A capacidade comunicativa do audiovisual tem sido usada de forma sombria, justamente no momento em que uma informação correta poderia salvar milhares de vidas. Segundo levantamento apresentado pela Folha, na América Latina, 20% da desinformação sobre a Covid-19 circula através de vídeos.
E o Brasil é o campeão no consumo de vídeos com desinformações. De janeiro a julho deste ano, checadores de fatos de 11 países latinos desmentiram 272 conteúdos nesse formato. Desse total, plataformas brasileiras esclareceram informações sobre vídeos 110 vezes.
Os vídeos se espalham em redes sociais como Facebook, Twitter e Instagram, em plataformas específicas, como o YouTube e TikTok, e em aplicativos de mensagens, como WhatsApp.
Em comparação com a Europa, a proporção dos vídeos sobre o total de conteúdos verificados é maior na América Latina. Lá, os conteúdos audiovisuais usados para desinformar equivalem a 16% do total.
São muitas as possibilidades de criar, e tornar verdade, narrativas em vídeo com informação falsa. Filmagens ou gravações de arquivo, em formato integral ou por partes, são descolados do fato gerador e recriados, com desinformações sobre a pandemia.
Pasta de dente para curar Covid-19
Muitos desses conteúdos, inclusive, trazem depoimentos de supostos especialistas, que apresentam curas, prevenções e tratamentos fantasiosos para o novo coronavírus. Um dos exemplos mais curiosos ocorreu no Peru, onde foi recomendado o uso de pasta de dente como cura para a doença. Na Colômbia, água alcalina. Já na Argentina, a sugestão do “especialista” foi a inalação de vapor de água.
Caso do vídeo de Wuhan
Um dos primeiros vídeos falsos a circular no Brasil ocorreu ainda em janeiro. Na peça, as cenas são acompanhadas de legenda que diz informar que as imagens tinham sido feitas em um mercado de animais supostamente localizado em Wuhan, na China.
A cidade chinesa foi o lugar onde o vírus foi identificado pela primeira vez. Grupos conservadores negacionistas acusam a China de espalhar o vírus propositalmente para enfraquecer países adversários. Mais tarde foi descoberto que as imagens foram feitas em uma feira na Indonésia.
Protesto descontextualizado
Em outro caso, a gravação de uma manifestação de profissionais de saúde na Bélgica, usada fora desse contexto, rodou o mundo e em cada país ganhou uma legenda diferente.
No Brasil, as imagens foram atribuídas a um protesto contra o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB).
Na Argentina, o alvo era o presidente Alberto Fernández, e na Espanha, o ministro da Saúde, Salvador . Na Itália, o vídeo circulou como se os profissionais protestassem “contra a farsa da Covid-19” -o que não era verdadeiro.
A farsa dos hospitais vazios
Além de curas mirabolantes, disseminação do medo e boatos de disputas geopolíticas nacionais e globais, a prática de propagar desinformação afeta também o sistema público de saúde.
Vídeos de hospitais se tornaram uma constante em termos de desinformação sobre Covid-19.
Negacionistas de vários países filmaram áreas hospitalares vazias com o intuito de “provar” que não havia pacientes internados no local. No Brasil, a “moda” também pegou e foi incentivada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Pelo menos seis vídeos desse tipo circularam no país.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a hashtag #FilmYourHospital foi usada para incentivar essa prática, e há registro de gravações do tipo na França e na Dinamarca.
Cenário preocupante
O impacto desses conteúdos desinformativos sobre as ações dos governos para combater a Covid-19 preocupa.
Em abril desta ano, a revista BMJ Global Health, publicou estudo liderado por duas universidades de Ottawa, no Canadá. O levantamento mostrou que 27% dos vídeos em inglês mais assistidos no YouTube sobre o novo coronavírus apresentavam informações incorretas.
Outra pesquisa, realizada no Brasil por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (Laut), verificou que canais no YouTube nos quais falsas informações circulam são três vezes mais assistidos que os demais.
“A desinformação no campo da saúde pode provocar efeitos nefastos, interferindo diretamente com políticas de saúde pública”, diz o relatório da pesquisa.
O texto sugere que, no caso da Covid-19, o dano torna-se ainda maior, dado que ainda não temos medidas farmacológicas que sejam capazes de tratar a doença.
Com informações da Folha