
Mais uma de nós se vai nesta sexta-feira. Roberta da Silva, 32 anos, a mulher trans moradora de rua, que teve 40% do corpo queimado por um adolescente, no centro do Recife (PE), enquanto dormia perto do Terminal de Ônibus do Cais de Santa Rita, em 24 de junho de 2021, não resistiu e veio a óbito, com falência respiratória e renal.
A pergunta que vem a nossa mente é: o que faz um adolescente jogar álcool e atear fogo naquela pessoa? Ele foi apreendido em flagrante pelo crime, e não pode ser o único a ter culpabilidade pelo crime. A sociedade indiretamente possui um instinto natural de extermínio da população de travestis e transexuais, pois seu conhecimento sobre suas vivências e o aprendizado machista promovem a transfobia, culminando na exclusão, apagamento e violência a práticas e experiências fora da cisnormatividade.
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É visível a cultura de desprezo a corpos e vidas de pessoas trans. Observemos o caso da travesti Dandara, no Ceará. Um dos elementos que tornou a situação mais alarmante foi que, além das agressões físicas, o ato contou com inúmeros insultos verbais, que remetiam especificamente à sua existência enquanto travesti e, em meio ao contexto, demonstraram como o ato foi motivado pelo próprio discurso de ódio, comprovando a face ideológica e discursiva da transfobia, o que podemos enxergar de igual no caso da nossa irmã Roberta de Recife.
O discurso cisnormativo que insiste em categorizar a transmasculinidade e transfeminilidade como algo patológico ou pecaminoso com o reflexo direto nos assassinatos de travestis e transexuais. Somente em 2019, a transexualidade deixou de ser apontada como um transtorno psiquiátrico pela Organização Mundial da Saúde (OMS), uma reivindicação de anos, já que considerar as vivências de gênero trans, enquanto transtorno ou patologia psiquiátrica, além de desumanizar os corpos, traziam implicações práticas de violações de direitos humanos, como direito à autonomia corpo. Já no campo da religião o atraso vai ainda mais distante, pois é deste setor da sociedade que são oriundos os parlamentares da bancada conservadora.
A reiteração cotidiana da cisheteronormatividade e da transfobia, por meio da exclusão social, é a raiz do processo de vulnerabilidade, fragilização ou precariedade dos vínculos sociais. Pessoas trans são condenadas na adolescência a viver à margem da sociedade, que foge e é orientada a não discutir nossas vidas na educação, resultando na fragilização dos laços sociais e impede que haja a participação parcial ou integral na sociedade, ocasionando as mortes sociais pela invisibilidade nos meios de comunicação ou mortes físicas e cruéis, de modo a culminar no assassinato de Robertas,Theos, Dandaras…
Mais uma vida de uma mulher nordestina e trans que se extingue, vítima de um “Cistema”, que envergonha nossa nação para o resto do mundo.
Tathiane Araújo é presidenta da Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil e secretária Nacional do segmento LGBT Socialista/ PSB – [email protected]