolados e purificados, forem então injetados em outro paciente, este recebe uma “imunização passiva”. No sentido estrito da palavra, não se trata de uma vacinação, pois os anticorpos não foram produzidos pelo próprio organismo.
Mas a vantagem é clara: no caso de uma infecção, o corpo não precisa se extenuar para produzir seus próprios anticorpos, mas recebe diretamente os anticorpos adequados que podem combater o patógeno imediatamente. A imunização passiva, no entanto, dura apenas algumas semanas ou meses, não oferecendo, portanto, uma imunidade permanente.
Histórico nos EUA
Criado em 1890 pelo imunologista alemão Emil von Behring, o método de imunização passiva já estava sendo usada nos EUA durante a crise do coronavírus. Segundo a FDA, cerca de 70 mil pacientes com a Covid-19 receberam plasma sanguíneo. A licença especial prevê o uso deste tratamento somente sob condições rigorosas, ou seja, no âmbito de testes clínicos e em casos de estado de saúde gravíssimo.
O sucesso desta terapia segue sendo controverso. De acordo com o Secretário de Saúde dos EUA, Alex Azar, os pacientes tratados com plasma tiveram uma taxa de sobrevivência 35% maior. Com a aprovação atual do tratamento, mais pacientes poderão ter acesso a ele no futuro.
Neste momento, não apenas falta plasma, como principalmente quase não existem sucessos comprovados que justifiquem o uso de tal terapia complexa. Esta é outra razão pela qual a FDA não aprovou totalmente o método.
As reservas da agência sobre o uso do plasma resultam, entre outras coisas, dos dados extremamente limitados disponíveis, que não fornecem informações confiáveis sobre a eficácia do método.
Um estudo de 10 de agosto, publicado no American Journal of Pathology, indica que o tratamento com plasma pode ser bem-sucedido na fase inicial da doença. No entanto, o estudo não pôde concluir se esse resultado está relacionado à terapia ou se os pacientes desenvolveram anticorpos próprios suficientes independentemente desta imunização passiva.
Plasma e estudos na China
Um dos poucos estudos randomizados na cidade chinesa de Wuhan também indicou bons resultados em pacientes em estado grave. Um total de 103 infectados em estado grave e com idade média de 70 anos foram examinados entre 14 de fevereiro e 1º de abril. Destes, 52 receberam plasma, além de ventilação e cuidados intensivos.
Em 51,9% dos pacientes (27 de 52) houve uma melhora clínica após a terapia, em comparação com 43,1% no grupo controle. Neste último, 22 de 51 pacientes mostraram uma melhora clínica.
Apesar da boa notícia, não há nenhuma diferença significativa estatisticamente. O mesmo se aplica à mortalidade em 28 dias (15,7% com terapia de plasma, 24% sem). Para resultados mais significativos, mais pacientes teriam que ser examinados por um longo período, admitiram os cientistas chineses.
Enquanto isso, na Holanda, um estudo randomizado sobre esse tratamento chegou a ser interrompido porque 79% dos pacientes examinados já haviam formado a mesma concentração de anticorpos que os doadores de plasma.
Mais pesquisas
Diante dos dados escassos e da eficácia ainda não comprovada, o tratamento com plasma para a Covid-19 ainda não provou ser uma terapia poderosa do ponto de vista médico que “salvará inúmeras vidas”, como afirmou o presidente americano.
As incertezas não residem apenas no potencial do tratamento em pacientes com covid-19. Os próprios efeitos colaterais ainda não foram pesquisados de forma exaustiva, já que a administração de um soro estranho também pode piorar a condição do enfermo de forma dramática no caso de uma reação imunológica.
Somente no futuro, será possível saber se a terapia pode realmente ser uma contribuição eficaz para o combate à atual pandemia. A clareza só virá com mais estudos randomizados, que contarem com pacientes e grupos de controle suficientemente grandes.
Com informações da Deutsche Welle Brasil e CNN USA