O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), utiliza o regimento interno da Casa para defender o governo Jair Bolsonaro (sem partido), ao impedir a tramitação de dezenas de Projetos de Decretos Legislativos (PDL’s) apresentados pela Oposição que têm por objetivo alterar ou sustar medidas e atos tomados pelo governo federal desde 2019.
Para o Líder da Minoria na Câmara, Marcelo Freixo (PSB-RJ) a conduta do presidente da Casa viola o regimento interno e é antidemocrática
“É muito grave que o regimento interno da Câmara, que estabelece as regras para os trabalhos legislativos, seja rasgado para blindar o governo Bolsonaro. Não podemos permitir que o parlamento seja tolhido em sua atribuição de impedir que o presidente baixe leis por decreto. É ilegal e antidemocrático.”
Marcelo Freixo
Desde que tomou posse no cargo, em fevereiro último, o presidente da Câmara assinou pessoalmente atos que resultaram na devolução de 11 PDLs, um projeto de lei e um projeto de Resolução de Alteração do Regimento, todos apresentados por parlamentares do PSOL de 2020 a 2021. A informação é do Uol.
Em vez de enviar os PDLs para análise em comissões temáticas, Lira tem alegado “inconstitucionalidade” nas propostas. Com isso, manda devolver os projetos de volta aos parlamentares autores, sem parecer ou decisão anexado à sua decisão. O PSOL defende que os PDLs devam ser enviados às comissões para análise.
Lira também não explica ao certo o motivo da suposta “inconstitucionalidade”. Ele usa um curto texto semelhante, de dois ou três parágrafos, no qual apenas menciona o embasamento legal do seu ato (regimento interno e Constituição), sem explicar qual é o ponto supostamente inconstitucional da proposta. Ele diz que as propostas “contrariam” o artigo 49 da Constituição, inciso V, que prevê a competência do Congresso para “sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”.
As propostas barradas tratam de assuntos diversos em áreas atingidas por políticas do governo Bolsonaro, como quilombolas, indígenas, saúde, economia, direitos humanos, meio ambiente, educação e cultura.
Levantamento feita pela coluna sobre as devoluções da presidência da Casa nos últimos cinco anos aponta que a prática era mínima e de fato vive uma explosão na gestão de Arthur Lira. O PSOL havia apresentado cinco PDLs em 2017, nove em 2018 e 50 em 2019. Desse total, apenas dois, em 2019, durante a gestão de Rodrigo Maia (DEM-RJ), foram devolvidos aos autores pela Mesa – Maia não assina os documentos – por suposta “inconstitucionalidade”.
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O presidente da Câmara não respondeu à reportagem.
Veja propostas barradas por Arthur Lira:
Foram 11 os PDLs apresentados por parlamentares do PSOL e devolvidos por Lira a partir de sua posse, em fevereiro de 2021.
Na área da cultura:
PDL 541/2020: “susta os efeitos da Deliberação de Diretoria Colegiada da Agência Nacional do Cinema – Ancine n.º 999-E, de 08 de dezembro de 2020, que cancela os saldos de chamadas públicas, extingue o regulamento geral do Programa de Desenvolvimento do Audiovisual (Prodav); e define um orçamento para o setor menor do que a arrecadação do mesmo”;
PDL 542/2020: “susta os efeitos da Deliberação de Diretoria Colegiada da Agência Nacional do Cinema – Ancine n.º 1002-E, de 08 de dezembro de 2020, que adia por tempo indeterminado a decisão sobre a cota de tela para 2021”.
Na educação:
PDL 400/2020: “susta, nos termos do Artigo 49, V, da Constituição Federal, o Decreto sem número de 15 de Setembro de 2020, publicado no Diário Oficial da União em 16 de Setembro de 2020, Edição 178, Seção 2, Página 1, que nomeou Carlos André Bulhões Mendes para o cargo de Reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com mandato de quatro anos”;
PDL 326/2020: “susta os efeitos dos Decretos de 9 de julho de 2020, que alteram a composição do Conselho Nacional de Educação – CNE”;
PDL 123/2021: “susta os efeitos do Ofício Circular Interno nº 01/2021, de 5 de março de 2021, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que alerta pesquisadores da instituição sobre a punição por divulgação de estudos sem autorização”;
PDL 118/2021: “susta os efeitos da Portaria nº 151, de 10 de março de 2021, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que delega ao Diretor de Pesquisa, Avaliação e Monitoramento da Biodiversidade a competência para autorizar previamente a publicação de manuscritos, textos e compilados científicos produzidos no âmbito e para este Instituto em periódicos, edições especializadas, anais de eventos e afins”;
PDL 86/2021: “susta os efeitos do Anexo III e do Anexo III – B do Edital de Convocação nº 1/2021 – CGPLI PNLD 2023, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE/MEC”.
No meio ambiente:
PDL 113/2021: “susta os efeitos do pré-edital da Décima Sétima Rodada de Concessão de Blocos Exploratórios para a Produção de Petróleo e Gás Natural da Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANP)”.
Em relação às “políticas de governo”:
PDL 472/2020: “susta os efeitos do disposto no item 5.3.5, constante do Anexo do Decreto nº 10.531, de 26 de outubro de 2020, que Institui a Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil no período de 2020 a 2031”.
Sobre os povos indígenas:
PDL 189/2020: “susta a Instrução Normativa nº 9/2020, de 22 de abril de 2020, da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, que ‘Disciplina o requerimento, análise e emissão da Declaração de Reconhecimento de Limites em relação a imóveis privados'”. De acordo com o PSOL, “essa Instrução Normativa é inconstitucional. Contraria a Constituição Federal de 1988, que em seu art. 231, determina cláusulas pétreas – que não podem ser desviadas de seu objetivo: as terras indígenas têm destinação a servir de habitat para os povos indígenas no Brasil. Este dispositivo constitucional define também o que são terras indígenas, caracterizando-as em aspectos fundamentais que, portanto, não podem ser suprimidos ou modificados por uma normativa interna da Funai”.
Sobre direitos dos quilombolas:
PDL 128/2020: “susta os efeitos da Resolução nº 11 de 26 de março de 2020 do GSI, que formaliza os planos de expulsão das comunidades quilombolas de Alcântara, dada a ilegalidade de seu conteúdo e o agravamento de suas consequências no contexto da pandemia de Covid-19”.