O Brasil pode passar por uma crise de falta de medicamentos nos próximos meses. Só no estado de São Paulo, já são cerca de 40 substâncias ausentes das prateleiras das unidades de saúde, entre elas, medicamentos considerados simples, e de suma importância para o funcionamento do serviço público, como dipirona, cetoprofeno e até mesmo soro fisiológico.
O assunto foi colocado em discussão pelo Conselho Municipal de Secretários de Saúde de São Paulo (Cosems/SP), que na última semana divulgou uma lista do que já está em falta.
“O que leva isso é a alta dependência da matéria-prima que vem da Índia e da China, os maiores produtores do mundo”, explica Tiago Texera, diretor do Cosems. “Os países estão em recessão por conta da covid-19. Somado a isso, temos outro problema de desorganização no sistema de produção da indústria farmacêutica. Faltam também insumos. Frascos, vidros, blister, conta-gotas. Às vezes, a indústria tem matéria-prima, mas falta o que embala o produto”, complementa.
O problema já está no radar das autoridades de saúde desde o início do ano. Em fevereiro, o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) entregou ao Ministério da Saúde e à Anvisa um ofício pedindo providências sobre o caso. Segundo os órgãos, o desabastecimento é um reflexo da pandemia, causado pela falta de insumos, de matéria-prima e aumento da demanda.
Sérgio Mena Barreto, CEO da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) aponta quase todos os remédios utilizados no Brasil são feitos a partir de substâncias importadas.
“Quase 95% dos medicamentos no país dependem de matéria-prima originária principalmente da China, que teve as exportações afetadas porque está mais uma vez em lockdown para conter a nova onda de casos de Covid. Além da maior dificuldade para a chegada de insumos ao país, tivemos uma espécie de efeito dominó, pois outros produtos que estavam faltando exigiram mais dedicação da indústria, acarretando a redução na fabricação de outros produtos.”
PSB cobra falta de medicamentos
Após receber uma série de relatos de que medicamentos básicos, como antibióticos, analgésicos e anti-inflamatórios estão em falta nas prateleiras das farmácias e no Sistema Único de Saúde (SUS), o deputado federal Elias Vaz (PSB-GO) protocolou um pedido de convocação do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. O requerimento é para que Queiroga compareça à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, da qual Vaz é membro titular, para prestar esclarecimentos sobre o desabastecimento nas unidades públicas de saúde.
“Nosso gabinete vem recebendo várias reclamações. Há relatos de que os médicos, antes de receitarem o remédio, precisam ligar nas farmácias e perguntar quais antibióticos estão disponíveis no dia. Muitos pacientes tiveram que peregrinar em busca de medicamentos básicos em Goiás, que abriga algumas das maiores indústrias farmacêuticas nacionais”, relata.
O parlamentar ressalta a garantia constitucional do direito à saúde de todos os cidadãos, o que passa pelo acesso aos medicamentos necessários. “O Ministério da Saúde é o órgão responsável pela gestão dos estoques e tem a obrigação de intervir, com ações rápidas e concretas, em caso de risco à continuidade dos tratamentos”, destaca.
No mês passado, o deputado divulgou levantamentos que mostravam compras autorizadas pelo governo federal de Viagra e de próteses penianas infláveis pelas Forças Armadas. “O país não tem amoxicilina para atender os pacientes com infecção e o governo parece que não está preocupado. As prioridades são totalmente questionáveis”, diz.
Falta de medicamentos no RJ
Em meio a uma crise de abastecimento de remédios, o Conselho das Secretarias municipais de Saúde do Rio (Cosems-RJ) já contabilizou 134 medicamentos e insumos injetáveis esgotados ou em vias de se esgotar em várias cidades do estado, tanto na rede pública quanto na privada. A lista inclui algumas das fórmulas mais demandadas pelo sistema de saúde, como o analgésico dipirona, soro fisiológico e o antibiótico amoxicilina.
O soro fisiológico, por exemplo, é crucial para a hidratação dos pacientes de terapia renal substitutiva. Na rede municipal do Rio, onde o serviço é inteiramente terceirizado, a Secretaria municipal de Saúde (SMS) teve de emprestar frascos de soro fisiológico de seu próprio estoque para as empresas, como mostra um ofício enviado pela pasta ao governo estadual. A medida da prefeitura foi tomada de maneira extraordinária, já que o contrato do município com a iniciativa privada prevê que as próprias terceirizadas providenciem o insumo.
