
Mesmo durante a pandemia, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou a utilização de quase 500 novos agrotóxicos em 2020, além de outras 230 aprovações de produtos dessa natureza em 2021. Na contramão desse grave problema à saúde e ao meio ambiente, as mulheres da agricultura familiar são mais resistentes à utilização dos agrotóxicos.
De acordo com o relatório “As Mulheres no Censo Agropecuário 2017”, de autoria de Karla Hora, Miriam Nobre e Andrea Butto, publicado em maio de 2021 pela Associação Brasileira pela Reforma Agrária (ABRA), das agricultoras familiares que são proprietárias e concessionárias de estabelecimentos rurais no país, 77% (590 mil mulheres) disseram na coleta de dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE) não ter utilizado agrotóxicos.
Sobre o uso de agrotóxicos, 33% dos estabelecimentos agropecuários declararam ter utilizado os insumos, sendo 35,6% (1.451.405) masculinos e 22,4% (211.913) femininos. Em relação aos estabelecimentos da Agricultura Familiar, os percentuais são próximos, sendo que 33,2% (1.294.939) declarou usar, sendo 35,9% (1.123.135) dos estabelecimentos dirigidos por homens e 22,3% (171.804) dos estabelecimentos dirigidos por mulheres. Os dados se concentram nos estabelecimentos de 500 hectares ou mais, com um aumento de 67% entre 2006 a 2017.
“O relatório aponta que, mesmo com resistência setoriais, o aumento do uso de agrotóxico na agricultura brasileira tem-se apresentado como um grave problema para a saúde e meio ambiente. O Brasil é dos maiores consumidores deste tipo de insumo”, explica Karla Hora, uma das autoras do relatório.
A aplicação dos agrotóxicos se dá principalmente nas lavouras de soja, cana de açúcar e milho, que, em 2016 responderam por 34%, 16% e 12% respectivamente do uso. Essas três culturas responderam por quase ¾ do uso dos agrotóxicos do país.
Censo revela mulheres no comando da produção
Do total de estabelecimentos dirigidos por mulheres da Agricultura Familiar, 46,2% (355.362) tem como atividade econômica predominante a pecuária e criação de outros animais, seguido de 35,6% (273.826) dos estabelecimentos com produção de lavouras temporárias e 9,7% (75.005) com lavouras permanentes.
Em termos regionais a produção de lavouras temporárias é a atividade principal da maioria dos estabelecimentos de mulheres da AF nas regiões norte com 38,2% (36.999) e sul com 43,9% (35.935). No centro-oeste, sudeste e nordeste a pecuária e criação de outros animais abrangem 79% (32.466) e 53,4% (55.268) e 44,5% (198.770) dos estabelecimentos respectivamente (Tabela 6).

Nas características territoriais, menos de 40% do total de estabelecimentos dirigidos por mulheres possuem algum tipo de curso d’água (rios ou nascentes) ou infraestrutura de captação de água (poços ou cisternas). No Brasil 32% (188.137) possuem rios ou riachos protegidos por matas e 37% (220.042) possuem poços e/ou cisternas.
No sul esse percentual é de 59,1% (40.201) para presenças de rios ou riachos protegidos por matas nos estabelecimentos, no centro-oeste 56% (19.913) e no norte 53,4% (44.275). A região nordeste é a que possui o maior percentual de estabelecimentos femininos com poços ou cisternas, 64% (200.435), seguido da região sudeste, com 18% (15.754).
Leia também: Mulheres são maioria no campo, mas minoria em liderança
Em relação à agricultura ou pecuária orgânica, apenas 1,28% (64.690) do total de estabelecimentos realizam este tipo de atividade, sendo que em relação aos estabelecimentos dirigidos por mulheres ele chega a 1,41% (13.326) e por homens é de 1,24% (50.996). Na Agricultura Familiar, 1,27% do total de estabelecimentos registram esta atividade, sendo 1,24% (49.330) para os estabelecimentos dirigidos por homens e 1,37% (38.750) os dirigidos por mulheres (10.580).
Dos estabelecimentos dirigidos por mulheres que adotam produção orgânica, 63% (6.624) o fazem para produção vegetal; 20% (2.136) animal e 17% (1.820) para ambos. Em termos regionais, o maior percentual de estabelecimentos de mulheres com esta prática agrícola está na região nordeste com 31,7% (3357), seguida da região sudeste com 25,9% (2.744) e sul com 20,3% (2.153). As regiões norte e centro-oeste contam com 12,7% (1.345) e 9,3% (981) de estabelecimentos de mulheres agricultoras familiares com esta atividade agrícola respectivamente.

Propriedade da terra é direito recente de mulhres
O Censo Agropecuário registrou a produção orgânica apenas cadastrada Lei nº 10.831 de 23 de dezembro de 2003, ou seja, que agricultura é considerada orgânica mediante avaliação de instituição certificadora, salvo os casos de certificação facultativa, previstos na Lei nº 10.831, art. 3º, § 1º, que assegura aos agricultores e familiares previamente cadastrados junto a órgãos fiscalizadores dessa atividade, a condição de produtores agropecuários orgânicos.
Esse critério de inclusão excluiu vários processos de produção orgânica e agroecológica em curso na agricultura familiar. Muitos dos quais, com ênfase nos grupos coletivos de mulheres. Além disso, em relaçao à propriedade da terra, este é um direito recente. A regularização fundiária em nome da mulher foi permitida apenas na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 189. E foi somente em 2003 com a Portaria do Incra nº 981, que se tornou obrigatória a titularidade da terra em nome do casal, independentemente de haver contrato de união formal.