
A luta antirracista faz parte da Revolução da Moda. Nesta semana, até domingo (25), está sendo realizada a Semana Fashion Revolution. O evento é promovido sempre no mês de abril pelo Fashion Revolution, um movimento global que atua para uma indústria da moda mais limpa, justa e transparente.
O Socialismo Criativo preparou uma série de matérias sobre a indústria da moda como uma expressão da economia criativa. Os textos são de Iara Vidal, representante do Fashion Revolution em Brasília e jornalista do portal, e serão publicados ao longo do mês de abril.
Siga a hashtag #FashionRevolution2021 e acompanhe os textos sobre o movimento.
Moda antirracista no Fashion Revolution
A condenação do ex-policial responsável pela morte de George Floyd nesta terça-feira (20) é um símbolo para a luta antirracista. Quando Floyd, um homem negro, foi asfixiado durante uma abordagem policial em maio de 2020, em Mineápolis, nos Estados Unidos, eclodiu um estopim mundo afora sob as palavras #BlackLivesMatter, aqui no Brasil, #VidasNegrasImportam. A moda não passou incólume.
Durante a Semana Fashion Revolution 2020, no calor da onda antirracista, os debates deixaram evidente a necessidade de compreender e articular ações voltadas para a pauta e a agenda racial na moda. Daí nasceu o Comitê Racial do Fashion Revolution Brasil. O grupo é composto por pessoas que fazem parte do movimento ativista de norte a sul do Brasil.
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Desmantelar a estrutura racista da moda
O Comitê Racial do Fashion Revolution Brasil atua como fórum consultivo do Fashion Revolution e está estruturado em torno de espaços de estudo, ação e fortalecimento de capacidades dos participantes para a transversalidade do tema da equidade racial. As ações do comitê incluem – mas não se restringem – a ações e campanhas internas para aumentar o engajamento na agenda antirracista e promover relações etnicorraciais saudáveis.
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A representante do Fashion Revolution em Uberlândia (MG), Marília Tavares, é uma das integrantes do Comitê Racial. Ela explica que apontamentos e questionamentos relacionados às questões raciais feitos durante a Semana Fashion Revolution 2020 disseram muito sobre a importância de uma estrutura dessa natureza. Sobretudo quando se fala em sustentabilidade e nos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).
“O comitê é composto por até 15 pessoas, entre integrantes da rede Fashion Revolution Brasil e da rede parceira. Nos reunimos quinzenalmente para construir e avaliar propostas e ações necessárias para nos atentar e despertar o nosso olhar para outras direções e, consequentemente, fazer com que saibamos direcionar nossas ações de maneira mais eficiente no desmantelamento da estrutura racista da moda.”
Marília Tavares
Longo caminho rumo à equidade racial
Para Marília, a realidade é que há um vasto caminho a ser percorrido rumo à equidade racial na moda. Ela acredita que é necessário um trabalho que busque compreender o fenômeno do racismo de maneira integral e holística.
“Os debates sobre questões raciais se potencializaram. Mas não podemos nos esquecer que somos pessoas adoecidas e dominadas por um sistema acomodado nas desigualdades e despreocupado com quem está embaixo e segue descendo ladeira abaixo. A expectativa é que a rede se reconheça racista, se posicione e se comprometa cada vez mais no combate ao racismo social e ambiental. É impossível ser antirracista sem antes se reconhecer racista.”
Marília Tavares
Outra expectativa de Marília é que a mudança sistêmica para uma moda antirracista chegue também às instituições de ensino de moda. “Tanto para ocupar espaços e postos de trabalho descaradamente segregados e excludentes, quanto para recontar a história da moda no brasil. A que conhecemos está muito mal contada”, pontua.
Pretos na Moda
O tema do racismo na moda ganhou destaque em outubro de 2020. Depois de meses de discussões sobre como o mundo da moda poderia se tornar um ambiente menos tóxico para modelos negros, indígenas e afrodescendentes, o coletivo de modelos Pretos na Moda, em parceria com a organização da São Paulo Fashion Week, conseguiu que diversos profissionais do segmento viessem a público se manifestar a favor da causa da inclusão racial nos bastidores dos desfiles e das campanhas publicitárias no meio fashion.
O movimento tomou força quando, em junho do ano passado, um grupo de modelos negras lideraram uma série de denúncias de maus tratos sofridos por profissionais negros nos bastidores da moda. A partir desse episódio foi criado um documento chamado de “tratado moral” que ganhou a adesão de nodos de agências, stylists, produtores e diretores de desfile do alto escalão. Trata-se de um esboço para orientar marcas e profissionais do setor a promover mudanças contra a discriminação e garantir boas condições de trabalho para modelos, camareiras e costureiras.
Grupo Vetor Afro-Indígena na Moda
Outra iniciativa focada na luta por uma moda antirracista é o grupo VAMO (Vetor Afro-Indígena na Moda). O coletivo foi criado em 2020, em meio à pandemia da Covid-19. O propósito é atuar como uma organização de profissionais do setor da moda para trabalhar o antirracismo e fomentar a luta contra o preconceito sistêmico por meio de ações educativas e positivas.
O VAMO começou a tomar forma em uma conversa por aplicativo de mensagem. Atualmente reúne mais de 90 participantes entre fotógrafos, estilistas, empresários, designers, jornalistas, educadores e especialistas em educação antirracista. Entre os integrantes à frente das iniciativas está Rafa Silvério, estilista e integrante do Comitê Racial do Fashion Revolution.
Em entrevista ao site FFW, no final do ano passado, Silvério ressaltou que o coletivo foi criado com o propósito de decolonizar o pensamento do mundo da moda, focado em valores eurocêntricos. O coletivo está presente em cinco estados – SP, RJ, MG, SE, CE e PE – e reúne mais de 15 marcas.
O VAMO, contou, nasceu para iniciar um processo de reparação na moda nacional, onde preto e indígenas possam ter acesso a ferramentas e oportunidades que são negadas pela estrutura racista do mercado.
“VAMO é um chamado para o exercício de uma educação através da decolonização do pensamento eurocentrista e tem como objetivo criar espaços, métodos e ações equitativas que viabilizem, valorizem, empoderem e transformem a realidade e o pertencimento da população afro-indígena multi potencial na indústria e na sociedade.”
Rafael Silvério
Revolução da Moda
Em fevereiro deste ano, a presença do movimento #BlackLivesMatter na passarela da Semana de Moda de Milão sintetizou os novos rumos possíveis para a moda. Pela primeira vez na história da moda italiana, estilistas negros abriram o tradicional evento, promovido pela primeira vez em 1958. Foi a segunda edição do The Fab Fiver – We are Made in Italy, projeto digital que trabalha em prol da inclusão e da diversidade neste setor na Itália.
A moda projeta um caleidoscópio do espírito do tempo: comportamento, identidade, opressão, liberdade, gênero, religião, etnia, idade, saberes, nacionalidade, proteção, vulnerabilidade e luta de classes. A moda está costurada com a política ao refletir a forma como nos comportamos e pensamos sobre a sociedade em que vivemos. E pode ser tanto um sistema que perpetua o racismo estrutural, quanto um motor para a revolução.
Com informações da Folha de S.Paulo e FFW