
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completa 31 anos nesta terça-feira (13), é um marco na garantia de direitos fundamentais dessa população. Especialmente, porque determina que todos são responsáveis por garantir esses direitos: família, sociedade e poder público.
“É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”, afirma o art. 4º do ECA.
Ainda assim, os desafios continuam inúmeros e foram ampliados exponencialmente pelos efeitos nocivos da pandemia da covid-19.
Socialistas em defesa do ECA
A deputada Lídice da Mata (PSB-BA) lembra que o ECA transformou crianças e adolescentes em “prioridade máxima” do país e que “ser criança é um direito”.
O deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP) lembra a importância de estarmos todos atentos na proteção de crianças e adolescentes.
Pandemia e a crise humanitária
A assistente social Márcia Monte, especialista no Enfrentamento à Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes na ONG Visão Mundial, observa que apesar de ser uma “lei de vanguarda”, as consequências econômicas, políticas e sociais da pandemia resultaram em “grave crise humanitária”.
Em artigo publicado no Estadão, ela cita dados que dão o panorama dramático vivido por meninas e meninos em todo o país. Como o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).
“Mais da metade da população (55,2%) estava em situação de insegurança alimentar no final de 2020. Ou seja, não tinha certeza se haveria comida suficiente em casa no dia seguinte. A sondagem mostrou que 116,8 milhões de brasileiros conviveram com algum grau de insegurança alimentar, sendo que 9% do total vivenciaram insegurança alimentar grave; ou seja, passaram fome”, disse.
Ela cita ainda a mais alta taxa de desemprego medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que registrou 14,3% no trimestre encerrado em janeiro de 2021. O percentual de desempregados no país é o mais alto desde 2012, quando começou a série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua).
Educação de mal a pior
Márcia Monte também cita o estudo Cenário da Exclusão Escolar no Brasil. Divulgado em abril de 2021 pelo UNICEF em parceria com o Cenpec Educação, o estudo Cenário da Exclusão Escolar no Brasil.
“Um alerta sobre os impactos da pandemia da Covid-19 na Educação mostra que mais de 5 milhões de brasileiros de 6 a 17 anos não tinham acesso à educação no Brasil em novembro de 2020, número semelhante ao que o país apresentava no início dos anos 2000. Em 2019, havia quase 1,1 milhão de crianças e adolescentes em idade escolar obrigatória fora da escola no Brasil. Ou seja, o aumento da exclusão escolar foi bastante relevante”, observa a assistente social.
A exclusão escolar, indica o documento, afetava principalmente quem já vivia em situação mais vulnerável. “A maioria fora da escola era composta por pessoas pretas, pardas e indígenas, somando mais de 70% do total”, salienta.
Aumento da violência
“Além do agravamento da fome, da exclusão escolar e do trabalho infantil, percebe-se nas cidades brasileiras um aumento da violência contra adolescentes e jovens das periferias, gravidez e casamento precoces, dentre outras violações”, destaca a assistente social.
Por isso, ela reforça que o ECA “é fruto de uma luta coletiva, envolvendo diversos setores da sociedade civil.” O que a torna uma das leis mais avançadas em todo o mundo sobre a proteção da infância. Cita ainda a implementação dos Conselhos Tutelares em todas as regiões do país, que atendem a quase totalidade dos municípios brasileiros.
Direitos das mães reflete nas crianças
“É verdade que não é fácil avançar rapidamente com uma lei tão democrática, lutando contra nossas raízes históricas de desigualdades. Entretanto, o compromisso da sociedade brasileira deve ser o de avançar na implementação deste instrumento que chama para ação toda a sociedade, tirando das mãos de um só ator todas as forças e poder para a solução dos problemas”, observa a assistente social.
Professor destaca avanços do ECA
Já o professor de educação da Universidade de São Paulo (USP) e pedagogo Roberto da Silva pontuou as alterações mais significativas no próprio texto do documento. De acordo com Silva, houve mais de 400 avanços no ECA nesses 31 anos.
Segundo ele, o ECA “ajudou a criar uma infraestrutura que não existia; reformulou sistemas de saúde, educação, de trabalho da polícia”.
O professor destacou que boa parte dessas mudanças se refere à ampliação dos direitos das mães dessas crianças e adolescentes, principalmente nos aspectos de alimentação, saúde e cuidados, além de direitos trabalhistas e previdenciários.
Contribuições da USP nos avanços
Para essas alterações contribuíram as atividades do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação em Regimes de Privação da Liberdade, coordenado por Silva na Faculdade de Educação da USP. O grupo teve participação ativa na elaboração do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e do Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária.
Roberto da Silva destacou que o plano fechou o ciclo do reordenamento institucional ao regulamentar a prática do acolhimento. Os gigantescos abrigos onde ficavam mais de 1,5 mil crianças e jovens foram substituídos por casas pequenas, com capacidade para cerca de 20 crianças, tornando mais fácil o acompanhamento e a fiscalização.
