A Polícia Federal confirmou que o Exército retirou o apoio, na última hora, à operação contra o garimpo ilegal na Terra Indígena Munduruku, no Pará. Em retaliação à ação da polícia, garimpeiros ameaçaram indígenas e incendiaram duas casas de lideranças indígenas contrárias ao garimpo. A confirmação foi feita por ofício da PF ao ministro do Supremo Tribunal Federal (TSF), Luís Roberto Barroso.
Apenas dois dias antes da operação e ao contrário do que havia sido planejado, o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, vinculado ao Ministério da Defesa, informou que não participaria da operação, sob o argumento de falta de verbas. As informações são do jornalista Rubens Valente, do Uol.
O Ministério da Defesa, afirma o jornalista, respondeu em 28 de maio, um dia após ser procurado pela reportagem, que a questão “não procedia”. Contudo, disse que “aguarda a liberação de recursos orçamentários extraordinários em ação orçamentária específica deste Ministério para atender às operações contidas no Plano Operacional da Polícia Federal, para o pleno atendimento à decisão da ADPF 709, especialmente na região fora da faixa de fronteira.”
O ministro Barroso é o relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, ajuizada em 2020 pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Contradições
O ofício da PF, reportado pelo Uol, afirma que o Exército seria responsável pelo apoio logístico da operação, com alojamento e alimentação das equipes, e a proteção da base operacional, no aeroporto de Jacareacanga (PA). O documento encaminhado a Barroso foi assinado pelo delegado Wellington Santiago da Silva, superintendente do órgão no Pará.
“A Força Terrestre ainda disponibilizaria helicópteros tipo Black Hawk, consideradas aeronaves mais adequadas para transporte de tropas e com maior autonomia para acessar áreas de interesse identificadas nos levantamentos preliminares. Dois dias antes do início das atividades sobreveio notícia da não participação do Exército Brasileiro, sob o argumento da falta de recursos para suprir os custos operacionais, circunstância que provocou realinhamento dos meios para execução das ações”, afirma trecho do ofício.
O superintendente, por outro lado, procurou minimizar o cancelamento do apoio do Exército ao dizer que “a nova organização dos meios de execução afastou eventual prejuízo, de sorte a viabilizar o alcance de todos objetivos propostos, inclusive a proteção da área da base operacional, considerando a perspectiva de insurgências, o que de fato aconteceu”.
PF confirmou ataques a indígenas e policiais
No ofício enviado ao ministro Barroso que confirmou o cancelamento da participação do Exército na operação, a PF confirmou que casas de duas lideranças indígenas, Maria Leusa Kaba e Ademir Kaba, “contrárias à exploração mineral dentro da TI [terra indígena]”, sofreram “invasão e incêndio”.
Os órgãos participantes da Operação Mundurukânia foram a PF, com 32 policiais e um helicóptero, a Polícia Rodoviária Federal, com 28 servidores e um helicóptero, a Força Nacional (30) e o Ibama, com 14 servidores e quatro helicópteros.
A PF disse ao STF que foram localizadas cinco áreas de garimpo, com a destruição de seis retroescavadeiras, conhecidas como “PCs”, dez motores de sucção, dez acampamentos e 50 mil litros de óleo diesel. Segundo a PF, depois que circularam as informações sobre a destruição dos equipamentos, “eclodiu onda de manifestações violentas na sede do município de Jacareacanga (PA), gerando cenário conflituoso”.
Cancelamento causou danos aos indígenas
O Ministério Público Federal também confirmou ao ministro Barroso a ausência do Exército na operação. E afirmou que a decisão causou danos à operação e colocou em risco lideranças indígenas contrárias à exploração mineral ilegal na terra indígena.
“Destacamos que o resultado prático da retirada de apoio logístico das Forças Armadas à Operação [Mundurukânia] foi a grave deficiência na manutenção da ordem em Jacareacanga (PA) e no interior da Terra Indígena Munduruku, que ocasionou danos concretos aos indígenas Munduruku, como a invasão na aldeia Tapajós e queima da residência da liderança Maria Leusa Cosme Kaba Munduruku, que se viu forçada a sair de sua aldeia, juntamente com seus familiares, para evitar a perpetração de novos ataques”, informaram dois procuradores da República no Pará responsáveis pelo acompanhamento da operação, Paulo de Tarso Moreira Oliveira e Gabriel Dalla Favera de Oliveira.
O MPF lembrou que não é a primeira vez que as Forças Armadas contrariam “o planejamento pactuado”. Em 2 de agosto do ano passado, a Força Aérea Brasileira (FAB), “por razões até o momento não esclarecidas”, fez um pouso no aeródromo de Jacareacanga (PA), “nas vésperas da operação, o que alertou a imprensa local e os garimpeiros sobre a fiscalização”.
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Segundo o MPF, “o planejamento previa que os aviões militares deveriam utilizar o campo de provas Brigadeiro Veloso, na base militar da Serra do Cachimbo, em vez do aeroporto de Jacareacanga, de forma a resguardar o sigilo da incursão e o elemento surpresa, imprescindível à efetividade deste tipo de operação”.
Violação de direitos massiva
No ofício enviado à PGR em confirmou o cancelamento do Exército na operação, que o reencaminhou ao STF, os procuradores explicaram que os garimpos ilegais nas Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza, em Jacareacanga (PA), “são responsáveis pela violação massiva, generalizada e sistemática aos direitos mais fundamentais do povo indígena Munduruku, como o direito à vida, à integridade física e cultural, à terra e ao usufruto exclusivo dos recursos naturais”.
“Nos últimos dois anos”, alertaram os membros do MPF, “o cenário adquiriu contornos ainda mais trágicos, com a expansão desenfreada dos garimpos e com a invasão do território pelo crime organizado paramilitar”, afirmaram se referindo ao que foi revelado pelas recentes operações Divitia 709 e Bezerro de Ouro.
“O fortalecimento do crime organizado no território munduruku acontece sob o olhar do Estado brasileiro, que não tem sido minimamente capaz de agir de forma eficiente e coordenada na repressão às atividades criminosas nas Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza”, afirmam no documento.
Também recordam “o longo histórico de reivindicação do povo Munduruku e da insistência extrajudicial e judicial deste órgão ministerial” para a realização de operações e incursões para coibir o crime. “Realizadas em quantidade e magnitude absolutamente insuficientes”, afirmam no documento.
Operações prejudicadas por ausência do Exército
O MPF afirmou ainda ser ” grave” o fato de que na Operação Pajé Brabo e a Mundurukânia, as últimas duas operações realizadas, o vazamento de informações de “súbitas e decisivas retiradas de apoio” do Exército ou da Força Nacional de Segurança. E diz que os fatos ocorreram “em circunstâncias até o momento não muito bem esclarecidas”. O que teria prejudicado as operações.
“A interrupção abrupta das operações expõe os indígenas à violência e culmina em eventos extremos, como os sucessivos ataques à sede da Associação de Mulheres Munduruku Wakoborun e o incêndio doloso nas casas da família de uma das principais vozes contra os garimpos ilegais no território indígena.”
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Com informações do Uol