O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem uma longa trajetória na luta pela reforma agrária. Criada há 38 anos, a organização popular formou militantes em assentamentos e acampamentos Brasil afora e, ao longo das décadas, foi conquistando cada vez mais legitimidade entre a população brasileira diante da importância do trabalho que desenvolve.
Um exemplo recente é o papel desempenhado pelo movimento durante a pandemia do coronavírus: suas cooperativas de agricultura familiar foram responsáveis pela doação de mais de 6 mil toneladas de alimentos durante toda a crise sanitária, em meio ao agravamento da fome e descaso do governo Bolsonaro.
Na avaliação do MST é que neste momento, no entanto, é preciso ampliar a atuação para além da reivindicação por reforma agrária no campo e o trabalho social. Apesar de ter capilaridade em todo o país, o movimento possui apenas 3 representantes no Congresso Nacional: os deputados federais João Daniel (PT-SE), Valmir Assunção (PT-BA) e Marcon (PT-RS).
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Os sem-terra também marcam presença na Assembleia Legislativa do Ceará com o deputado Elmano de Freitas (PT), que tentará se reeleger. O objetivo do MST, nas eleições deste ano, é aumentar a representação política em Brasília e nas assembleias estaduais lançando candidaturas de militantes do movimento, boa parte deles e delas forjados nos assentamentos e na luta pela reforma agrária.
Ao todo, o MST pretende lançar 15 candidaturas para assembleias estaduais e para a Câmara dos Deputados, incluindo os três parlamentares já eleitos, que tentarão a reeleição. A maior parte desses candidatos e candidatas cresceram em assentamentos e trazem como principais bandeiras o combate à fome, a alimentação saudável, a preservação do meio ambiente e a luta por direitos.
“O movimento social, a exemplo do MST cuja causa precisa de leis instituídas e do apoio da sociedade, precisa disputar espaços de poder. A disputa dos espaços de poder ajuda a colocar o MST como voz política relevante, além de nos desafiar na incorporação de novos debates e bandeiras considerados importantes para o povo brasileiro. Nós temos que valorizar e reconhecer a importância que tem a Câmara dos Deputados e as Assembleias Legislativas. A nós que reivindicamos e vamos às ruas, chegou a hora de também legislar! Ampliar a representação da classe trabalhadora, sermos nós mesmos os que produzem as leis que ajudam no avanço dos trabalhadores e trabalhadoras”, disse à Fórum o deputado Valmir Assunção, que participou das primeiras lutas do MST na Bahia na década de 1980 e esteve na primeira fazenda ocupada pelo movimento no estado.
Confira abaixo as principais apostas do MST para as eleições deste ano
Marina do MST
Marina dos Santos, conhecida como Marina do MST, é dirigente do movimento e, recentemente, se filiou ao PT para disputar uma vaga na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). A militante tem 48 anos e é filha de camponeses do Paraná, já tendo trabalhado como boia-fria e realizado trabalhos vinculados à Igreja Católica.
Está no movimento social há mais de 30 anos, concluiu o Ensino Médio em uma escola do MST e, recentemente, concluiu seu mestrado de Geografia em desenvolvimento territorial da América Latina e Caribe, em uma parceria da Universidade Estadual Paulista (Unesp), MST/Escola Nacional Florestan Fernandes e a Via Campesina.
“O MST está sendo muito corajoso e essa decisão de entrar para esse campo mais institucional é muito importante para o Brasil neste momento, no sentido de recuperar e fortalecer a democracia no país, recolocar uma agenda mais voltada à classe trabalhadora”, disse à Fórum.
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Segundo Marina, caso eleita, as principais bandeiras que levantará na Alerj serão defesa dos direitos dos trabalhadores, defesa do meio ambiente e da natureza, da agroecologia e incentivo a produção de alimentos saudáveis, segurança alimentar, reforma agrária popular e fortalecimento da participação das mulheres na política.
Ruth Venceremos
Ruth Venceremos é uma artista drag-queen que foi literalmente criada nas fileiras do MST, visto que está nele desde os 13 anos de idade. A militante LGBT vai disputar uma vaga à Câmara dos Deputados pelo PT do Distrito Federal.
