
A saída do comando das Forças Armadas do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) na semana passada é “motivo de comemoração”, destacou o jornal britânico Financial Times em editorial publicado nesta segunda-feira (5).
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“Entre a lealdade a um presidente errático e imprevisível que desprezou abertamente o Congresso e os tribunais ou jurar fidelidade à Constituição do Brasil, eles sabiamente escolheram a última opção”, decretou o jornal econômico.
O Financial Times é um dos jornais mais tradicionais do Reino Unido. O diário é conhecido por estar entre as principais leituras de líderes mundiais e por embasar debates políticos e econômicos em todo o mundo.
Na última semana, o troca-troca realizado pelo governo Bolsonaro, com a demissão do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, provocou a entrega de cargos, em conjunto, dos líderes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Foi a primeira vez que os três comandantes das Forças Armadas deixaram seus cargos ao mesmo tempo por discordância com o presidente da República.
A crise militar sem precedentes explodiu às vésperas do aniversário do golpe militar de 1964.
De acordo com informações dos bastidores do Planalto, o mandatário estaria irritado com a falta de apoio das Forças Armadas a bandeiras defendidas governo. Por outro lado, a liderança militar estaria insatisfeita com a a condução de Bolsonaro no combate à pandemia da Covid-19.
“Impulso à democracia”
Para o Financial Times, a saída dos comandantes deram um “impulso à democracia” ao permanecerem “leais à Constituição”. O jornal destacou, também, a “grave crise sanitária” gerada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao minimizar a importância da pandemia, “resistindo ao uso de máscaras, zombando da vacinação e recusando-se a implementar lockdowns”.
Em sua carta de demissão da pasta da Defesa, o general da reserva Fernando Azevedo e Silva disse ter preservado “as Forças Armadas como instituições de Estado” — algo também ressaltado pelo editorial do jornal inglês. O discurso foi enxergado como uma crítica às tentativas de Bolsonaro de “politizar” a força militar.
Ao louvar a demissão coletiva, o jornal afirma que o ato é “compromisso dos chefes das Forças Armadas com a ‘institucionalidade” e destaca o Supremo Tribunal Federal (STF) e sua “firmeza louvável” em resistir às tentativas do chefe do Executivo de assumir poderes em situações de emergência ou de vetar medidas mais restritivas impostos por governadores e prefeitos.
Mais isolado do que nunca
No último sábado (3), o Financial Times também publicou um editorial declarando que Bolsonaro “está mais isolado do que nunca”, também citando a pandemia e a crise entre o mandatário e os chefes das forças militares.
Sob o título “O pesadelo de coronavírus do Brasil: ‘Bolsonaro está mais isolado do que nunca“, o jornal escreveu que “a mudança aprofundou a crise política sobre a oposição teimosa de Bolsonaro aos bloqueios e as ameaças do ex-capitão do Exército de usar os militares contra as autoridades locais que tentaram impô-lo”.
Além da questão com os militares, a publicação também diz que “as Forças Armadas não são a única instituição que perde a paciência com o Bolsonaro”.
Cita então a carta aberta assinada por mais de 500 empresários, banqueiros, economistas e ex-ministros exigindo coordenação nacional das medidas contra a pandemia no Brasil. “Centenas de líderes empresariais proeminentes”, classifica o jornal. O texto também critica a conduta do mandatário na pandemia.
“Um dos maiores céticos do coronavírus do mundo, Bolsonaro recusou-se a usar máscara durante a maior parte do ano passado, criticou as vacinações e classificou a pandemia como ‘uma gripezinha’. Ele agora está lutando para manter seu governo unido e suas esperanças de reeleição vivas em meio a alguns dos piores números da covid-19 do mundo”.
‘Auto-golpe’
“Muito ainda pode dar errado”, diz o editorial do Financial Times, destacando como Bolsonaro, “abertamente fã da ditadura brasileira de 1964 a 1985, apareceu no ano passado em manifestações pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal”.
“Isso despertou temores de que ele pudesse estar flertando com a ideia de suspender a democracia e governar por decreto com o apoio das Forças Armadas, como Alberto Fujimori fez no Peru em seu ‘autogolpe’ de 1992.”
O jornal também menciona as eleições de 2022, em que Bolsonaro possivelmente concorrerá com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e faz um alerta: “se derrotado, Bolsonaro pode tentar uma reivindicação Trumpiana de uma ‘eleição roubada’ e reunir seus partidários, incluindo tropas e policiais, para um ataque como o feito no Capitólio americano em Brasília”.
Para o jornal britânico, Bolsonaro “demonstrou repetidamente pouca consideração pela democracia e pela vida de seus conterrâneos”. “À medida que sua popularidade diminui e suas perspectivas de reeleição diminuem, aumenta o risco de ele apostar em um desafio aberto à democracia”, escreveu.
Com informações da Folha de S. Paulo