
A guerra pública travada entre Paulo Guedes e o presidente da Câmara dos Deputados ganhou um novo capítulo na quarta-feira (30), depois de Rodrigo Maia (DEM-RJ) apontar que o ministro da Economia do governo de Jair Bolsonaro “está desequilibrado”. A troca de farpas entre os dois se arrasta há algum tempo e a resposta atravessada de Maia desta vez ocorreu logo após Guedes acusá-lo de ter feito um “acordo com a esquerda” para não pautar as privatizações.
“Não há razão para interditar as privatizações. Há boatos de que haveria acordo entre o presidente da Câmara e a esquerda para não pautar as privatizações. Precisamos retomar as privatizações, temos que seguir com as reformas e temos que pautar toda essa transformação que queremos fazer. A retomada do crescimento vem pela aceleração de investimentos em cabotagem, infraestrutura, logística, setor elétrico, das privatizações, Eletrobrás, Correios… Estamos esperando”, disse Guedes, durante uma live.
Em conversa com a jornalista Andreia Sadi, Maia reagiu à declaração. “Paulo Guedes quer desviar o foco do debate do teto de gastos. Ele não tem base, não tem voto para aprovar privatização e nem CPMF. E a culpa é dos outros?”, disse, para logo depois complementar: “Guedes está desequilibrado. Recomendo que ele assista ao filme ‘A Queda'”.
O filme retrata as últimas horas de Adolf Hitler à frente da Alemanha nazista.
Guedes, reforma tributária e privatizações
Na última terça-feira, o presidente da Câmara já tinha criticado Guedes por, na visão do deputado, ter interditado o debate sobre a reforma tributária. Ele fez a declaração em uma rede social, um dia após o governo desistir de enviar a segunda fase da reforma tributária, que incluiria um imposto sobre transações digitais semelhante à CPMF. Não houve consenso entre o governo e líderes partidários. “Por que Paulo Guedes interditou o debate da reforma tributária?”, escreveu Maia em sua conta no Twitter.
O tuíte de Maia foi uma resposta a uma reclamação de Guedes, feita em agosto, de que o presidente da Câmara estava impedindo a discussão do novo imposto, que bancaria a desoneração da folha para as empresas. Ou seja, a redução dos encargos pagos sobre os salários dos empregados. “Nem o ministro pode querer impor um imposto que a sociedade não queira, nem o relator, o presidente da Câmara, o presidente do Senado, o presidente da República pode impedir um debate sobre qualquer imposto”, afirmou o ministro em agosto.
CPMF e repasse a estados e municípios
No entanto, depois de dar aval para que a equipe econômica sentisse o termômetro na recriação da nova CPMF, líderes e a ala política do governo resolveram engavetar a proposta por causa da resistência do Congresso em aprovar um novo tributo às vésperas das eleições municipais.
A relação entre os representantes ‘azedou’ ainda no início de setembro, após Maia anunciar que passaria a tratar dos assuntos econômicos apenas com o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, articulador oficial do Palácio do Planalto.
Outro ponto da discórdia foi a discussão de dois fundos bilionários, cujos repasses podem chegar a R$ 485 bilhões, para compensar os Estados e municípios da perda da arrecadação com a aprovação de uma reforma tributária.
Eletrobrás em jogo
A venda de participação da Eletrobrás, pauta que vem se arrastando desde o governo Michel Temer, também é um ponto de atrito entre Guedes e Maia. Em uma tentativa de agilizar a privatização da estatal com foco em geração e transmissão de energia, o governo chegou a pensar em pedir a um senador que apresentasse um “projeto clone” da proposta enviada pelo Executivo ao Congresso no ano passado.
A estratégia tinha a intenção de inverter a ordem de tramitação do texto, começando pelo Senado para depois seguir para a Câmara, porque Maia já deixou claro que prefere deixar as discussões sobre o tema para 2021. Técnicos, no entanto, argumentaram que um senador apresentar o PL enviado pelo Executivo é inconstitucional, algo que pode até mesmo parar na Justiça, atrasando ainda mais o cronograma.
Guedes chegou no governo dizendo que arrecadaria R$ 1 trilhão com a venda de estatais, mas em sua gestão nenhuma estatal de controle direto da União foi privatizada. Na contramão da promessa, Bolsonaro ainda criou a NAV, responsável pelo controle do tráfego aéreo, antes nas mãos da Infraero. Foi a primeira estatal desde a gestão Dilma Rousseff, que, em 2013, criou a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF).
Agenda populista de Guedes
Nesta quarta, depois de um resultado positivo na geração de empregos em agosto, Guedes apareceu de surpresa na entrevista marcada para comentar os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que mostrou a abertura de 249.388 vagas no mês de agosto. “Superamos a fase em que precisávamos manter os sinais vitais da economia brasileira. Começamos a retomada do crescimento econômico em V, apesar do pessimismo e das críticas”, afirmou Guedes.
Depois de críticas de que teria abandonado a pauta liberal de olho na reeleição do presidente Jair Bolsonaro, a ser disputada em 2022, Guedes reafirmou seu compromisso com as reformas. “Estamos voltando para o trilho das reformas estruturantes. Vamos simplificar impostos e reduzir na reforma tributária. Tem muita articulação política em andamento ainda”, disse. De acordo com o ministro, os cálculos são de que, em 10 anos, o Brasil receberá R$ 1,2 trilhão de investimentos. Ele citou como exemplo de sucesso o leilão de saneamento feito na quarta-feira, em Maceió.
Com informações do Estadão e G1