Na edição desta quarta-feira (17), um artigo no jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung alertou para o avanço do desmatamento em terras indígenas brasileiras no momento em que a pandemia do novo coronavírus se alastra entre os povos tradicionais da Amazônia.
Assinado pelo cientista Carlos Nobre, um dos mais respeitados e premiados estudiosos brasileiros do clima e das mudanças climáticas globais, o texto destaca que o Brasil foi responsável por mais de um terço de todas as perdas de florestas primárias tropicais em todo o mundo em 2019 e que a situação tem se agravado ainda mais em 2020 em razão da apropriação ilegal de terras em territórios indígenas.
Covid-19 entre indígenas
Nobre alerta ainda que os povos indígenas da Amazônia têm sido constantemente ameaçados por grileiros e invasores exatamente no momento em que a pandemia da covid-19 se agrava no Brasil.
“Os cientistas recentemente realizaram um estudo em 21 cidades da região amazônica, que mostrou que 3,7% da população indígena demonstrava ter anticorpos contra o coronavírus no sangue, o que significa que eles tiveram a infecção. Nos brancos examinados, a taxa foi de 0,6%”, diz.
O cientista prossegue alertando que cerca de 20 mil mineiros foram localizados ilegalmente nos territórios Yanomami e que integrantes do povo temem que o contato com os invasores possa infectar seu povo. “Líderes de organizações indígenas no Brasil pedem veementemente que os mineiros ilegais sejam expulsos dos territórios, a fim de pelo menos conter o perigo do vírus no norte da Amazônia brasileira”, relata adiante.
Povo Yanomami
Para conter o avanço da disseminação, os Yanomamis e outros povos indígenas no Brasil têm buscado cantos mais remotos de seus territórios, a fim de evitar a contaminação e as invasões ilegais.
“Há não muito tempo, era uma estratégia colonial infectar grupos indígenas com sarampo e varíola para dizimá-los e obter controle sobre suas terras. O manuseio negligente do atual governo brasileiro da crise da coronavírus reacendeu a memória e despertou medos profundos”, aponta o especialista.
No artigo intitulado “Quo vadis humanitas?” [Onde vai a humanidade?, em latim], o cientista afirma ainda que os povos indígenas do país estão, portanto, desesperadamente pedindo ajuda, mas que não são apenas eles que estão em risco.
“Os ataques aos ‘guardas florestais’ e o desmatamento progressivo da Amazônia são um perigo para todos nós. Há séculos, os habitantes indígenas da Amazônia protegem as florestas tropicais e sua diversidade biológica […]. O modo de vida deles, transmitido de geração em geração, beneficia a todos nós – incluindo os habitantes de um mundo moderno, que não vive em equilíbrio com o meio ambiente”, diz.
Humanidade mais suscetível
“Estamos enfrentando uma morte maciça de plantas, animais e microorganismos em todo o mundo. De acordo com o relatório do IPBES do Conselho Mundial da Biodiversidade, estamos colocando em risco um milhão de espécies, de um total de oito milhões de espécies, fazendo com que estas morram neste século”.
“Ao enfraquecer os poderes de proteção da natureza, nos tornamos mais suscetíveis a vírus, bactérias e outros patógenos mortais que passam dos animais para os seres humanos”, destaca adiante.
“O desmatamento, a construção de estradas e o rápido crescimento de nossas cidades estão destruindo inúmeros habitats de animais e nos expondo a patógenos que ficariam a uma distância segura se protegermos adequadamente os ecossistemas”.
Riscos à biodiversidade
“A pandemia de coronavírus é uma zoonose devastadora – e uma lição difícil da qual devemos absolutamente aprender. É essencial manter a biodiversidade inalterada e restaurar o equilíbrio ecológico”.
“Os povos indígenas e as comunidades locais protegem a floresta e sua diversidade biológica. Suas terras nativas abrigam 80% da biodiversidade restante na região. Os povos indígenas colocam seus conhecimentos a serviço da preservação dessa diversidade”.
Ele diz também que há evidências crescentes de que essas comunidades protegem as florestas e sua biodiversidade de maneira melhor e mais eficaz do que quaisquer outros atores.
“Para que eles continuem protegendo esses ecossistemas valiosos, os direitos à terra dos povos indígenas e das comunidades locais devem ser reconhecidos e cumpridos. A região amazônica ainda abriga a maior biodiversidade do mundo – mas esse recurso agora está ameaçado e seu potencial para o desenvolvimento sustentável ainda é inexplorado”.
Proteção do planeta
“Os chefes de estado e de governo do mundo devem, finalmente, seguir um plano que trará a natureza de volta ao abismo: se novas metas globais de biodiversidade da ONU forem negociadas no próximo ano, a meta deve ser colocar pelo menos 30% das terras e oceanos sob proteção efetiva até 2030”.
Ele conclui afirmando que embora a maior parte do mundo esteja lidando com a pandemia, é preciso compreender que “inconscientemente ou despercebidos, todos já somos afetados pela crise da biodiversidade”.
“Para que a sociedade, a economia e a ecologia se recuperem, precisamos proteger a região amazônica e, finalmente, tratar seus povos indígenas e todos os habitantes das florestas da região com respeito”.