
O Ministério das Comunicações gastou R$ 5 milhões com a primeira campanha exclusiva sobre as vacinas contra o coronavírus realizada pela pasta até abril deste ano. O valor corresponde a apenas um sexto do investido na campanha sobre retomada das atividades e um quarto do que foi gasto com as peças que estimulavam tratamento precoce.
O Ministério das Comunicações fez sete campanhas sobre a covid-19 desde 2020, incluindo as realizadas pela então Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom). Os valores não incluem gastos e campanhas realizadas por outros ministérios sem a participação do MCOM. Os dados foram repassados pelo Ministério através da Lei de Acesso à Informação. As informações são da Agência Pública.
Segundo a resposta recebida pela reportagem, a campanha sobre a vacinação é a mais recente delas, veiculada entre 17 e 30 de abril, e teve o segundo menor investimento — ela perde apenas para uma campanha sobre os riscos da doença no início da pandemia de março de 2020 que contou com a participação de figuras como Otávio Mesquita, Felipe Melo, Sikêra Júnior, Zezé di Camargo e os palhaços Patati e Patatá. Segundo o governo, essas participações foram voluntárias.
Gasto com campanha reflete posicionamento do governo
Já para a campanha que incentivou a retomada das atividades “com segurança”, o Ministério das Comunicações investiu R$ 30 milhões. Veiculada de 20 de julho a 16 de agosto, essa campanha produziu vídeos de incentivo à retomada das atividades mediante “cuidados”.
Em um deles, uma mulher que se identifica como caminhoneira em Pernambuco diz sorridente “vamos voltar, gente, vamos seguir em frente, só que um cuidando do outro, um protegendo o outro”. Em outra peça, uma mulher empresária diz “nós queremos muito continuar e voltar a trabalhar, com responsabilidade, com cuidado. E a gente confia que as coisas vão melhorar”.
Segundo o governo, a campanha pela retomada das atividades teve 4,7 mil inserções na TV e quase 36 mil em rádio. A campanha de vacinação, veiculada em 15 dias de abril, teve 59 inserções em TV e 198 em rádio. A Pública questionou o MCOM sobre os baixos valores investidos na campanha de vacinação, o período de veiculação e se há alguma outra etapa dessa campanha que já esteja aprovada, mas não resposta.
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Prioridades do governo nas campanhas
Em março de 2020, o governo publicou peças com o slogan “Brasil Não Pode Parar” no perfil oficial no Instagram e Twitter. Um vídeo com o mesmo slogan e marca do governo, postado no perfil do senador Flávio Bolsonaro e divulgado em redes de apoiadores do presidente, trouxe diversos argumentos de pessoas para as quais o Brasil não poderia parar.
Na mesma semana, em pronunciamento em rede nacional, Jair Bolsonaro afirmou que era preciso conter a histeria, que o vírus “brevemente passará” e que “devemos, sim, voltar à normalidade”. As peças com o slogan “O Brasil Não Pode Parar”, contudo, não estão incluídas nos dados e valores informados pelo Ministério das Comunicações à reportagem.
Na época, a Secom afirmou que o vídeo havia sido “produzido em caráter experimental, portanto, a custo zero e sem avaliação e aprovação da Secom” e que “a peça seria proposta inicial para possível uso nas redes sociais”. Poucos dias após as postagens, a Justiça Federal do Rio de Janeiro proibiu a veiculação por qualquer veículo de comunicação de peças da campanha “O Brasil não pode parar”. Em maio deste ano, na CPI da Covid no Senado, o ex-chefe da Secom, Fabio Wajngarten, disse não ter certeza se o vídeo é da Secom.”
Campanha mais cara com medidas de cuidado
A campanha mais cara realizada pelo Ministério das Comunicações no contexto da pandemia foi a que o governo anunciou medidas de “cuidado” com estados e municípios — com R$ 35 milhões investidos. As ações, realizadas junto ao Ministério da Saúde, propagandearam o auxílio emergencial, envio de recursos pelo governo federal e compras de equipamentos de proteção (EPIs). Um dos vídeos também cita 12 milhões de medicamentos distribuídos que teriam “ajudado no tratamento de milhares de brasileiros”, sem citar o nome desses medicamentos.
Outras três campanhas também foram realizadas pelo governo sobre a pandemia. Duas delas, semelhantes, divulgaram ações do Governo Federal em diversas áreas no início da crise, como compra de medicamentos, testes e respiradores, mencionando, também,a necessidade de preservar empregos.