Responsável por 14 hospitais de médio e grande porte da rede estadual, a Fundação Saúde também vem recebendo pedidos de doação de soro fisiológico da rede privada, diz um documento da diretoria técnica da instituição.
Vinculado à empresa, o Hospital Carlos Chagas, em Marechal Hermes, Zona Norte do Rio, ficou com o estoque do produto zerado. Em nota enviada em 17 de maio, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) negou que a unidade estivesse desabastecida. Documentos obtidos pela reportagem do jornal O Globo, assinados pela direção da unidade, mostram, contudo, que o estoque do item no hospital acabou em 13 de maio.
A Fundação Saúde ainda enfrenta dificuldades para adquirir a versão intravenosa da dipirona de 500mg, um medicamento de difícil substituição. O valor unitário do produto, estabelecido pelo fabricante, subiu de R$ 0,64 para R$ 1,10 entre janeiro e abril.
Também falta remédios no Ceará
A falta de medicamentos na rede pública do Ceará e nas prateleiras das farmácias prejudica o tratamento de pacientes que precisam de remédios para o uso diário e contínuo. O estado registra escassez de polivitamínicos, xaropes para tratamento de síndromes gripais e até mesmo antitérmicos, de acordo com o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do Ceará (Sincofarma), Fábio Timbó.
“Nós temos sentido escassez de polivitamínicos, de xaropes, até de alguns antitérmicos que estão chegando de forma paulatina, mas com uma certa falta. Ou seja, o que está chegando não está chegando com a quantidade que está sendo solicitada […]. Nós estamos trabalhando junto ao atacado e à indústria para mitigar os efeitos dessas faltas”, afirma Timbó.
A aposentada Irismar Corrêia de Araújo, de 71 anos, é uma das pacientes prejudicadas pela falta dos remédios nos postos de saúde. Ela precisa diariamente de medicamentos para ansiedade e depressão, mas relata que sempre que nem sempre consegue receber os remédios.
“Aqui tá faltando medicamento. Não só aqui, em vários postos tá faltando. Já vim aqui várias vezes e nada de conseguir pegar esses medicamentos. Eu tô precisando do escitalopram, clonazepam, e tudo isso tá em falta. São remédios controlados para ansiedade, depressão, e não tem. Eu já vim aqui várias vezes e toda vez que eu venho nada tem. Peguei uma fila enorme agora, o rapaz disse que tinha medicação, eu fiquei [aguardando] e quando chegou minha vez, ele disse que já tinha acabado [sic]”, conta.
Dona Irismar esperou cerca de 2h na fila de um posto no Bairro Messejana, na capital. Como não conseguiu os medicamentos, para não interromper o tratamento, vai ter que comprar.
A prefeitura de Fortaleza informou que não há falta de medicamentos na rede municipal, mas pode estar havendo um problema nas rotas de distribuição. A prefeitura garantiu que está fazendo a entrega dos remédios nos postos.
40 medicamentos estão em falta no Paraná
A falta de remédios afeta farmácias e hospitais no Paraná. Segundo o Conselho Regional de Farmácia do Estado do Paraná (CRF-PR), os consumidores têm dificuldade para encontrar 42 medicamentos.
No caso do atendimento público, a Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) declarou enfrentar dificuldades para aquisição de criticoide Budesonida suspensão para inalação e broncodilatador Fenoterol solução para nebulização. Os dois remédios são substituídos em tratamentos.
Um dos motivos para a escassez, conforme o conselho, é a falta de insumos em todo o mundo para a produção dos medicamentos.
“Nesses últimos dois anos, as produções mundiais de insumos se voltaram para os medicamentos que estavam em alto consumo durante a pandemia. Após isso, temos que entender que a China, há pouco tempo, entrou em fase de lockdown, então fechou as fábricas e os portos”, explicou o secretário-geral do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Gustavo Pires.
Com informações do IG, G1, O Globo e Correio Braziliense