
Os partidos que compõem a extrema direita brasileira lançaram 76.325 candidaturas em 2020, um crescimento superior a 32% em relação à 2016. Cerca de 56% desses candidatos de hoje haviam se lançado no pleito anterior por siglas da direita e centro-direita. Agora, eles migraram de partido numa provável tentativa de aproximação com a agenda ideológica do presidente Bolsonaro.
O levantamento foi feito com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Houve também registro de candidaturas capturadas da outra ponta do espectro ideológico. Pouco mais de 13% desses candidatos que hoje se lançam em partidos de extrema-direita, tentaram uma vaga em 2016 por partidos de centro-esquerda e esquerda.
Por sua vez, a centro-esquerda e a direita apresentaram um aumento de candidaturas bem próximo. O primeiro cresceu 23,2% em relação a 2016. Já o segundo, 22,8% em comparação ao pleito anterior.
Cerca de 46% dos candidatos de partidos de centro-esquerda em 2020 vieram de siglas de direita e de centro-direita. Esse movimento pode significar uma clara oposição à agenda bolsonarista.
A esquerda brasileira também recebeu um volume significativo de candidatos de outros espectros políticos. Quase 40% dos candidatos de 2020 que também se lançaram em 2016, vieram de partidos de centro-direita, direita e extrema direita.
Confira os gráficos abaixo:
Por que as candidaturas mudaram de espectro ideológico?
Apesar do crescimento dos partidos ligados ao bolsonarismo terem superado os 30%, o ‘inchaço’ das candidaturas não foi exatamente uma surpresa para analistas políticos.
Na visão do cientista político Leonel Cupertino, que também atua como assessor Legislativo na área de Relações Institucionais e Governamentais na Queiroz Assessoria, o quadro é reflexo dos movimentos vivenciados pelo Brasil desde 2018, quando houve uma inflexão do país rumo a este novo ‘espectro político ideológico’.
“Essa já era uma mudança esperada no perfil. Na esteira do bolsonarismo e mesmo daquela onda conservadora que nós assistimos nas eleições de 2018, é até natural que esses partidos mais voltados para a direita, centro-direita viessem mais fortes, maiores com mais quadros nas eleições de 2020”, avaliou.
Ao mesmo tempo, ao analisar os dados que o Socialismo Criativo reuniu no TSE, o especialista enxerga o surgimento de um fenômeno paralelo, que demonstra a movimentação de partidos de direita e extrema-direita em direção a siglas mais de centro e de centro-direita.
Na visão de Cupertino, essa também é uma reação direta da polarização política e das definições sociais evidenciadas a partir das últimas eleições presidenciais.
“Até 2018, você não tinha, no Brasil, partidos 100% de direita, que se declaravam desse lado dessa régua que a gente estabelece para as ideologias. […] Essa cruzada de candidatos, saindo da extrema-direita e indo para a esquerda ou indo pro centro-esquerda, é mais uma indicação de que você realmente tem dois polos muito bem definidos, ideologicamente falando. Isso não acontecia até a ascensão do Jair Bolsonaro à Presidência da República”, analisou.
Agenda bolsonarista
Na visão do especialista em administração pública, atual secretário da representação do governo do Maranhão em Brasília e ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Ricardo Cappelli, a chegada de Jair Bolsonaro ao poder, de fato, marcou uma nova era na organização política nacional.
“Bolsonaro rearrumou todo um jogo de forças no Brasil. Você passa a ter um mercado eleitoral pra esse pensamento de extrema direita, que antes não encontrava muita guarida na população brasileira. Então é natural que, como decorrência da eleição, desse fenômeno de ascensão da extrema direita que os partidos também se reorganizem e os candidatos também”, afirma
Para Cappelli, no entanto, as eleições municipais de 2020 serão cruciais para definir o que permanece após o que ele chama de ‘processo de decantação’.
Na opinião do analista, isso ocorrerá não apenas em razão da clara definição da sociedade, mas também pela realidade imposta pelas novas regras eleitorais, que passaram a valer a partir deste ano.
“A vida vai dizer se esse espaço é conjuntural ou se é estrutural, ou seja, se a extrema direita é uma onda ou se ela veio para ficar. As eleições municipais, elas vão dar uma pista de quem vai conseguir e quem não vai. De quem vai conseguir ultrapassar a cláusula de barreira em 2022, de 2%, e quem não vai. Quantos partidos vão conseguir sobreviver sem coligação? Quantos partidos vão conseguir montar chapas próprias de deputados federais em 2022, sem coligação? Isso ainda é uma incógnita”, analisou.
Efeitos da minirreforma nas candidaturas
Com a minirreforma eleitoral aprovada em 2019, neste pleito estarão valendo as proibições das coligações proporcionais – aquelas formadas entre os partidos, com o objetivo de ampliar o apoio e aumentar as chances de chegar às vagas para prefeito ou vereadores.
A partir de agora, cada partido deve lançar sua própria chapa, e, portanto, contarão apenas com seus próprios votos.
Apesar das mudanças, Ricardo Cappelli aposta em outras reviravoltas no mundo político com o resultado que será obtido no país até o fim de novembro.
“Minha visão é que a gente está no meio de um processo de reestruturação do sistema político partidário no Brasil. E acho que essa reestruturação será inevitável no ano de 2021, após o resultado das eleições municipais. Eu vejo 2021 como um ano de grande movimentação política partidária e de grande reorganização do quadro político partidário no Brasil”, prevê.
“Ou vai retroagir a lei eleitoral ou então você vai ter uma reorganização do quadro, com fusões, com unificações dos partidos. O certo é que no rumo que a gente vai, com certeza o número de partidos vai se reduzir ainda mais. Particularmente acho que isso é bom”.
E a esquerda?
Quanto a um possível ressurgimento da esquerda no país, Cappelli se mostra bem menos positivo.
“A esquerda sofreu, na minha visão uma derrota estratégica em 2018, uma derrota muito importante, contra um adversário que está na presença da República com uma aprovação bastante razoável e a esquerda tem dois problemas. Quer dizer, além de não ter conseguido ainda superar e enfrentar alguns erros do passado, ela está no meio de uma disputa por hegemonia, num momento de defensiva”.
De acordo com o TSE, 147,9 milhões de eleitores estarão aptos a comparecer às urnas nos próximos dia 15 (primeiro turno) e 29 (segundo turno) de novembro. Eles vão escolher 5.568 prefeitos, 5.568 vice-prefeitos e 57.942 vereadores em todo o Brasil.
No País, 95% das cidades têm mais de 200 mil eleitores e, por esse motivo, poderão ter segundo turno para definição do prefeito. Isso caso, no primeiro, nenhum dos candidatos obtiver maioria absoluta (mais da metade) dos votos válidos.
O tribunal estima que 750 mil candidatos disputarão as vagas de prefeito e vereador em todos os estados, com exceção do Distrito Federal, onde não há eleições municipais.