
Desde 2004, no dia 29 de janeiro é celebrado o Dia Nacional da Visibilidade Trans. A data costuma ser marcada por uma série de notícias que já estamos acostumados diariamente, manchetes que falam sobre violência, morte, exclusão social e prostituição. No país que mais mata pessoas trans no mundo, conforme dados internacionais da ONG Transgender Europe (TGEU), essa realidade é esperada e, pior, normalizada.
A conscientização verdadeira, no entanto, não deveria vir apenas pela dor. Sermos taxados pelo sofrimento, discriminação e violência também é uma forma de nos invisibilizar. Parafraseando o Emicida: “achar que essas mazelas me definem é o pior dos crimes”.
Por isso, nessa data tão importante para gritarmos que estamos vivos e lutando cada dia mais por um país melhor, dar destaque às conquistas é tão necessário quanto conscientizar sobre a violência.
Recorde de pessoas trans eleitas
Pelo menos 30 pessoas trans foram eleitas para as Câmaras Municipais nas eleições de 2020 segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Entre elas, a vereadora Duda Salabert (PDT), eleita com recorde de votos ― 37 mil votos segundo o TSE ― em Belo Horizonte (MG).
Em São Paulo, Erika Hilton (PSOL) foi eleita a primeira mulher trans da Câmara de Vereadores, enquanto Thammy Miranda (PL) foi o primeiro homem trans a se tornar vereador da capital paulista. Já em Aracaju, a também educadora Linda Brasil (PSOL) foi eleita com o maior número de votos da história da capital sergipana.
Direitos garantidos no SUS
Em 2006, a partir da Carta dos Direitos do Usuário de Saúde, foi garantido às pessoas trans e travestis o direito ao nome social no Sistema Único de Saúde (SUS). A questão só foi regulamentada, porém, em 2009, um ano após as cirurgias de redesignação sexual começarem a ser realizadas também no sistema público de saúde.
Com apenas cinco hospitais autorizados a executar os procedimentos, porém, a espera na fila para realizar as cirurgias levam até 10 anos.
Nome social
As resoluções nº 11 e 12 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais foram publicadas em 12 de março de 2015, no Diário Oficial da União (DOU).
A primeira determina a inclusão dos campos “identidade de gênero” e “nome social” nos boletins de ocorrência policial, enquanto a segunda garante o direito de pessoas trans a serem tratadas pelo nome social em escolas e universidades e utilizarem o banheiro adequado à sua identidade de gênero.
O Decreto Presidencial Nº 8.727, de abril de 2016, determina que pessoas transexuais e travestis devem ser chamadas pelo nome social em todos os âmbitos da administração pública federal. O uso em órgãos municipais e estaduais dependem de leis específicas de cada local. Em Fortaleza, o tratamento por nome social em órgãos públicos é direito desde 2017 e, no Ceará, desde 2019.
Mas a maior vitória relacionada ao nome, algo tão básico na nossa identidade social, ocorreu em 2018, com a desburocratização da retificação do nome e gênero. Naquele ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a retificação dos documentos se inclui no direito à dignidade do cidadão, e por isso não poderia ser exigido cirurgia. Desde então, qualquer pessoas trans pode solicitar a mudança diretamente no cartório, sem processo judicial.
Redução da idade para procedimentos transexualizadores
Em janeiro de 2020, o Conselho Federal de Medicina (CFM) definiu novas regras para que médicos do Brasil lidem com pessoas trans após inúmeros relatos comprovando que a discriminação era um dos principais fatos que afastavam esse grupo do acesso ao tratamento médico.
Uma das mudanças ocorreu na resolução de 2010, que definia pessoas trans como “portadoras de desvio psicológico”. O documento atual determina um tratamento humanizado e adequado à fase da vida em que a pessoa explicitar a transição de gênero. Entre as medidas mais avançadas estão a redução de idade mínima para cirurgias de 21 para 18 anos, e de hormonização de 18 para 16 anos. Há também a possibilidade de se realizar tratamentos com bloqueadores de puberdade em adolescentes trans.
A resolução, porém, não atende a todas as demandas da população trans: existem problemas como a definição de travesti no documento, e o fato de que ignora a existência de pessoas não-binárias, focando somente no binarismo de gênero.
O que esperar para o futuro?
Dados da União Nacional LGBT apontam que o tempo médio de vida de uma pessoa trans no Brasil é de apenas 35 anos, enquanto a expectativa de vida da população em geral é de 75,5 anos, de acordo com informações divulgadas em dezembro de 2016 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O futuro, para nós, é curto, com muitas incertezas, desde o mercado de trabalho até o afeto familiar, mas estamos, aos poucos, superando as adversidades para sobreviver, ou melhor, viver. Com direitos básicos, como moradia, alimento, trabalho, mas também com a vivência humana que no foi negada por muito anos. A vivência do afeto, do acolhimento, do amor! Nossa urgência pela vida pode transformar a política, a saúde pública, o lar, o país.