
Texto de Anielle Franco
Ainda dialogando sobre ocupar os espaços acadêmicos com nossas vivências, precisamos falar sobre a presença dos povos indígenas e suas intelectualidades nas universidades e além de seus muros. A luta antirracista só é completa com os povos originários. Desde a invasão de seus territórios, os povos indígenas são também referência em resistência e luta anticolonial e antirracista.
Nesse sentido, o movimento das literaturas indígenas – que vem se avolumando desde o início dos anos 90, mas que já existia anteriormente – é um dos exemplos de enfrentamento antirracista e de disseminação de conhecimento. Nesse cenário em florescimento, escritoras/es e pesquisadoras/es indígenas projetam suas vozes para desenhar novos mundos possíveis.
Abrindo espaço para outros saberes, necessários para nossas lutas diárias por um mundo mais justo. Dentre essas vozes, destaco Fernanda Vieira, minha amiga desde a graduação em Letras na UERJ e companheira de luta. Fernanda se define como mestiça, de origem indígena, suburbana, com raízes paternas em Aracaju (SE) e raízes maternas no subúrbio carioca. Escritora e pesquisadora, criou e mantém ikamiaba.com.br, site para divulgação das literaturas e culturas indígenas sobre as quais vem pesquisando, publicando e palestrando. Ela está cursando doutorado em Estudos de Literatura pela UERJ e passou um período sanduíche como Visiting Scholar na Boston University, nos Estados Unidos, levando nossas literaturas e buscando conhecimentos para a pesquisa e ativismo.
Fernanda é parte de um movimento maior que se estende por toda a América, quer dizer, Abya Yala. Abya Yala significa Terra em florescimento e/ou Terra madura na língua do povo Kuna, originário da Colômbia.
Essa nomeação vem sendo utilizada por ativistas e aliadas/os indígenas e não-indígenas para se referir ao nosso continente, negando o nome de América que foi dada pelos invasores. Esse movimento dos povos indígenas está ocupando telas, universidades e locais antes entendidos como centros de cultura ocidental, onde compartilham saberes e (re)constroem novos entendimentos de mundo que são urgentes.
São diversos os perfis nas redes sociais de intelectuais, comunicadoras/es, ativistas e artistas indígenas, projetando suas vozes e suas lutas. Combatendo desinformação e preconceito com conhecimento.
A quantas/os escritoras/es, artistas, comunicadoras/es e intelectuais indígenas você teve acesso até hoje? O sistema-mundo em que vivemos tenta manter as vozes indígenas e nossas vozes negras nas margens da sociedade, tenta nos calar de todas as formas desde o tempo das caravelas. Sem sucesso.
Nossas escrevivências, como nos ensina Conceição Evaristo, têm força transformadora. E a palavra tem poder, tem magia, como nos ensinam os povos originários. A literatura nos dá espaço para pensar nosso cotidiano, nos dá espaço para reinventar o mundo, para encarar nossos traumas, para reescrever a história.
Nossa aldeia-quilombo se alarga quando ocupamos espaços de construção de saber, espaços de poder. Nossa luta antirracista é Afro-Indígena. Nossa ancestralidade importa e fala alto. Como diz Fernanda em um de seus poemas, Eu não falo só / Minha voz é composta pelas vozes / Das minhas ancestrais / Dos meus ancestrais / Que se encontram guardados no tempo / E em mim / Esse é o meu tempo . Esse é o nosso tempo, tempo de buscar forças na nossa ancestralidade e seguir no caminho das/os nossas/os antepassadas/os na construção de um mundo mais justo. Tempo de multiplicar a força das nossas palavras e de transformar o mundo.
A ikamiaba.com.br aceita parcerias para ampliação da plataforma, até então mantida apenas pela Fernanda, e aceita o envio de artigos e livros já publicados sobre literaturas indígenas para divulgação no site. Para entrar em contato: [email protected]