Com Marcelo Hailer
O Brasil está entre a minoria dos países do mundo que não aumentaram os recursos em educação durante a pandemia para reduzir os prejuízos de aprendizagem e lidar com os novos desafios surgidos no período. Enquanto entre 65% e 78% das nações elevaram o orçamento para ao menos alguma das etapas da educação básica, o Brasil está no grupo minoritário, que não destinou mais recursos para nenhum segmento do ensino.
Os dados são do relatório Education at a Glance 2021, feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e divulgado na manhã desta quinta (16).
O líder da Oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ), criticou severamente a falta de investimentos na educação por parte do governo Bolsonaro. O socialista enfatizou no Twitter que o posicionamento do governo é um absurdo, uma vez que ” jogou o Brasil para o grupo minoritário de nações que não destinaram mais recursos para nenhum segmento da Educação”.
A União Nacional dos Estudantes (UNE) também mostrou descontentamento com os dados revelados pelo relatório da OCDE. A UNE destacou que está há 84 anos em defesa da educação no Brasil e que desde a ditadura não via tanto descaso, intolerância e falta de diálogo na Educação brasileira”.
Impactos da pandemia na educação
O estudo avaliou os impactos da pandemia na educação de 35 países que fazem parte do grupo e oito nações parceiras, entre elas o Brasil. Segundo o documento, antes da pandemia, o Brasil usava 4% de seu PIB no ensino básico, da educação infantil ao ensino técnico.
Na contramão em relação a outros lugares, o percentual não foi alterado em 2020 nem em 2021 para fornecer mais recursos às escolas para que pudessem enfrentar os prejuízos provocados pela crise sanitária.
“Os países enfrentaram decisões difíceis sobre como melhor administrar seus recursos para assegurar que os estudantes continuem tendo acesso a educação de qualidade nas condições mais seguras possíveis e para minimizar os impactos da interrupção das aulas”, explica o relatório.
“Na comparação com os anos anteriores, o Brasil não registrou nenhuma mudança fiscal no orçamento para a educação básica em 2020 e 2021”, destaca o texto.
A maioria dos países aumentou o orçamento da área para contratar mais professores para atuar durante a pandemia, seja para trabalhar no lugar daqueles com maior vulnerabilidade à doença, assegurar reforço escolar ou ainda reduzir o número de alunos em sala de aula. Segundo o relatório, 30% das nações aumentaram o número de professores que trabalham nos anos finais do ensino fundamental e 37%, nos anos iniciais.
Entre os exemplos citados está Portugal, que contratou 3.300 novos professores em 2020 para oferecer aulas de reforço aos alunos. Na Espanha, foram contratados 30 mil novos docentes para atuar nas mais de 21 mil novas salas de aula criadas no país para reduzir o tamanho das turmas.
O relatório também cita o caso de países que aumentaram o investimento em educação para fornecer suporte digital aos alunos durante a suspensão das aulas presenciais. Na Nova Zelândia, por exemplo, o governo destinou US$ 62 milhões emergenciais para fornecer internet e equipamento a alunos mais pobres ainda em junho de 2020.
Sem recursos adicionais para educação, o Brasil ainda foi o país, entre os analisados, que ficou mais tempo sem aulas presenciais entre o ano passado e maio de 2021. Na média da OCDE, as escolas de educação infantil ficaram apenas 55 dias fechadas. As de anos iniciais do ensino fundamental, 78, e as de anos finais, 92. No ensino médio, 101 dias.
No Brasil, só em 2020, as unidades ficaram fechadas, em média, por 178 dias —o relatório não trouxe dados da situação das escolas brasileiras neste ano. Apesar de ter sido contrário à suspensão das aulas presenciais, o governo Jair Bolsonaro (sem partido) foi praticamente ausente no apoio financeiro aos estados e municípios para a reabertura das escolas e para fornecer atividades a distância.
A única iniciativa efetiva do Ministério da Educação para a educação básica vinculada à pandemia foi o incremento, a partir de outubro, de cerca de R$ 600 milhões no programa que envia dinheiro para as escolas. No entanto, os gastos totais com esse programa, chamado Dinheiro Direto na Escola, em 2020 (de R$ 1,7 bilhão) foram os menores ao menos desde 2015, na comparação com valores atualizados. Acima apenas dos de 2019, primeiro ano da gestão Bolsonaro.
