
A campanha “Tem gente com fome”, realizada pela Coalizão Negra por Direitos e outras dez organizações sociais, entregou neste sábado (28) alimentos para a população da periferia da Zona Leste de São Paulo. O Alma Preta Jornalismo apoiou a ação participando das entregas de cesta de frutas, legumes e verduras.
No total, 40 pessoas foram beneficiadas com alimentos e a disponibilização de vales-alimentação, cada um no valor de R$ 142,50, parte do fundo de doações para ações emergenciais arrecadado pela campanha nacional desde março, com o objetivo de enfrentar a fome, miséria e a violência atenuadas pela pandemia da Covid-19, que afeta hoje mais de 222 mil famílias mapeadas pela Coalizão Negra.
As entregas da ação são feitas por todo o Brasil e, desde o seu início, quase 100 mil famílias brasileiras foram beneficiadas. Ainda há mais 120 mil famílias em situação de insegurança alimentar e a meta do projeto é continuar a arrecadar fundos para combater a fome dessas pessoas. Informações sobre como doar e prestações de contas podem ser encontradas na página oficial da campanha.
“Tem que comprar fuzil”
Na capital paulista, o custo de uma cesta básica para alimentar uma família de quatro pessoas chegou, em julho, no valor de R$ 1.065,79, muito próximo ao valor do salário mínimo (R$ 1.100), de acordo com levantamento feito pelo Núcleo de Inteligência e Pesquisas do Procon-SP (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor) em parceria com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos).
A inflação no valor da cesta básica também aumentou em outras 14 capitais do país: Fortaleza (3,92%), Campo Grande (3,89%), Aracaju (3,71%), Belo Horizonte (3,29%) e Salvador (3,27%) tiveram as maiores altas.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que a alta é consequência do “fique em casa que a economia a gente vê depois”. Na última sexta-feira (27), o presidente chamou de idiota quem afirma que é preciso comprar feijão (um dos alimentos com maior alta no custo).
“Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. O povo armado jamais será escravizado. Eu sei que custa caro. Tem um idiota: ‘ah, tem que comprar é feijão’. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”, disse o chefe de governo.
A fala do presidente tem recebido uma série de críticas, entre elas a da ativista Simone Nascimento, do MNU (Movimento Negro Unificado). No Twitter, a militante escreveu: “Vivemos no país que o presidente diz que povo deve comprar armas e não feijão. BoIsonaro é um criminoso no comando centraI do BrasiI e seu projeto para o país é a fome e repressão aos que sentem fome.”
Campanha contra fome
Em março de 2021, a Coalizão Negra por Direitos, Anistia Internacional, Oxfam Brasil, Redes da Maré, Associação Brasileira de Combate às Desigualdades, 342 Artes, Nossas – Rede de Ativismo, Instituto Ethos, Orgânico Solidário e Grupo Prerrogativas lançaram a campanha nacional de arrecadação de fundos para ações emergenciais de enfrentamento à fome, à miséria e à violência na pandemia de Covid-19 chamada “Tem gente com fome”.
A campanha de financiamento coletivo tem o objetivo de arrecadar alimentos em cestas básicas para entregar a 222.895 famílias em todas as regiões do Brasil, que foram mapeadas pelas organizações e redes que coordenam a ação. As doações serão revertidas em alimentos, produtos de higiene e produtos de limpeza.
Por meio da ação permanente nos territórios onde as organizações da Coalizão Negra atuam, a ideia é também estimular a formação de mutirões de solidariedade, grupos de pessoas dispostas a atuar na entrega das cestas básicas, de EPIs e material de higiene, na organização e acompanhamento das famílias para locomoção de idosos para vacinação, mobilização para defesa e conscientização sobre lockdown e mobilização para incidência política local junto aos poderes constituídos, poderes públicos e instituições locais.
A finalidade é alcançar os mais diversos setores da sociedade brasileira capazes de colaborar com a manutenção de condições mínimas de saúde e alimentação de pessoas em situação de vulnerabilidade. Com a piora dos casos do coronavírus no país, mais de 278 mil mortes, ultrapassando 11 milhões de infectados e as consequências da pandemia atingindo cada vez mais a população negra e periférica, a questão da fome se tornou emergencial.
Após décadas, o Brasil está no caminho de voltar a integrar o mapa mundial da fome. São mais de 39 milhões de pessoas vivendo na miséria, 14 milhões em situação de extrema pobreza e 14 milhões desempregadas, segundo os dados de 2020 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Ministério da Cidadania.
Além das mais de 200 organizações, coletivos e entidades do movimento negro que compõem a Coalizão Negra Por Direitos, o movimento global Anistia Internacional, o grupo 342 Artes, a Associação Brasileira de Combate às Desigualdades (ABCD), a organização Oxfam Brasil, a instituição Redes da Maré, o Instituto Ethos, a rede de ativismo Nossas, a plataforma Orgânico Solidário e o Grupo Prerrogativas que constroem a campanha, artistas como Camila Pitanga, Antonio Pitanga, Zeca Pagodinho, Emicida, Zezé Motta, Ailton Graça, Tulipa Ruiz, Alzira Espíndola, o escritor Milton Hatoum, a chefe de cozinha Bel Coelho, o líder indígena Ailton Krenak, as filósofas Sueli Carneiro, Cida Bento e Djamila Ribeiro e a jornalista Flávia Oliveira também apoiam a iniciativa.
O nome da campanha é inspirado no poema “Tem gente com fome”, do pernambucano Solano Trindade, poeta, escritor, teatrólogo, cineasta, artista plástico e militante histórico do movimento negro brasileiro que nos deixou em 1974. “Tantas caras tristes querendo chegar em algum destino, em algum lugar. Se tem gente com fome, dá de comer”, diz um trecho.
De acordo com os organizadores, a iniciativa não se trata de um trabalho de distribuição aleatória de cestas básicas e sim do apoio a territórios onde há trabalho de base, onde há mobilização de luta por direitos humanos, lideranças organizadas e articuladas em redes de lutas sociais em todo o país. Garantir apoio para esse universo é uma forma de fortalecer o trabalho no campo dos direitos humanos, da organização popular, do movimento negro e de favelas; alimentar condições e esperança as iniciativas coletivas e comunitárias, as lideranças locais, que são o contingente de defensores de direitos sociais dispostos a ajudar o Brasil a atravessar esse período de crise.
Com informações do Alma Preta