
Em um ano considerado um marco para a pauta racial, as peças de publicidade chamam atenção especial no fim de ano por trazerem protagonistas negros, algo que deveria ser corriqueiro em um país que tem 56% da população que se autodeclaram pretos ou pardos. Empresas como O Boticário, Bradesco, Unilever, Ambev e Amazon, por exemplo, fizeram suas campanhas de Natal e de verão com um elenco principal negro.
A presença de negros ainda é considerada muito aquém do desejado, mas a boa notícia é que, após tanta discussão em 2020, publicitários que trabalham no setor consideram que o assunto não é modismo: o público consumidor já cobra mais diversidade racial, assim como os acionistas das empresas.
Mesmo a passos lentos, quem trabalha no meio observou avanços este ano. Lucas Reis, CEO da Zygon, idealizadora da Blackadnetwork — start up que surgiu para conectar grandes marcas a veículos e influenciadores negros —, afirma que a demanda pelo trabalho da agência teve um crescimento de três dígitos em relação a 2019. “As marcas focavam suas ações sobre a questão racial apenas em novembro, quando é comemorado o Dia da Consciência Negra.
Este ano, houve um pico em junho, por conta do caso George Floyd (estadunidense negro morto em maio por asfixia depois de ter o pescoço prensado pelo joelho de um policial). As empresas passaram a incorporar as questões raciais de forma constante, e as marcas apresentam projetos que vão além do discurso”.
Um retrato do mercado publicitário feito antes do caso Floyds aponta que o setor ain da precisa avançar muito na representatividade. A pesquisa Todxs – desenvolvida pela ONU Mulheres e pela Heads Propaganda e que desde 2015 avalia inserções de comerciais de televisão e posts no Facebook – mostra que a presença de homens negros em situações de protagonismo na TV, por exemplo, caiu de 22%, em fevereiro de 2019, para 7%, no mesmo mês deste ano. As mulheres brancas ainda representam 74% das protagonistas.
Ainda precisar melhorar
A coordenadora da pesquisa, Isabel Aquino, acredita que, mesmo que o levantamento fosse refeito neste mês, o resultado não seria muito diferente: para ela, a onda de conservadorismo e o posicionamento do governo federal sobre a pauta racial desestimulam as empresas a fazerem peças como mais diversidade.
“A evolução é mais lenta mesmo. Quando olhamos para a história da pesquisa, vemos avanços em relação a 2015, mas o casting de pessoas negras está estagnado em 20%, o que não representa a população brasileira. O cenário de polarização e a legitimação de discursos que diminuem, desvalorizam e esvaziam pautas identitárias, de raça e de gênero, se refletem na publicidade”, afirma.
Para Luiz Augusto Campos, vice-coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa), do lesp-Uerj — que realizou uma pesquisa com anúncios entre 1987e 2017 —, certas premissas publicitárias não contestadas levam a esse cenário. Uma delas é que o padrão de beleza que impera no meio ainda é profundamente branco e europeu.
“E ainda permanece a ideia de que modelos negros “não vendem”. Fora isso, há uma associação entre negritude e determinados tipos de produtos (desportivos ou de cunho social) e da branquitude com mercadorias de elite. Não se trata aqui de defender que negros e negras sejam incluídos em algumas campanhas, mas de uma mudança geral para que participem de quase todas”, comenta.
Não à toa, segundo dados da pesquisa Economia, Periferia e Diversidade, do Instituto Locomotiva, 98% dos negros não se veem representados em propagandas, que, na maioria das vezes, apresentam modelos muito magros e pessoas de cor branca. Segundo o mesmo instituto, a população negra movimenta R$ 1,7 trilhão anualmente.

Este ano, a ação de Natal do Boticário tem como protagonista um menino negro nos anos 1980 que questiona o motivo de nenhum Papai Noel ser como ele. Em 2020, já adulto, ele se transforma em um Papai Noel negro. No final do vídeo, a empresa traz links com as ações que promove pela diversidade racial.
“O Grupo Boticário estruturou compromissos para a equidade racial, como aumentar em 40% a contratação de talentos negros, alcançando 50% de representatividade até 2023, ter ao menos 25% de lideranças corporativas negras até 2023 e desenvolver nossos talentos negros”, afirma Gustavo Fruges, diretor de Marca e Comunicação do Boticário.
A Seda, marca da Unilever, lançou em agosto um filme publicitário protagonizado pela comunicadora e ativista Gabi Oliveira, do canal De Pretas, contando sua relação com o cabelo. Segundo Paola Mello, gerente global da Seda, a marca se comprometeu a ter 50% de representatividade negra em suas peças publicitárias. Internamente, a empresa fechou uma parceria com o Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), que dá consultoria de diversidade.
“A nossa proposta é sermos inclusivos, não só na contratação de parceiros e influenciadores negros, mas também internamente, enquanto marca”, afirma Paola.
Com informações do jornal O Globo