
Texto de Tathiane Araújo1e Flavio Brebis2
Quem viveu os últimos 25 anos, assistiu cenas de uma história nem sempre de um olhar empático e de avanços para a população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), em termos políticos e de alcance de direitos em sociedade. Violências de todas as ordens não são raras, por todas as cidades e estados de um país continental como o Brasil.
Chegamos aos 52 anos da mais icônica e simbólica rebelião acontecida no ocidente no Bar Stonewall Inn, em Nova York, Estados Unidos, iniciada em 28 de junho de 1969. Aquela resistência durou cerca de uma semana de confrontos entre a polícia e um grupo de lésbicas, travestis, gays e dragqueens, que sofriam repressão e eram violentadas por aqueles representantes do estado. Foi a primeira vez que um grupo de LGBT se levantou contra as opressões de forma mais contundente e que reverberou por todo o mundo, marcando simbolicamente o início do movimento LGBT.
Stonewall deflagrou paradas do orgulho
Em poucos meses, após aqueles dias de final de junho e início de julho de 1969, praticamente todas as cidades norte americanas passaram a ter organizações fortes pelos direitos LGBT e, no aniversário de um ano da Revolta de Stonewall, no exato dia 28 de junho de 1970, as primeiras marchas do orgulho pela livre orientação sexual e identidade de gênero aconteceram nos EUA, iniciando a história das paradas do orgulho pelo mundo.
Naquele período, surgiram grupos como a Gay Liberation Front (GLF), a Gay Activists Alliance (GAA), a Lambda Legal (primeira organização jurídica a se formar em defesa dos direitos homossexuais) e um coletivo chamado Street Transvestite Action Revolutionaries (STAR), criado por Sylvia Rivera e Marsha P. Johnson, duas representantes das pessoas trans estadunidenses. O objetivo principal das associações era fortalecer a comunidade e aprovar a Gay Rights Bill, uma petição de projeto de lei feita pelo grupo de travestis e transexuais ao qual Sylvia e Marsha pertenciam, na cidade de Nova York.
Depois de Stonewall, adesão e perseguição
Na sequência da rebelião de Stonewall, ainda nos Estados Unidos, houve um cenário de adesões progressistas e perseguições conservadoras. Em 1973, o estado de Maryland aprova uma lei que proíbe e bane oficialmente a união civil de pessoas do mesmo sexo no estado. No mesmo ano, contudo, a American Psychiatric Association retira a homossexualidade da lista de “doenças mentais” do seu “Manual de Estatísticas e Diagnósticos de Doenças Mentais”. Um ano depois, Kathy Kozachenko, lésbica, é a primeira pessoa homossexual assumida eleita a um cargo público no estado do Michigan.
De lá para cá assistimos alguns levantes. Movimentos sociais e associações LGBT se organizaram e as lutas ganharam diferentes contornos e temas específicos. Nos dias atuais, o movimento LGBT abrange diversas orientações sexuais e identidades de gênero, de modo que, mesmo sem uma organização centralizadora, absorve várias frentes pela garantia de direitos civis da comunidade.
De outro modo, diferentes contextos sociais e políticos de cada país têm demandado uma atuação diferente. E por não ser movimento unificado, também não podemos afirmar com certeza quais são as pautas prioritárias do movimento LGBT ao redor do mundo.
Unicidade nas lutas
Entretanto, percebemos certa unicidade nas lutas pela criminalização da LGBTfobia, pela realização do casamento civil igualitário, pelo fim da criminalização da homossexualidade e das penas correspondentes, pelo reconhecimento social da identidade de gênero das pessoas trans, pela efetivação de políticas públicas com equidade bem como pelo fim dos estereótipos e necessidade de representatividade da comunidade LGBT nos meios de comunicação.
Com características de um país continental, temos nuances de diversos movimentos que se espalharam pelo Brasil, principalmente com as Paradas do orgulho LGBT que ganharam cidades de norte a sul, de leste a oeste, a partir da segunda metade dos anos 90, transformando-se em atos políticos, sobretudo, de visibilidade da população LGBT.
A partir de 2008, em governos progressistas, tivemos as Conferências Nacionais com participação da sociedade civil e do poder público, que trouxeram à tona as políticas públicas e uma tentativa de controle social. Entretanto, grande parte das propostas prioritárias votadas naqueles espaços se perdeu, devido, na maioria das vezes, ao descaso do estado ou por falta de instrumentação da gestão pública, de colocar em prática políticas afirmativas de reparação, para que a população LGBT tivesse acesso aos direitos sociais com equidade.