Em entrevista à Fórum, Ruth Venceremos diz que se sente “honrada” em estar no projeto do MST de disputar o poder institucional. No entanto, ela afirma que o seu projeto político não é uma “representatividade pela representatividade” e diz que a luta pela terra e a questão da sexualidade caminham juntas.
“O Movimento percebeu que não dá para a gente fazer a dicotomia entre amar e lutar, entre o direito e o dever de existir… não são movimentos de oposição. A emancipação tem que ser totalizante e isso passa por romper com valores da sociedade burguesa que nos vê como desvio”, analisa.
“O MST foi sábio por entender que a disputa institucional é fundamental para fazer avançar a luta pela reforma agrária popular. Mas nós não podemos fazer a disputa política e abandonar a organização do trabalho popular”, diz ainda.
Valdir Misnerovicz
Aos 52 anos, Valdir Misnerovicz é considerada uma liderança histórica do MST. Forjado na luta pela reforma agrária, o gaúcho que ajudou a construir o movimento em Goiás será candidato a deputado federal pelo PT.
“Decidir participar do processo eleitoral foi fruto de muita discussão. O entendimento é que nesse momento conjuntural, de desmonte do país, de um governo de natureza fascista, diante da grave crise sistêmica que estamos vivendo, é necessário que o movimento possa não abandonar a luta social, mas também olhar para o perfil que está no Congresso hoje. É uma medida que vai de encontro a resolver os problemas reais do povo. Há um entendimento do movimento de que precisamos participar desse debate, ter representação que possa levar esse anseio do povo empobrecido do nosso país”, disse à Fórum.
Valdir afirma que sua principal bandeira de luta na Câmara caso eleito será a mesma como militante sem-terra: o combate à fome. “Não podemos admitir o brasileiro não ter o que comer. Temos que acabar com a fome e acabar com a fome com comida saudável. Agroecologia na veia. E para isso não tem outro caminho a não ser reforma agrária e políticas públicas que fortaleçam a agricultura familiar”, atesta.
Antônio Marcos
Antônio Marcos Nunes Bandeira iniciou a militância no MST em 2004. Filho de camponeses da região do Bico do Papagaio (T) será candidato a deputado estadual pelo PT do Tocantins.
O militante é estudante de Direito e foi membro da direção nacional do movimento, atuando nos últimos anos no setor de direitos humanos.
“Sua pré-candidatura surge da necessidade de reforçar a presença popular na luta por políticas públicas em todo o estado e, com isso, contribuir com a governabilidade do campo progressista”, diz o MST.
Rosa Amorim
Rosa Amorim é a aposta do MST para uma vaga na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Recém-filiada ao PT, Rosa é filha de pai catarinense e mãe baiana, ambos formados em comunidades católicas e atuantes na construção do MST em Pernambuco nos anos 1980.
“Eu sou filha de assentados e acampados da reforma agrária, desde cedo estou nos espaços políticos do movimento sem-terra, e acabei enquanto jovem, orientada pelo MST, atuando também na cidade (…) Acho que o MST decidiu se lançar com a cara do movimento sem-terra na disputa eleitoral, mas também querendo fazer um processo de crítica ao movimento político que se dá no Brasil desde muito tempo”, declarou à Fórum.
“Uma dessas pessoas sou eu, como jovem, como mulher negra, mulher lésbica. Trago não só a luta pela terra mas a luta da cidade, a luta contra a fome, a luta das mulheres, a luta contra o racismo. O MST está querendo mostrar que seu projeto é para além da defesa da reforma agrária, é um projeto para construção de outra sociedade”, disse ainda.
Lucinha Barbosa
Vera Lúcia Barbosa, conhecida como Lucinha, conheceu o MST com apenas 15 anos. Participou da segunda ocupação do movimento na Bahia que construiu o Assentamento Bela Vista, e desde então dedica a vida à luta do campo.
