A edição do jornal The New York Times deste sábado (25) denunciou o genocídio de indígenas e povos ribeirinhos da Amazônia pelo coronavírus enquanto a pandemia se alastra pelo Brasil. Em um especial interativo, repleto de imagens captadas pelo fotógrafo Tyler Hicks, o diário afirma que com o segundo maior número de mortes no mundo, o país vê a “Amazônia, doadora da vida”, propagar o vírus, varrendo a “região como pragas do passado, que viajaram pelo rio com colonizadores e corporações”.
“O rio Amazonas é a fonte de vida essencial da América do Sul, uma rodovia brilhante que atravessa o continente. É a artéria central de uma vasta rede de afluentes que sustenta cerca de 30 milhões de pessoas em oito países, transportando suprimentos, pessoas e indústria para as regiões florestais, muitas vezes intocadas pela estrada. Mas, mais uma vez, em um eco doloroso da história, também está trazendo doenças”, aponta um trecho.
Números da pandemia
“À medida que a pandemia atinge o Brasil, afetando mais de dois milhões de infecções e mais de 84 mil mortes – perdendo apenas para os Estados Unidos – o vírus está cobrando um preço excepcionalmente alto na região amazônica e nas pessoas que dependem de sua abundância há gerações”, diz adiante.
O NYT afirma que “a epidemia se espalhou tão rapidamente e completamente ao longo do rio que, em comunidades remotas de pesca e agricultura como Tefé, as pessoas têm a probabilidade de contrair o vírus como na cidade de Nova York, lar de um dos piores surtos do mundo. Nos últimos quatro meses, quando a epidemia viajou da maior cidade da Amazônia brasileira, Manaus, com seus arranha-céus e fábricas, até pequenas vilas aparentemente isoladas no fundo do interior, o frágil sistema de saúde se deteriorou sob o ataque” do vírus.
Novas covas
O periódico americano também chama a atenção para o crescimento do número de mortos desde o início da pandemia e o impacto sobre a região. “As cidades e vilas ao longo do rio têm algumas das maiores mortes per capita no país – muitas vezes a média nacional. Em Manaus, houve momentos em que todas as alas [dedicadas ao tratamento de pacientes com a] Covid estavam cheias e 100 pessoas morriam por dia, forçando a cidade a criar novos cemitérios na floresta densa. Os coveiros colocavam fileiras de caixões em longas trincheiras esculpidas na terra recém aberta”.
“No rio, as redes tornaram-se macas, levando os doentes de comunidades sem médicos para transportar ambulâncias que atravessam a água. Em áreas remotas da bacia do rio, aviões de médio porte pousam em pequenas pistas de pouso cortadas na paisagem exuberante, apenas para descobrir que seus pacientes morreram enquanto aguardavam ajuda”, prossegue o NYT.
“O vírus está cobrando um preço especialmente alto para os povos indígenas, como no passado. Desde 1500, ondas de exploradores viajam pelo rio, buscando ouro, terra e convertidos – e mais tarde borracha, um recurso que ajudou a alimentar a Revolução Industrial, mudando o mundo. Mas com eles, esses estrangeiros trouxeram violência e doenças como varíola e sarampo, matando milhões e destruindo comunidades inteiras”.
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“Este é um lugar que gerou tanta riqueza para os outros”, disse Charles C. Mann, jornalista que escreveu extensivamente sobre a história das Américas, “e olha o que está acontecendo com ele”.
Negligência
“Os povos indígenas têm aproximadamente seis vezes mais chances de serem infectados com o coronavírus do que os brancos, de acordo com o estudo brasileiro, e estão morrendo em aldeias distantes dos rios, intocadas pela eletricidade. Mesmo no melhor dos tempos, a Amazônia estava entre as partes mais negligenciadas do país, um lugar onde a mão amiga do governo pode se sentir distante, até inexistente”, relata a seguir.
Citando a postura do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o jornal também alerta para as consequências nefastas do descaso governamental. “Mas a capacidade da região de enfrentar o vírus foi ainda mais enfraquecida pelo presidente Jair Bolsonaro, cujas demonstrações públicas à epidemia às vezes se aproximam da zombaria, mesmo ele tendo testado positivo” para a doença .
“O vírus disparou diante da vigilância desorganizada e sem brilho de seu governo, rasgando o país. Já em seus primeiros dias no cargo, Bolsonaro deixou claro que proteger o bem-estar das comunidades indígenas não era sua prioridade, cortando financiamentos, diminuindo proteções e incentivando invasões ilegais em seu território”, aponta.