Prioridade de adoção por brasileiros
Na área da adoção, foi resolvido um grande problema, que era o lobby de organizações religiosas que criaram um “mercado internacional de adoção”, citou o professor da USP. “Nós tínhamos mais adoções internacionais do que adoção nacional, no Brasil”. Hoje a adoção internacional é tratada somente no âmbito da excepcionalidade.
No caso da adoção nacional, Silva considera que o Cadastro Nacional de Adoção, criado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), ainda carece de eficácia. Isso ocorre, conforme explicou, porque alguns juízes ainda acham que a adoção deve ser feita na comarca e no estado deles, “quando, na verdade, o cadastro nacional é para universalizar a adoção de adotantes e adotandos no país inteiro”.
Professor viveu na pele os “Códigos de Menores”
Roberto da Silva viveu na rua e em abrigos dos 2 anos aos 18 anos de idade. “Passei pelos dois Códigos de Menores de 1927 e 1979, durante o cumprimento de penas, em São Paulo”, narrou. Silva contou que muitos dos meninos que foram criados com ele no abrigo encontrou dentro da prisão, onde permaneceu por dez anos. Foi ao sair da cadeia que tomou a decisão de estudar e se formar em professor de educação.
Função social da escola pública
Segundo o professor, a pandemia do novo coronavírus trouxe novos desafios para o cumprimento do ECA. Para ele, se as crianças e adolescentes foram a faixa menos atingida pela covid-19, recorrendo pouco ao Sistema Único de Saúde (SUS), na área da educação, houve grandes deficiências. “A escola faz muita falta para eles. O direito da aprendizagem ficou muito comprometido durante esse período”, analisou.
Silva enfatizou que o desafio daqui para a frente é rever “a função social da escola pública no Brasil”. Segundo ele, durante muitos anos houve um processo de transferência da responsabilidade da família para a escola e dos pais para os professores.
Falta preparo das famílias na escolarização
Neste momento de pandemia, a escola devolveu a responsabilidade para as famílias e os professores aos pais. Para o professor, o que se viu foi que famílias e pais não estão suficientemente preparados para acompanhar o processo de escolarização dos filhos.
Roberto da Silva afirmou que as famílias perceberam é que a escola ocupava o tempo livre da criança para eles poderem trabalharem e gerar renda e alimentação.
“O que menos fez falta foi o estudo, foram as lições. Nesse sentido, a escola precisa se reerguer”
Roberto Silva
Pandemia e ódio não podem matar nossos sonhos
Para abordar o tema, Roberto da Silva decidiu organizar um e-book intitulado ECA 31 Anos – Nem a Pandemia Nem o Ódio Podem Matar Nossos Sonhos. O trabalho reúne textos de 40 alunos da Faculdade de Educação da USP.
Leia também: Pandemia agravou a vulnerabilidade de crianças e adolescentes no país
Silva explicou que esses alunos nasceram na vigência do ECA e não conhecem grande parte da história de lutas que levou à criação do estatuto. “Mas tentaram uma aproximação da parte da política de implementação dos direitos da criança e do adolescente e acabaram descobrindo coisas muito interessantes para o educador”.
Até o dia 17 deste mês, o professor Silva e seus alunos participarão de lives para discutir os textos do livro, que pode ser encontrado nas lojas de livros digitais. As lives serão realizadas na página da Faculdade de Educação da USP.
Crianças e Autorreforma
Em sua Autorreforma, o PSB lembra que crianças e adolescentes são praticamente 33% da população do país. O patamar é ainda maior quando se observa os mais pobres, onde meninas e meninos chegam a 40,2%.
O PSB entende que para avançar, o país precisa necessariamente garantir cuidados e oportunidades justas e iguais para todos e todas. A garantia de um ensino público, gratuito, universal e de qualidade é essencial para formar pessoas capazes de tomar as melhores decisões e contribuírem positiva e criativamente para o desenvolvimento da coletividade.
Revolução criativa da educação
A proposta do partido é uma mudança na prática pedagógica dominante, substituindo-a por uma nova, que não tenha por base concepções mecanicistas da educação, que acabam por diminuir os espaços de criação, ao tentar “domesticar” as aspirações das crianças, dos adolescentes e dos jovens, interrompendo seus processos criativos.
Essa nova prática pedagógica deve privilegiar o conteúdo das humanidades que, atualmente, é oferecido de forma secundária enquanto as artes são totalmente negligenciadas.
“Uma revolução criativa na educação, que corresponda à nova era do conhecimento e à rápida transformação tecnológica, precisa alterar radicalmente a própria formação de professores e alunos para a construção de homens e mulheres libertários, tolerantes e criativos”, diz a Autorreforma.
Participação política
Além disso, os socialistas observam a necessidade de estimular a participação dos jovens na política. Por isso, o PSB trabalha em estratégias específicas que incluem a formação de quadros e a relação do Partido com as organizações juvenis e estudantis.
“Os jovens brasileiros, na sua maioria, são levados a entrar no mercado de trabalho pela via da informalidade, ou de forma precarizada, via pessoa jurídica, submetidos à uberização do trabalho e sem acesso a direitos trabalhistas”, defende a Autorreforma.
Com informações do Estadão e Agência Brasil