Atual Secretária Nacional de Movimentos Populares do PT, Lucinha será candidata a deputada estadual pela Bahia. Já foi coordenadora-geral do Acampamento de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Bahia, participou da Via Campesina e da Coordenação Nacional dos Movimentos Sociais (CMS).
“A Bahia já passou do tempo de ter uma mulher Sem Terra na Assembleia Legislativa. E vamos para o embate este ano com a força do MST e dos movimentos sociais e de luta por moradia digna. Vamos representar cada uma das assentadas e acampadas deste estado”, disse no lançamento de sua pré-candidatura.
Vânia do MST
Gilvânia Ferreira, ou Vânia do MST, como é conhecida, atua há 30 anos pela reforma agrária no Maranhão e será candidata a deputada federal pelo PT do estado.
“Paraibana de Canafistola, hoje Município Alagoa Grande, Vânia conviveu desde pequena com conflitos de terra, pois aquela é uma região cercada por cana-de-açúcar, onde já atuava um combativo sindicato de trabalhadores rurais. Aos 14 anos, ela já participava das greves dos canavieiros”, diz um perfil da militante publicado pelo site do MST.
Ela entrou em contato com o movimento, pela primeira vez, em 1989, quando participou de um encontro nacional do MST. “Foi quando eu decidi que realmente era importante fazer a luta. Antes eu entendia o conflito, mas não tinha vivido na pele”, afirma.
“O que me chama a concorrer como pré-candidata a deputada federal é minha história, minha classe e a decisão do meu movimento, a vontade de mudar este país em benefício dos mais prejudicados, trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, os indígenas, os quilombolas, os ribeirinhos, as populações extrativistas, as várias juventudes que existem neste país, as mulheres”, declarou Vânia em entrevista ao Brasil de Fato.
Adão Pretto Filho
O gaúcho Adão Pretto Filho é filho de Adão Pretto, militante histórico do MST que se tornou o primeiro deputado estadual e primeiro deputado federal eleito pelo movimento. Agora, ele seguirá os passos do pai e se candidatará a uma vaga na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul pelo PT.
“Sei do peso positivo de representar a luta do velho Adão Pretto. Além de ter essa responsabilidade de carregar essa bandeira política tão importante, a do MST, referência para a América Latina e para o mundo, nessa conjuntura tão importante”, diz Pretto Filho, que é irmão do deputado estadual Edegar Pretto, pré-candidato do PT ao governo do Rio Grande do Sul.
Adão Pretto Filho já foi vereador na cidade de Viamão.
“Nunca esqueça sua origem”
Além das candidaturas citadas nesta reportagem, o MST vem construindo o lançamento de outros nomes. O movimento também deve apoiar candidaturas de aliados que não façam, necessariamente, parte de seus quadros.
Além disso, os três deputados do MST que já possuem mandato – João Daniel (PT-SE), Valmir Assunção (PT-BA) e Marcon (PT-RS) – tentarão a reeleição.
“Acho importante que o movimento tenha essa discussão pela importância da política nesse momento conjuntural. O MST é uma força social e precisa ter gente para debater e discutir orçamento para programas e projetos, O movimento luta, luta, luta e depois não tem representantes no Congresso, na Câmara, nas assembleias, isso é um erro. Então, é importante o movimento ter candidatos nos estados”, disse João Daniel à Fórum.
O deputado Valmir Assunção, por sua vez, mandou um recado os candidatos e candidatas do MST que tentarão a eleição pela primeira vez.
“Nunca esqueça a sua origem! Nunca esqueça que você é candidato, ganhou a eleição, ou que você é o que é, porque existe o MST! Se não fosse o MST, nem eu, nem João Daniel, nem Marcon e nem os que vão se candidatar agora teriam condições de se apresentar à sociedade com a força que possuem. Nós estamos disputando a eleição com a marca dos Sem Terra, com a marca de uma posição de esquerda, com a ideologia da classe trabalhadora. Não podemos jamais esquecer disso depois da vitória nas eleições. Onde estiver a bandeira do MST, nós estaremos ali na defesa, pois jamais podemos abandonar a nossa origem!”, exclama o parlamentar sem-terra.