
Praticamente todos (96%) os jovens moradores de comunidades em todo o Brasil gostariam de ser gamers profissionais, segundo levantamento do Instituto Data Favela, em parceria com a Locomotiva – Pesquisa e Estratégia e a Central Única das Favelas (Cufa). Para 29% deles, esse é o maior sonho da vida, mais até do que a compra da casa própria ou do desejo de ser feliz. Os homens, jovens e com renda de até um salário mínimo foram os que mais demonstraram esse ideal.
Nas conversas com os entrevistados, esses rapazes revelaram enxergar a carreira de gamer profissional como uma oportunidade de rápida ascensão social. A chance de obter uma renda acima da média alimenta a possibilidade de realizar sonhos e melhorar a vida de toda a família.
“São jovens que estão assumindo a responsabilidade pela própria vida e interessados em oferecer uma oportunidade de crescimento para a família”, afirma Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva.
Free Fire é o mais popular entre os gamers
O jogo mais popular é o Free Fire, apontado por 96% de todos entrevistados e por 100% daqueles com até 15 anos. A pesquisa ouviu 662 participantes da última edição da Taça das Favelas Free Fire e 518 pessoas que não participaram do campeonato entre os dias 10 e 13 de setembro em todo o Brasil. A disputa é o maior torneio entre favelas do país, baseado no popular jogo para celulares, e foi
criado e promovido pela Cufa.
A chance de conquistar um lugar ao sol em um mercado tão jovem quanto disputado para muitas dessas pessoas é o campeonato deste ano, que abre inscrições hoje e tem patrocínio do Itaú Unibanco. Entre aqueles que participaram da edição do ano passado, 94% apontam que o campeonato mostrou que o mundo dos games pode oferecer oportunidades profissionais. “É uma das maiores peneiras de gamers que existem no Brasil, um segmento que é, em geral, subestimado”, diz Meirelles.
Para quem consegue trabalhar com jogos, os ganhos mensais começam em cerca de R$ 2 mil (o salário mínimo nacional hoje é de R$ 1.100), mas sobem, e muito, conforme a experiência e popularidade do jogador, além de patrocínios. Bruno “Nobru” Goes, jogador profissional de Free Fire, disse recentemente à revista “Veja” ter ganhos de até R$ 2 milhões por mês jogando em transmissões ao vivo via Twitch.
“Hoje o Corinthians, o Flamengo, vários clubes têm times de Free Fire e os salários chegam a R$ 160 mil por mês”, conta Celso Athayde, fundador e presidente da Cufa.
Entretanto, 32% dos pesquisados acreditam que não vão conseguir ganhar dinheiro com games. Entre os mais otimistas, os de até 15 anos são os mais esperançosos, dos quais 74% acreditam ser possível seguir carreira na área.
Desafios tecnológicos
A vontade de crescer na área esbarra nos desafios tecnológicos dos moradores das comunidades, já que 79% já deixaram de jogar on-line por falta de dados ou de conexão com a internet. Apesar das dificuldades, 63% jogam on-line há mais de três anos e oito em cada dez praticam todos os dias. Essa proporção é ainda maior entre os jovens de até 15 anos, com 87% relatando jogar todos os dias.
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A edição deste ano deve distribuir R$ 100 mil em premiações e quase 8 mil chips de conexão de internet para os participantes que passarem para a próxima fase com validade de um ano. “Além dos chips, vamos entregar uma trilha de conhecimento para que esses jovens possam aprender mais sobre inteligência financeira”, afirma Robson Harada, superintendente de growth marketing do Itaú Unibanco, explicando que também serão disponibilizados conteúdos e mentoria sobre empreendedorismo para ajudar os participantes a se posicionarem como influenciadores na comunidade gamer, que também pode gerar renda.
“Do ponto de vista de marca temos o desafio bastante importante de conseguir nos conectar com o público jovem, com a geração Z, por exemplo. Cada vez mais a conexão das marcas vai se dar menos por comunicação e mais por experiência com essas pessoas”, conta Eduardo Tracanella, diretor de marketing do Itaú Unibanco sobre o patrocínio do banco.
Taça das Favelas Free Fire
No ano passado, a primeira edição da Taça das Favelas Free Fire teve 60 mil inscrições e Celso Athayde estima que serão mais de 200 mil inscritos em 2021.
Claro que nem todos conseguirão virar uma estrela do mundo dos games, mas o objetivo da Cufa é também de criar caminhos paralelos aos jogos, como a possibilidade de carreiras correlatas em tecnologia.
“Hoje há 503 mil vagas de programação em aberto e um dos maiores mercados dessa área é no Paquistão. Se uma empresa precisa de um profissional, vai buscar no Paquistão. As favelas poderiam ser um ‘grande Paquistão’ e aproximar essas pessoas das empresas”, diz Athayde.
O objetivo é que outros moradores das comunidades também ajudem no desenvolvimento do campeonato de Free Fire, assim como já acontece no de futebol, com a produção de figurinhas dos times, contratação de arbitragem etc. “A favela é um mercado de R$ 120 bilhões e o futuro da favela está na juventude”, diz Meirelles.
O presidente da Cufa ainda negocia com instituições a oferta de cursos de capacitação em diversas áreas de tecnologia para os participantes interessados, conforme a demanda e interesse demonstrado na hora da inscrição. Para as próximas edições da Taça das Favelas Free Fire, Athayde pretende incluir a obrigatoriedade de um número mínimo de garotas nas equipes, que são mistas, a
fim de aumentar a participação feminina no mundo dos games, que ainda é predominantemente masculino.
O mercado de games deve movimentar US$ 175 bilhões neste ano, sendo US$ 90 bilhões em jogos mobile, segundo dados do Global Games Market Report. Para 2024, a projeção é que esse mercado movimente mais de US$ 200 bilhões.
O Brasil é o país que gera a maior receita com games na América Latina, com US$ 2,3 bilhões projetados para 2021, e ocupa o 12º lugar do mundo. No ano passado, 84 milhões de brasileiros eram adeptos dos jogos on-line, segundo a Comscore.
Com informações do Valor Econômico