O delegado aposentado da Polícia Federal Jorge Pontes afirma que a corrupção sistêmica faz parte do governo de Jair Bolsonaro (PL). Ele é autor do livro “Crime.gov”, que escreveu junto com o também delegado Márcio Anselmo, e em entrevista ao jornalista Guilherme Amado, do Metrópoles, foi categórico: “o maior equívoco” dos apoiadores de Bolsonaro foi acreditar que não há corrupção no governo dele.
O delegado, que foi diretor no Ministério da Justiça quando Sergio Moro foi ministro, afirma que desde a redemocratização do país, a PF nunca teve tanta perda de autonomia como sob a gestão Bolsonaro com a desestruturação dos “arcabouços de fiscalização”.
Ao jornalista, Pontes conta que a percepção de que o discurso anticorrupção de Bolsonaro não batia com a realidade foi caindo aos poucos. Começou com a retirada do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça para o Ministério da Economia.
Também houve estranhamento sobre indicações para um grupo, como a pesquisadora Ilona Szabó, a tentativa de tirar o então diretor da Polícia Federal, Maurício Valeixo, sobre troca da Superintendência do Rio de Janeiro, “que virou uma fixação do presidente”, nas palavras de Pontes.
“Tudo aquilo foi dando uma sensação muito ruim, nós nos entreolhávamos no Ministério da Justiça, eu tinha colegas de longa data lá, de turma de delegados, e todos lá estavam iludidos. Iludidos com a possibilidade de estarmos fazendo um trabalho inovador. Nós começamos a sentir que não tínhamos o apoio do Planalto e ficou claro isso por conta do passado de Bolsonaro, do envolvimento dos filhos, do envolvimento do próprio presidente em processos de rachadinha, enfim, por conta de todo o passado que até então era nebuloso para mim e outros colegas por causa das promessas de campanha”, analisa.
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Para ele, houve claramente perda de autonomia na Polícia Federal, que atingiu patamares inéditos quando Lula (PT) foi presidente.
“Inclusive, no livro, há um capítulo chamado “O paradoxo da Polícia Federal sobre Lula”, e isso a gente reconheceu lá atrás, antes de assumir qualquer posição em governo, antes de trabalhar com o Sergio Moro no Ministério da Justiça, está reconhecido no livro, que, apesar do Petrolão e do Mensalão, apesar dos escândalos de corrupção que envolveram o PT em sequência, foi no governo Lula que a Polícia Federal atingiu patamares até então nunca atingidos. Patamares de excelência, de desenvolvimento de técnicas de investigação, desenvolvimento tecnológicos, de concursos, de entrada de mulheres… Isso é inegável”, afirma.
Corrupção acontece nas sombras
Ao ser questionado sobre a percepção do discurso de que não há corrupção, o delegado é categórico.
“Esse é um discurso extremamente equivocado. Talvez o maior equívoco dos apoiadores do presidente Bolsonaro seja acreditar que não existe corrupção nesse governo. Primeiro que corrupção não é um crime que acontece ali na Praça dos Três Poderes, corrupção acontece nas sombras”, ressalta.
E afirma que há grande diferença entre dizer que “não existe corrupção no governo, outra coisa é dizer que não houve, até então, um escândalo de corrupção, mas que pode estar tendo certamente mais do que em outros governos”.
“Esse governo abandonou todas as pretensões e promessas de combate à corrupção em 2019 mesmo. Associou -se ao mesmo Centrão que estava no mensalão, que estava no Petrolão, são as mesmas figuras”, critica.
‘Qualquer um, menos Augusto Aras’
O delegado não poupou críticas também ao Procurador-Geral da República, Augusto Aras, e aos indicados por Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal (STF), Kassio Nunes Marques, que foi a Paris em jatinho particular de advogado que tem processos no STF assistir a jogos, e André Mendonça.
“Nós esperávamos qualquer um, menos o Augusto Aras, porque o Aras é anti-enfrentamento da corrupção. Esse caso mesmo do ministro da Educação, porque ele não procedeu? Essa operação só saiu porque ele perdeu o foro privilegiado. Então é um PGR que é desacreditado pela sociedade. Até mesmo as indicações ao Supremo… Um terrivelmente evangélico, o outro que já era desembargador indicado politicamente”, afirma.
O que para ele reforça que, eleito na onda da Lava Jato com promessas de combate à corrupção, “abandonou totalmente todas as nomeações para funções importantes, inclusive para funções definitivas, como são as do STF”.
Institucionalização do crime
Pontes destaca ainda a quantidade de delgados afastados de suas funções por fazerem seu trabalho. E destaca toda a atuação de Bolsonaro e do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
“Para mim é um caso clássico de crime institucionalizado, porque, repare, ele (Bolsonaro) desestruturou, ele enfraqueceu, de cabeça pensada, todas as estruturas de fiscalização e repressão de crimes ambientais. Ele foi tirando os técnicos e colocando militares, pessoas que não têm o menor perfil para trabalhar com meio ambiente. Depois ele foi tirando os normativos, a necessidade de documentos para extração e exportação de madeira. Ele desestruturou os arcabouços de fiscalização e deu no que deu. Isso é delinquência institucionalizada e partiu de cima”, enfatiza.
Ele lembra os episódios em que Bolsonaro afirmou que colocaria “a cara no fogo” pelo ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, além dos escândalos no Ministério da Saúde, com a suspeita de compras de vacinas superfaturadas, e a obsessão bélica de Bolsonaro.
“Eu tenho uma suspeitas sobre a obsessão armamentista desse governo. Eu não me surpreenderia de lobbies, de militares da reserva que fazem portas giratórias e vão para a indústria de armas… São várias obsessões estranhas, a própria fabricação da cloroquina… Eu nunca ouvi maior balela do que dizer que esse governo não tem corrupção”, afirma.