Ambas foram realizadas junto ao Ministério da Cidadania (responsável pela coordenação do auxílio emergencial) e custaram R$ 5,3 milhões e R$ 6 milhões respectivamente, com veiculação no mês de abril de 2020. Uma terceira campanha, executada pelo Ministério da Saúde na primeira semana de maio, também divulgou ações do Governo Federal de combate à pandemia, que teriam mantido empregos dos brasileiros, como a distribuição de EPIs e o auxílio emergencial. Essa ação custou R$ 6,5 milhões.
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“Agenda positiva” x campanhas de vacinação
A reportagem também apurou todos os pagamentos efetuados pela Secom/MCOM desde o início da pandemia. Segundo os dados da pasta, diversas campanhas custaram bem mais que a de vacinação.
No topo, está a Agenda Positiva, campanha veiculada em todos os estados brasileiros para mostrar “como cada ato do governo beneficia diretamente o cidadão e faz mudar seu dia a dia para melhor”, segundo palavras do próprio ex-secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten. De acordo com a apuração, a Agenda Positiva já passa dos R$ 39 milhões gastos com agências contratadas pelo governo.
Também custaram mais ao MCOM/Secom que a campanha de vacinação a propaganda do lançamento da cédula de R$ 200, a Pátria Voluntária e a de combate ao mosquito Aedes Aegypti.
Mais entraves, além da campanha
Enquanto isso, diversas iniciativas buscam soluções para garantir a imunização da população do planeta. O acesso a vacinas contra a covid-19 deu passos importantes com o apoio à proposta de suspensão de patentes por parte de atores historicamente contrários, como o governo dos EUA, possivelmente o maior defensor de patentes a nível global.
Artigo publicado pelo Outras Palavras, assinado por Mateus Falcão, advogado, doutorando em direito pela USP e pesquisador associado do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário (Cepedisa/USP), e Luciana Lopes, farmacêutica, doutoranda em Saúde Pública pela UFMG e diretora executiva da Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais (UAEM) no Brasil e na América Latina, avaliam a importância das políticas públicas brasileiras no enfrentamento à diversas doenças. Os autores também integram o Movimento pela Saúde dos Povos (People’s Health Movement — PHM).
“Nesse campo, o Brasil é um exemplo de sucesso. O Programa Nacional de Imunizações (PNI), criado em 1973, alcançou recordes internacionais. Na década de 80, foram 18 milhões de crianças vacinadas em um só dia contra a poliomielite, contribuindo para que a região das Américas se tornasse a primeira do mundo livre da enfermidade e da paralisia infantil”, diz o artigo.
Estatais garantem imunizantes no Brasil
A disponibilidade de imunizantes foi resolvida no país, afirmam, com o investimento estatal em políticas públicas para a produção local de imunobiológicos. “Em 1985, foi criado o Programa de Autossuficiência Nacional em Imunobiológicos (Pasni), que pretendia constituir um parque produtivo público, substituir importações e viabilizar as ações de saúde pública por meio do PNI. Por isso, hoje, nosso país dispõe de laboratórios farmacêuticos públicos capazes de abastecer o programa nacional e até mesmo programas internacionais da OMS”, afirmam.
Os autores recordam que o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos) da Fiocruz, forneceu ao SUS mais de 111 milhões de doses de vacinas, em 2020. O excedente é exportado para mais de 70 países. Desde 2007, esse laboratório é pré-qualificado pela OMS para fornecer a vacina Meningocócica AC, abastecendo o programa da organização que leva imunizantes a mais de dez países na região africana.
O Instituto Butantan, por sua vez, abastece o Sistema Único de Saúde (SUS) com sete vacinas, entre elas, contra influenza, hepatite A, hepatite B e raiva. “Os dois laboratórios protagonizam a solução brasileira para a crise da covid-19, tendo executado parcerias de transferência de tecnologias com laboratórios estrangeiros para a produção nacional de imunizantes (AstraZeneca para produção da Covishield, no caso da Fiocruz, e Sinovac, para produção da CoronaVac, no caso do Butantan)”, afirmam no texto.
De acordo com eles, levantamento feito pelo pesquisador Thomas Conti, o Brasil estava na 45ª posição no ranking de nações que mais doses de vacina aplicaram contra a covid-19, no início de maio. Sem a CoronaVac, o país estaria na 83ª posição.