O governo federal também deixou parados R$ 220 milhões de um programa que levaria internet para escolas públicas neste ano. A gestão chegou a brigar na justiça para evitar o investimento que levaria conectividade aos alunos mais pobres. Os cálculos da OCDE que indicam estabilidade dos gastos com educação básica no Brasil incluem também os gastos próprios dos estados e municípios na área.
Se contabilizado apenas o orçamento do MEC, o gasto em educação básica em 2020 foi o menor da década. A pasta dispôs de um orçamento de R$ 48,2 bilhões na educação básica no ano passado. O valor é 10,2% menor do que em 2019 e o menor desde 2010. O valor pago efetivamente foi de R$ 32,5 bilhões.
O relatório conclui ainda que os impactos da pandemia na economia levantam preocupações entre os jovens adultos, especialmente entre aqueles que abandonaram os estudos nesse período.
No Brasil, a taxa de desemprego de pessoas de 25 a 34 anos que não concluíram o ensino médio foi de 17,8% em 2020 —três pontos percentuais a mais do que no ano anterior. A média brasileira é superior à dos países da OCDE, que foi de 15,1% no ano passado.
Salário de professor de escola pública do Brasil é o pior do mundo
O relatório da ODCE também destacou um problema antigo, já bem conhecido entre os profissionais da educação brasileira: o piso salarial dos professores do ensino fundamental é o mais baixo entre os países presentes no estudo. Além disso, os rendimentos dos docentes brasileiros no início da carreira são menores de que os professores em países como México, Colômbia e Chile.
O documento ressaltou que os professores brasileiros têm salário inicial de 13,9 mil dólares iniciais. Na Alemanha, um professor de mesmo nível recebe 70 mil dólares. Em países como Grécia, Colômbia e Chile o valor do salário é 20 mil.
O estudo da OCDE é baseado em conversão para comparação dos salários usando a escala de paridade do poder de compra, que incide no custo de vida dos países.
Quando o estudo leva em conta o salário real, que inclui os pagamentos adicionais, os professores brasileiros também recebem abaixo da maioria dos países que compõem o estudo, ultrapassando apenas a Hungria e a Eslováquia.
De acordo com a OCDE, os salários reais médios dos professores são de US$ 25.030 dólares anuais no nível pré-primário e US$ 25.366 dólares nos anos iniciais do ensino fundamental. Na média, os países analisados pelo estudo da OCDE, os salários, na mesma etapa, são de US$ 40.707 e US$ 45.687, respectivamente.
Os jovens, o nível de leitura e a classe social
Além de ter o pior salário pago aos professores, o estudo da OCDE também revela que o Brasil sofre com uma preocupante defasagem de leitura entre os jovens.
Em uma escala de 1 a 6, o nível de leitura considerado básico é o 2, momento em que os estudantes “começam a demonstrar competências que vão lhes permitir participar de modo efetivo e produtivo na vida como estudantes, trabalhadores e cidadãos”.
De acordo com a OCDE, a camada mais pobre dos estudantes que conseguiu atingir o nível 2 em leitura no Pisa foi 55% menor que a dos jovens oriundos das classes mais ricas.
Essa distância entre os estudantes pobres e ricos é 26 pontos percentuais superior à média dos países da OCDE.
O relatório afirma que no Brasil foi identificado “uma das maiores disparidades de performance entre os países” estudados.
A OCDE já havia chamado a atenção para este problema em maio deste ano, quando divulgou que no Brasil apenas 33% dos estudantes havia sido capaz de distinguir o fato de uma opinião.
Além disso, entre 2000 e 2018 o número de livros na casa dos estudantes mais ricos se manteve estável, porém, caiu “consideravelmente” entre os mais pobres.
O baixo nível de leitura entre os estudantes mais pobres traz outro dado preocupante, que é o investimento público por aluno na rede pública: o Brasil investe US$ 3.748 por estudante na Educação Básica, a média dos outros países da OCDE é de US$ 6.353.
Paradoxalmente, o investimento no Ensino Superior no Brasil é acima da média da OCDE: o país investe US$ 14.427 no estudante universitário, e a média dos países são de US$ 13.855.
Com informações da Folha de S. Paulo