O esquerdista Gabriel Boric vai enfrentar o ultradireitista José Antonio Kast, no próximo domingo (19), para se tornar o sucessor de Sebastián Piñera no palácio de La Moneda. Embora alguns especialistas tenham alertado para um possível cansaço eleitoral, pois o Chile vem tendo uma série de eleições desde outubro de 2020, a corrida presidencial está acalorada. Nos últimos 15 meses, os chilenos tiveram que votar no referendo constitucional, nas eleições para eleger os deputados constituintes, prefeitos, vereadores e governadores, nas primárias presidenciais, no primeiro turno presidencial, em parlamentares e conselheiros regionais. Agora, dentro de poucos dias competirão entre si, com propostas opostas, Gabriel Boric, de 35 anos, deputado da Frente Ampla em aliança com o Partido Comunista, e José Antonio Kast, de 55 anos, um advogado ultraconservador, da extrema direita do Partido Republicano.
Kast somou 28% dos votos no primeiro turno disputado em 22 de novembro, frente a 25,5% de seu rival, segundo dados oficiais após a apuração de 100% das urnas. Será o duelo entre dois modelos de país completamente opostos: por um lado, o que cobra segurança e a restauração da paz perdida desde as revoltas de 2019, que sacudiram as raízes da transição democrática iniciada em 1990; do outro, aquele não está de acordo com os resultados do “milagre chileno” e deseja uma mudança de rumo radical, que amplie os direitos sociais.
Apesar de os dois terem moderado o tom para o segundo turno —porque 46% dos eleitores não votaram neles em 21 de novembro, mas em um dos outros cinco candidatos—, eles representam modelos diametralmente diferentes em conteúdo e forma. Têm, contudo, uma semelhança: ambos surgiram inesperadamente em cada um de seus setores do espectro político e há menos de um ano ninguém imaginava que a sucessão de Sebastian Piñera seria resolvida entre eles. Ambos também têm fortes laços com partidos espanhóis: enquanto Kast tem relações com o VOX, Boric mantém laços históricos com o Podemos.
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O comparecimento às urnas ainda continua sendo uma incógnita: em um país com altos índices de abstenção, em que o voto não é obrigatório, no primeiro turno apenas 47% dos eleitores foram às urnas, no Chile.
Apoio a Boric
Boric juntou à sua campanha de segundo turno grande parte das legendas que formavam a Concertação, a aliança de centro-esquerda que liderou o país entre 1990 e 2010 (nos Governos de Patricio Aylwin, Eduardo Frei, Ricardo Lagos e no primeiro mandato de Michelle Bachelet) e que hoje está no chão: a candidata Yasna Provoste ficou em quinto lugar, com 11,6% dos votos.
Os primeiros a apoiá-lo “sem condições” foram os socialistas, que há meses vinham em um plano de aproximação de Boric (na verdade, buscavam uma primária presidencial conjunta, que foi vetada por parte da esquerda). Será precisamente no Partido Socialista que estará uma das principais fontes de tensão se Boric vencer, como parece provável: farão parte de um eventual Governo, rompendo a aliança histórica com a Democracia Cristã, que anunciou o seu apoio a Boric e também que se manterá na oposição, à margem dos resultados do dia 19?
Os democratas-cristãos decidiram em uma reunião institucional dar o seu apoio a Boric “sem condições”, em um debate para o qual o candidato enviou uma carta na qual se aprofunda nas questões que os unem e não nas que os separam, porque foram duas forças antagônicas na última década no Chile. “Eu sei que a arrogância geracional é uma má conselheira, que não há virtude por si só na juventude e na novidade, e sim que um projeto político deve ser julgado por suas convicções e princípios, e por se atuar em conformidade com eles”, afirmou Boric na carta.
Sem negociações prévias, um dos principais apoios a Boric neste período foi o de Lagos, uma das figuras que se tornou alvo constante de ataques políticos da Frente Ampla, desde sua irrupção no início dos anos 2010: suas políticas foram tachadas de “neoliberais”. A própria fundação de Michelle Bachelet, atual Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos, também se uniu a Boric, embora neste caso o apoio pareça previsível dada a grande sintonia que a ex-presidente sempre teve com a nova geração da esquerda, surgida com o objetivo de substituir a Concertação.
Em sua campanha de segundo turno —que mostrou melhor mobilização e organização do que a de Kast—, Boric incorporou figuras populares, como a médica Izkia Siches, uma jovem profissional muito popular desde a pandemia.
Quem é Gabriel Boric
Gabriel Boric, da chapa de esquerda “Aprovo Dignidade”, desponta como favorito no Chile, nas pesquisas de opinião, com 54% das intenções de voto frente a 46% do conservador José Antonio Kast, do Partido Republicano.
Boric seria o candidato que representa parte dos setores da revolta social chilena pela reforma constitucional, que acaba de completar dois anos. Após vencer as eleições primárias contra o candidato do partido Comunista, Daniel Jadue, Gabriel Boric seria o nome de unidade.
Nessa reta final de campanha, Boric aposta em comitês locais de campanha para mudar o resultado do primeiro turno, que deu vitória a seu oponente. Assim, ações porta a porta e em estações de transporte público ocorrerão até o encerramento oficial de campanha, que acontecerá na quinta-feira (16), no Parque Almagro, centro da capital Santiago.
Considerado um representante da “Nova Concertação”, Gabriel Boric, advogado, com 35 anos de idade, poderá tornar-se o presidente mais jovem da história do Chile.
Natural de Punta Arenas, o atual deputado pela região de Magallanes e Antártida chilena iniciou sua vida política no movimento estudantil como conselheiro da Federação de Estudantes da Universidade do Chile (Fech), em 2008. Foi um dos protagonistas das maiores manifestações estudantis da história chilena, em 2011, contra a privatização das universidades – uma das heranças da ditadura e do programa neoliberal de Augusto Pinochet.
Em 2014, foi eleito para seu primeiro mandato pelo partido Esquerda Autônoma e reeleito com 18,6 mil votos, sendo um dos mais votados pela coalizão de organizações de esquerda, Convergência Social, em 2017.
Boric foi um dos representantes que assinou acordo com o governo de Piñera, que previa paralisar as manifestações iniciadas em outubro de 2019 em troca da realização de um referendo popular pela Constituinte.
Em maio deste ano, disputou as eleições primárias pela Frente Ampla, quando venceu o candidato do Partido Comunista, Daniel Jadue.
Entre as suas propostas está a criação de um sistema universal de saúde e a estatização do sistema de previdência, acabando com o modelo atual de financiamento das pensões pelas Agências de Fundos de Pensões (AFPs). Além disso, menciona uma pensão de US$ 296 (cerca de R$ 1628) a todos maiores de 65 anos e a diminuição da jornada de trabalho a 40h semanais.
Para a mineração – que aporta 15% do PIB e representa 60% das exportações chilenas – Boric propõe a criação de royalties sobre as empresas transnacionais e do setor privado que busquem extrair cobre, lítio e outros minerais no território chileno.
No entanto, para garantir alianças mais amplas no 2º turno, Gabriel Boric recuou na sua proposta de Reforma Tributária, diminuindo o plano de aumento da arrecadação a 5% de imposto sobre a renda (a proposta anterior era de 8% de aumento).
Com informações do El País e BDF