Por que faltam vacinas?
Os pesquisadores atribuem a falta de vacinas à má gestão da pandemia pelo governo federal, políticas de austeridade que afetam as políticas de saúde e de inovação tecnológica, e, principalmente, à barreira ao acesso a essas tecnologias que refletem na falta de doses suficientes em nível global. A corrida pelos imunizantes, afirma, privilegia os mais poderosos.
“Em 12 de maio, mais de 1,3 bilhão de doses de vacinas contra a covid-19 já haviam sido aplicadas. Enquanto 53% da população do Reino Unido já recebeu uma dose da vacina, só agora o Brasil está chegando próximo à marca de 16% de cobertura vacinal. Mas há diversos outros países, sobretudo na América Latina, na África e na Ásia, que ainda não conseguiram doses para vacinar nem 1% de suas populações. Em janeiro, dez países ricos concentravam 75% das doses aplicadas”, comparam.
Patentes dificultam combate às doenças
Os pesquisadores recordam que as patentes foram criadas como um mecanismo de estímulo à inovação. Contudo, inovações nos mais variados campos ocorreram sem a necessidade de monopólios legais. O Brasil, por exemplo, não permitia, entre 1971 e 1996, que produtos químico-farmacêuticos e medicamentos fossem patenteados.
Em 1994, com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) e a aprovação do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (TRIPS, na sigla em inglês), todos os Estados-membros da OMC deveriam aplicar um mínimo de proteção a direitos de propriedade intelectual, a exemplo de patentes, marcas e segredos industriais.
“Um de seus resultados foi a piora da crise global de acesso a antirretrovirais, aumentando o número de mortes por HIV/AIDS, já que se dificultou o acesso a medicamentos genéricos e, consequentemente, o controle da epidemia. Segundo a OMS, programas de sucesso de enfrentamento à Aids naquela época, como os do Brasil e da Tailândia, só foram possíveis devido à produção local de antirretrovirais não patenteados a baixos custos”, pontuam.
Diante da dificuldade de acesso aos antirretrovirais, o mundo se mobilizou. Em 2001, com a Declaração de Doha, foi reafirmado o direito de os países usarem as flexibilidades dos TRIPS – medidas permitidas de não proteção de patentes – para enfrentar crises de saúde pública.
Transferência de tecnologia e o monopólio
“Capacidade tecnológica de produção é algo que se constrói a partir de políticas públicas duradouras de inovação tecnológica e investimento estatal. Foi assim que chegamos aos laboratórios públicos que existem no Brasil. Ainda hoje, o investimento público segue sendo um motor fundamental da inovação farmacêutica no mundo todo”, afirmam. Como exemplo, citam a vacina de Oxford, que contou com apenas com 3% de investimento do setor privado ao longo do seu processo de desenvolvimento.
“No Brasil, foram justamente Butantan e Fiocruz que conseguiram firmar contratos que previam esse processo: receberam a capacitação tecnológica para que incorporassem algumas etapas de produção das vacinas em suas próprias unidades. Recentemente, foi finamente anunciada a transferência da tecnologia para a produção, inclusive, do insumo farmacêutico ativo pela Fiocruz”, afirmam no artigo.
Setor privado resiste
O debate sobre transferência de tecnologia também enfrentou oposição do setor privado. Em maio de 2020, a OMS criou um mecanismo global para compartilhamento de tecnologias. O objetivo é acelerar o fluxo para produtos associados à covid-19. “Sua limitação, no entanto, é a adesão voluntária por parte de empresas, governos e instituições, que, até o momento, demonstraram pouco ou nenhum interesse na iniciativa”, salientam.
“O monopólio da capacidade tecnológica e o monopólio dos direitos de propriedade intelectual por parte das empresas e instituições concentradas em países ricos são duas faces da mesma moeda: um sistema de inovação global que trata a saúde como uma mercadoria, e não como um direito humano a ser alcançado por todas e todos. Neste momento da história, defender a suspensão dos direitos de propriedade intelectual sobre vacinas e outras tecnologias relacionadas à covid-19 é a postura mínima esperada de todas e todos que acreditam que o direito à saúde e à vida deve vir antes dos interesses financeiros”, concluem.
Com informações da Agência Pública e Outras Palavras