O jornal inglês Financial Times publicou nesta terça-feira (28) um novo artigo no qual traça uma espécie de análise do cenário político do país e antevê a saída de Jair Bolsonaro do posto de presidente da República. Com o título “A autodestruição do ‘Trump Tropical’”, a publicação diz que Bolsonaro tem, por seu comportamento, justificado seu próprio impeachment.
Em tom de crítica e refazendo a trajetória da democracia no país, o jornal afirma que “todos, exceto um dos presidentes do Brasil desde o retorno da democracia em 1985, terminaram suas carreiras de forma desonrosa”.
De acordo com a publicação, dois mandatários foram acusados de corrupção, um foi preso e outro desencadeou uma crise financeira e somente Fernando Henrique Cardoso, um centrista que governou de 1995 a 2002, manteve sua “reputação intacta”.
“Salão dos Horrores”
Segundo o jornal, depois de expulsar o “respeitado ministro da Justiça, Sérgio Moro, na sexta-feira passada”, Bolsonaro parece agora determinado “a se juntar a seus antecessores no salão presidencial de horrores”. O texto informa que Moro é o “segundo ministro-chave a sair em oito dias”, relembrando que Bolsonaro havia demitido o ministro da Saúde na semana anterior por este resistir às pressões do presidente e atuar para minimizar a pandemia de coronavírus.
Considerado o mais importante jornal econômico do mundo, o FT aponta que a demissão de Moro é “particularmente grave por dois motivos”: em primeiro lugar, porque o ex-ministro da Justiça era um herói dos apoiadores conservadores de Bolsonaro.
“Como juiz anticorrupção, Moro ajudou a prender o ícone esquerdista, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”. Em segundo lugar, o jornal afirma que “Moro alegou ter desistido do cargo em protesto contra a decisão do presidente de demitir o chefe de Polícia Federal” e substituí-lo por um nome mais flexível, “disposto a compartilhar informações sobre investigações em curso”.
Impeachment
De acordo com o texto, “os brasileiros suspeitam que as manobras de Bolsonaro visavam proteger seus filhos” em processos e investigações sobre financiamento ilegal de campanhas de fake news e “vínculos com paramilitares”. O jornal aposta que “se comprovadas, as alegações de Moro podem constituir motivos de impeachment” e afirma que estas desencadearam “a pior crise política do Brasil desde Dilma Rousseff”.
Apelidado de “Trump dos Trópicos” por seu “domínio das mídias sociais, sua capacidade de mobilizar apoiadores e por seus ataques aos oponentes”, o texto ainda comenta que Bolsonaro chegou ao poder pregando o desrespeito à Constituição, demonstrando fanatismo contra a causa LGBT, de mulheres e negros e indiferença à queima da floresta amazônica. A crítica segue mencionando que, apesar disso, investidores o toleraram pela esperança de reacender a economia após uma grave recessão, anos de má administração e “corrupção esquerdistas”.
Reformas
O periódico assinala que Paulo Guedes, ministro da Economia, empreendeu reformas econômicas ousadas e, no ano passado, aprovou a Reforma da Previdência para aliviar as finanças públicas do país. “Esse sucesso levou ao otimismo dos investidores de que os ‘adultos na sala’, como são conhecidos os membros mais moderados do governo Bolsonaro, poderiam avançar nas reformas, apesar das perigosas travessuras do presidente – uma espécie de administração de “Jekyll e Hyde”, fazendo analogia a uma novela de ficção científica e terror, escrita pelo autor escocês Robert Louis Stevenson.
“Agora, como na novela gótica de Stevenson, Hyde assumiu” e segue, comentando que “qualquer sentimento positivo persistente evaporou-se em meio a uma tríplice crise: um aprofundamento da emergência de saúde pública, uma profunda recessão econômica e o estado de calamidade política”.
‘Apostador’
Referindo-se ao mandatário brasileiro como um “apostador”, o FT diz, ainda, que “Bolsonaro apostou cada vez mais em negar a seriedade do coronavírus.”
“O Brasil testou tão pouco que os números oficiais não são confiáveis, mas mesmo esses mostram infecções se espalhando rapidamente”, diz em um trecho. “O pico ainda está por vir e o sistema público de saúde já está com dificuldades. A economia dependente de mercadorias é igualmente vulnerável; o FMI prevê que o PIB encolherá 5,3% este ano, muito pior que a África subsaariana”, prevê em outro.
Novas partidas
O jornal analisa que “até agora, Bolsonaro se mostrou resistente. Por enquanto, seus principais apoiadores estão aderindo a ele, mas diz que “ex-apoiadores do exército estão ficando desconfortáveis. O Congresso está começando a flexionar seus músculos. Há rumores de novas partidas ministeriais”.
E conclui dizendo que “apaixonado por teorias da conspiração, Bolsonaro acusou repetidamente os oponentes de conspirar para derrubá-lo. A realidade é que o presidente do Brasil está justificando seu impeachment sozinho”.