Cresceram direitos e ataques conservadores
Ao passo que tivemos lutas históricas alcançadas em termos de direitos, vimos também crescer ondas de conservadorismo que espalham Fake News, utilizando a expressão equivocada “ideologia de gênero”, para dizerem que as crianças são levadas a escolher um gênero imposto e contrário a heteronormativade e cisgeneridade, numa tentativa orquestrada de culpabilizar, condenando educadoras, educadores e ativistas de direitos humanos, que ousam levar as temáticas de orientação sexual e identidade de gênero para a sala de aula.
Ações como o Projeto Brasil Sem homofobia de 2004 do governo federal, com participação da sociedade civil, trouxe algum alento para muitas pessoas que viam na educação as mudanças e um futuro livre da LGBTfobia. No entanto, manobras político-partidárias e uma infinidade de notícias falsas, rotulando o projeto de “kit gay”, fizeram com que aquela ação fosse repelida pelo governo e pela sociedade.
Infelizmente, ainda na atualidade, na maior parte do mundo, a heteronormatividade e as identidades cisgêneras têm representações hegemônicas e muitas LGBT+ ainda sofrem discriminações, que se iniciam ainda no seio familiar. Violências físicas e psicológicas acompanham pessoas LGBT ao longo da vida. Na maioria das vezes, são tiradas as oportunidades, provocando não só a morte física, mas a morte social.
Violência nas escolas contra pessoas LGBT
A escola ainda é um lugar de extrema violência para pessoas LGBT. Muitas entram nos sistemas educacionais formais, mas dificilmente há políticas de permanência para essas pessoas. A maioria de professoras e professores não está preparada para o acolhimento da diversidade sexual e de gênero na escola, da educação básica ao ensino superior. Temos uma taxa de “expulsão” muito alta de LGBT desses espaços. Grande parte não consegue concluir estudos. Muitas, infelizmente, têm na prostituição a única alternativa para sobrevivência.
Em muitos espaços LGBT ainda não podem exercer seus papéis de cidadãs e cidadãos. Um exemplo são os cargos eletivos no Brasil. Poucas candidatas e candidatos LGBT conseguem se eleger nas câmaras municipais e assembleias legislativas, em relação aquelas e aqueles que se dizem heterossexuais cisgêneros ou mesmo conservadores e ligados ao patriarcado ou a religiões cristãs. Quando conseguem se eleger, muitas são perseguidas e ameaçadas de morte, por representarem uma afronta ao conservadorismo. Partidos políticos ainda temem o empoderamento de pessoas LGBT e dão pouca credibilidade.
Homofobia e transfobia na Lei do Racismo
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal (STF), numa votação histórica encerrada em 13 de junho de 2019, reconheceu a omissão do congresso nacional e decidiu, por ampla maioria pelo enquadramento da homofobia e da transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989), até que se edite lei sobre a matéria. E o que podemos perceber com essa decisão é que ainda podemos contar com a empatia e compreensão do judiciário brasileiro, diante da violência que todos os anos vemos eclodir como estatísticas lamentáveis em todos os cantos do país.
Recentemente, no dia 08 de maio de 2020, o STF também decidiu derrubar restrições à doação de sangue por pessoas LGBT, a partir da Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 5543, de autoria do Partido Socialista Brasileiro (PSB), que já apontava que tal política de exclusão ofende a dignidade humana e gera discriminação.
Relatos de avanços e retrocessos nos mostram que a história do movimento LGBT+ foi construída a partir de muita luta, e que pessoas trans, negras, latinas, lésbicas sempre estiverem à frente dessas batalhas e conquistas, mesmo que parte da mídia tenha higienizado essas histórias para um certo padrão social aceito. Durante anos, houve uma violência histórica, quando se reduziu o 28 de junho a um orgulho GAY, numa tentativa de supressão de figuras que não obedecem à norma de uma sociedade machista, branca e eurocêntrica, mesmo quando essa história é sobre uma população marginalizada e oprimida.
Viva a luta, viva as travestis, as bichas, as sapatões, as afeminadas, enfim, todas aquelas que têm a coragem de existir e resistir, de lutar por sua vida e por tantas outras!
Liberdade para a população LGBT+!
1 Presidenta da Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil; Secretária Nacional do Segmento LGBT Socialista/ PSB – [email protected]
2Professor; Jornalista; Ex-Gestor das Políticas LGBT do Governo do Distrito Federal; Membro da Executiva Nacional LGBT Socialista/PSB – [email protected]