
Pessoas negras e indígenas vivem o racismo antes mesmo de nascer. Dados preliminares de uma pesquisa do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), mostram que essas características trazem fortes indicativos de como será o pré-natal e o tipo de parto.
De acordo com Dandara de Oliveira Ramos, professora da UFBA desde 2019 e que conduz o estudo sobre gravidez e maternidade na adolescência, 64% das meninas brancas têm acesso adequado ao exame pré-natal.
Já entre meninas negras, o índice cai para 50% e, se for indígena, 30% para as indígenas.
“Além do pré-natal, os indicadores de violência obstétrica para a população negra e indígena são elevadíssimos”, afirmou Dandara à Folha de S.Paulo.
Dandara é psicóloga formada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (Uerj), mestre em psicologia social, doutora em saúde coletiva pela mesma instituição e pós-doutorado na Fiocruz Bahia, com período sanduíche na Universidade McMaster, no Canadá.
A pesquisadora observa que o acesso à saúde é muito desigual.
“As meninas indígenas e negras têm o pior acesso tanto à saúde reprodutiva quanto ao atendimento pré-natal, e o cenário é muito preocupante”, afirma.
Quando se analisa o total de nascimentos entre 2008 e 2019, é observada tendência de queda no número de bebês de meninas brancas e asiáticas, de 16%, em 2008, para 9%, em 2019.
Para as meninas negras a redução é de apenas 3% e, para as indígenas, não há redução alguma, pelo contrário, há um aumento.
“O percentual de meninas sem nenhuma consulta pré-natal entre as meninas negras e indígenas em relação às brancas é assustador: 64% das meninas brancas adolescentes têm acesso ao pré-natal; para as meninas pretas esse índice cai para 50% e, para as indígenas, 30%. Além disso, há uma indicação excessiva de cesárea sem necessidade, refletido também nas diferentes raças”, pontua Dandara.
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A pesquisadora explica que o estudo sobre gravidez na adolescência tem vários desdobramentos.
O primeiro é traçar os impactos das políticas públicas nesses indicadores, se houve aumento ou queda de mães adolescentes de 2008 a 2019.
“Além disso, avaliamos também a violência sexual sofrida por essas meninas, pois há uma relação direta de violência nessa faixa etária com a maternidade precoce”, afirma.
Racismo no parto
De acordo com Dandara, a cesárea no Brasil é tão presente, que a indicação é considerada muito elevada para toda a população. O que traz dificuldade em perceber os efeitos da desigualdade nesse procedimento.
“Mas, fora esse olhar mais macro, sem dúvida os indicadores de violência obstétrica para a população negra e indígena são elevados. Temos dados que mostram que, para a população negra, mesmo se a mulher já está com dilatação elevada, já perdeu o líquido, o bebê está em uma posição adequada, não é iniciado o processo para tentativa de parto normal, e os médicos preferem ir direto para o parto cesárea”, ressalta.
A pandemia, afirma a pesquisadora, escancarou ainda mais o problema.
“O caminho é longo, e muitas vezes parece termos voltado à estaca zero dado o desmonte violento do atual governo em relação às políticas de proteção da população negra. Esse momento tem sido de trabalho intenso de pesquisa e militância para não retroceder em relação aos indicadores de saúde da população negra”, finaliza.