A violência contra gays, travestis e mulheres trans, entre 20 e 39 anos, aumentou no Brasil em 2021. Com 316 vítimas, dados dos movimentos sociais apontam o crescimento de 33% no número de mortes violentas da população LGBTQIA+. Os números colocam de lados opostos o Brasil e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que em 1948 garantiu a igualdade em dignidade e direitos como inerente a todos os seres humanos.
Difícil falar de orgulho se a pauta LGBT no Brasil não tem a importância governamental devida e sem a valorosa contribuição que sempre foi dada pela sociedade civil, isso é mostrado, principalmente, pelos dados sobre a violência que esse grupo enfrenta como uma consequência da LGBTfobia pela falta de políticas incisivas e transversais para sua desconstrução.
No legislativo sem alguma lei direta que resguarda nossas vidas, até a Lei para que criminalize os atos de violência não conseguiu ser votada em mais de 20 anos. O primeiro projeto sobre o tema foi apresentado no Congresso em 2001 como PL 5003/01 e tinha como objetivo determinar “sanções às práticas discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas”.
Em 2006, esse projeto acabou se transformando no PLC 122/2006, apresentado pela então deputada Iara Bernardi. O projeto buscava alterar a “Lei do Racismo” (Lei 7716/89) incluindo nela a discriminação por “gênero”, “sexo”, “orientação sexual” e “identidade de gênero”.
Note que ao tratar sobretudo dos dois últimos pontos, a PLC 122/2006 não abrange apenas homossexuais, mas também a outros grupos da comunidade LGBT. Com isso, o mais “correto” seria tratá-lo como um projeto que criminaliza a LGBTfobia.
Se o projeto tivesse sido aprovado, a mudança mais perceptível seria no artigo 1º da Lei 7716/89, que passaria a dizer que: “serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional (sem modificação)”, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.”
Apesar de ter passado pela Câmara dos Deputados, o projeto de lei foi arquivado no Senado após passar oito anos sem aprovação. Com isso, a prática de LGBTfobia ainda não é criminalizada no Brasil. Esse congelamento do processo, no Senado, pode ser explicado pelo grande debate que o PLC gerou entre seus defensores e opositores.
O então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, foi um dos seis especialistas em direito constitucional que afirmaram, em entrevista à Folha de S. Paulo, que o PLC 122/2006 não contrariava a Constituição Federal e não ameaçava a liberdade de expressão.
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Uma pesquisa conduzida pelo DataSenado, em 2008, ouviu 1120 pessoas das cinco regiões do Brasil e constatou que 70% dos entrevistados eram a favor da lei anti-LGBTfobia. A aprovação foi ampla em diversos setores da sociedade, independentemente de gênero, idade, região ou crenças.
Além desses, o próprio movimento LGBT, que via o projeto de lei como um passo importante a ser dado pelo Brasil na luta pela tolerância, era um grande apoiador do PLC 122/2006. Porém o contra-ataque e perseguição de Líderes religiosos entregaram ao Senado um abaixo-assinado contra a lei anti-LGBTfobia, o qual fora apoiado por um milhão de pessoas.
A ampla oposição ao PLC 122/2006 foi baseada na afirmação de que o projeto de lei feriria a liberdade religiosa e de expressão. Pregações de pastores e padres em seus respectivos templos, por exemplo, na visão dos críticos, poderiam ser enquadradas na definição e servir de base para perseguição religiosa, uma verdadeira fake news que prejudica a anos a vida e o combate a LGBTfobia no Brasil.
Comandantes do Exército também se posicionaram contra a lei anti-LGBTfobia, segundo reportagem da Band. A visão parte do ponto de vista de que essa mudança poderia forçar mudanças institucionais indesejadas. Por conta dessa falta de legislação própria, os atos preconceituosos contra LGBT’s geralmente acabam sendo classificados como crimes de calúnia, injúria e/ou difamação. Isso, em grande parte, dificulta a contabilidade dos mesmos.
A relação entre LGBTfobia e o Supremo Tribunal Federal brasileiro teve seu primeiro grande momento no dia 13 de fevereiro de 2019. Nesse dia, o STF deu início ao julgamento sobre se a questão da discriminação por orientação sexual e identidade de gênero – como estaria previsto no PCL 122/06 – deveria ou não ser considerado crime.
Esse debate chegou a maior Corte do País através de duas ações. A primeira delas é o Mandado de Injução 4733, de 2012, movido pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Intersexos (ABGLT), cuja relatoria será do Ministro Edson Fachin. Já a segunda é a ADO 26 (Ação Direta de Inconstitucionalidade) movida pelo PPS (Partido Popular Socialista), em 2013, que será relatada pelo Ministro Celso de Mello. Ambas pediam pela equiparação das discriminações de sexo e gênero ao crime de racismo, passível de pena de reclusão de 1 a 5 anos.
A decisão do STF foi para enquadrar a homofobia e a transfobia como crimes de racismo. Isso porque, a Corte entendeu que houve omissão inconstitucional do Congresso Nacional por não editar Lei que criminalize atos de homofobia e de transfobia. Além disso, o Supremo Tribunal Federal também entendeu que ocorreu um atraso por parte do Congresso Nacional em relação à questão, o que acarretou em um atentado aos direitos fundamentais da comunidade LGBT.
Não se trata de privilégios, mas de igualdade na proteção penal, em um país campeão de assassinatos do nosso povo.
Importante reflexão para 2022, ano que precisamos ter na gestão e legislativo posturas e compromissos para nosso orgulho no Brasil, e não ser apenas pela nossa resistência.
Tathiane Araújo é secretária Nacional do LGBT Socialista