As exportações brasileiras, com destaque para a soja e minério de ferro para a China, foram beneficiadas pelo contexto da pandemia, e estão batendo recorde em 2021, porém, bilhões de dólares dessas exportações estão ficando no exterior.
No acumulado em 12 meses até agosto, as exportações somam US$ 260,6 bi, maior valor da série histórica iniciada em 1995. O fluxo cambial em operações de exportação soma US$ 214,4 bi, no mesmo período.
Essa diferença, US$ 46,2 bi a mais para o valor registrado na balança, está no maior nível desde 1995, recordes que vêm sendo renovados desde abril, mostra uma compilação dos dados do Ministério da Economia e do Banco Central (BC) realizada por Armando Castelar, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
O cenário apontado pelo pesquisador indica que parte dos pagamentos aos exportadores está ficando no exterior.
Ao Estadão, Castelar diz que um dos fatores que explica o fato de parte do pagamento às exportações estarem ficando no exterior são as incertezas em relação à política econômica, desequilíbrio das contas públicas e a crise política.
Segundo a economista-chefe para o Brasil do JPMorgan, Cassiana Fernandez, não é possível explicar a diferença de valores apenas com base em variáveis macroeconômicas, como o desequilíbrio das contas públicas, a taxa de câmbio, o ritmo de crescimento econômico, ou a incerteza. As incertezas podem ajudar, mas as diferenças recordes podem estar ligadas a “decisões microeconômicas” das empresas. “Provavelmente, algumas empresas continuam um ciclo, que vimos desde 2019, de antecipar pagamento de dívida externa. Empresas exportadoras acabam deixando os recursos lá fora e já fazem um encontro de contas lá fora (pagando dívidas em dólar)”, disse.
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A Petrobras é frequentemente citada como exemplo. Procurada, a companhia não respondeu ao pedido para comentar o assunto, mas, em 2020, conforme dados divulgados ao mercado, as exportações líquidas de petróleo e derivados saltaram 95% ante 2019. No segundo trimestre deste ano, a receita com exportações foi de R$ 33,6 bilhões, 47,2% superior ao registrado no primeiro trimestre. Ao mesmo tempo, para superar a crise financeira deflagrada pela Operação Lava Jato e pelas perdas com o controle dos preços de combustíveis, desde 2016, as gestões da petroleira vêm focando na redução da dívida, com pagamentos antecipados. A meta é chegar a US$ 60 bilhões de dívida bruta. No segundo trimestre, o valor ficou em US$ 63,7 bilhões, US$ 27,5 bilhões abaixo do segundo trimestre de 2020.
As incertezas em torno da reforma tributária também podem estar levando grandes exportadores a deixar parte dos dólares lá fora, disse o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. A opção da Câmara dos Deputados em ir adiante com mudanças no Imposto de Renda, deixando de lado propostas de emenda à Constituição (PEC) mais amplas que já tramitavam, não tem sido bem vista pelo empresariado. “Há insegurança, porque a mudança no Imposto de Renda pode tributar lucro lá fora, o que desestimula o exportador a trazer o dinheiro para cá”, disse Castro.
Como consequência, a demora na internalização dos dólares das exportações traz uma pressão a mais para a elevação da taxa de câmbio. Embora a percepção de risco por parte dos agentes do mercado financeiro pese mais, um fluxo maior da moeda americana para o País tenderia a baixar as cotações, trazendo algum alívio para a inflação. Para Pedro Rossi, professor da Unicamp e autor do livro “Taxa de câmbio e política cambial no Brasil” (Ed. FGV), a opção por deixar dólares no exterior pode ter contribuído para o câmbio pressionado, mas não é determinante.
“O giro financeiro é muito maior e o câmbio segue sendo determinado pelos derivativos (títulos negociados no mercado financeiro que usam a taxa de câmbio como referência), cuja movimentação é muito alta. Então, o exportador tem um peso reduzido na determinação da taxa de cambio”, disse o professor.
Rossi pondera ainda que os exportadores podem estar oferecendo mais prazo para seus clientes – ou seja, estão embarcando os produtos, mas aceitando receber mais tarde do que o usual – e podem estar recebendo em contas bancárias no exterior, deixando os dólares um tempo lá fora. Assim, os recursos podem entrar, no fluxo cambial, via conta financeira e não comercial.
O BC informou, por meio da assessoria de imprensa, que não houve mudança regulatória recente que pudesse incentivar os exportadores a manter dólares lá fora. Desde 2006 os exportadores brasileiros podem manter os pagamentos recebidos em bancos no exterior. Embora esses recursos possam ser internalizados como operações financeiras, no momento do ingresso no Brasil, “é mais vantajoso ao exportador, inclusive considerando aspectos de ordem tributária, que a operação de câmbio seja realizada a título de exportação, observados os prazos regulamentares”.
Com informações do Estado de S. Paulo