“Lula precisa perceber que a condição de sua liderança política e popular não é mais aquela com a qual terminou seu segundo mandato”, diz Aldo Fornazieri
O governo Lula 3 começou de forma errada. Um erro de embocadura política. Pensou-se como uma linha de continuidade com os dois primeiros mandatos. Parece não ter percebido que os tempos e os ventos mudaram, que os atores mudaram, que a economia mudou, que as expectativas das pessoas têm novas características, que as novas tecnologias produziram enormes impactos sobre as modalidades de trabalho, que as formas de fazer política e comunicação são outras e que o Brasil assumiu uma fisionomia muito mais conservadora.
Do ponto de vista político, o Brasil não ficou incólume às passagens de Temer e Bolsonaro no governo. As políticas desconstrutivas dos conteúdos sociais e de direitos foram devastadoras.
Neste sentido, Lula 3 deveria ter começado como um novo presidente e como um novo governo, não apenas em relação aos governos conservadores que o antecederam, mas também em relação aos governos petistas anteriores. Lula deveria ter assumido como um novo líder em um novo tempo. Afinal de contas, um novo líder (príncipe) deve se conduzir sempre como um novo governante e não como um governante antigo. Isto é, Lula 3 deveria se caracterizar desde seu início como um governo inovador, com projetos inovadores, metodologias inovadoras e formas de agir e de se comunicar inovadoras. A impressão que fica é a de que o governo entrou numa guerra contemporânea com peças de artilharia da Segunda Guerra Mundial.
Quando ocorrem mudanças de circunstâncias e de conjunturas, manter condutas arraigadas a um passado porque deu certo pode ser fatal a um governo. Em tempos mutantes, os governantes precisam repactuar recorrentemente seus projetos e suas formas de agir.
A vitória de Lula contra Bolsonaro parece ter sido vista pelo campo governista como uma vitória normal no contexto de uma democracia normal. Não foi. Ela deveria ter sido concebida como uma conquista militar e revolucionária de um novo território. O campo governista deveria ter percebido que a conquista do palácio central não significava o fim da guerra e que o inimigo continuava ocupando boa parte do território.
O episódio do 8 de janeiro, que pegou o governo desprevenido, foi uma prova cabal de que a guerra continuava. Mesmo com uma sucessão de erros e de fendas nos flancos oferecidas pelo comando inimigo, o campo governista não soube atacar de forma mais contundente. Não conseguiu enfraquecer o inimigo e permitiu que a cada revés ele se reorganizasse.
Em outras palavras: o campo governista não percebeu (ou não quis) a necessidade de impor uma derrota política ao inimigo. Fazia-se necessário adotar uma série de iniciativas de combate político para desarticular a linhagem política do bolsonarismo, desorganizando suas fileiras com deslocamentos e neutralização de parte de suas forças. Esta era uma tarefa fundamental dos partidos e dos parlamentares do campo governista, não propriamente do presidente.
O presidente, como chefe da nação, deveria seguir aquela máxima de que “o príncipe guerreiro e infiel deve proclamar incessantemente a paz e a fé”. Mas a guerra nunca pode deixar de ser feita, porque ela é inerente às disputas políticas.
No Congresso, com bravas exceções de parlamentares do PSOL e de alguns poucos petistas, a conduta dos representantes é vergonhosa. Abriram mão de promover o embate político e ideológico contra o bolsonarismo e as teses de extrema direita. Boa parte dos parlamentares do campo governista aprovou o Projeto de Lei do fim das visitas de presos em regime semiaberto às famílias – o famoso projeto das saidinhas relatado pelo deputado Guilherme Derrite (PL-SP). Em vários outros temas de alta combustão ideológica, as esquerdas não estão oferecendo combate nem no parlamento e nem nas redes.
Governar e liderar significa imprimir direção e sentido aos acontecimentos e aos liderados. Se as lideranças abrem mão dos embates, a militância, os combatentes, ficam sem rumo e sem comando, as forças se desorganizam na apatia e na imobilidade. E como a política também é uma guerra por ocupação de espaços e territórios, o inimigo termina se reorganizando e avançando no espaço disponível.
As esquerdas não perceberam que nas novas condições, bons resultados na economia e bons programas sociais são insuficientes para produzir engajamentos e apoios políticos. Os embates ideológicos e de valores são necessários para convencer e persuadir as pessoas. Há uma guerra política pelas subjetividades, por reencantamentos, e quem foge dela perde batalhas e terreno.
O governo se comunica mal. Se comunica de forma analógica, com mensagens ineficientes, em meio à guerra digital. As mensagens não produzem engajamento e mobilização. Dessa forma, o comando governista assume aquela condição de um grupo de generais sem exército e a militância se vê como um exército sem generais.
O próprio presidente Lula parece cometer um erro ao dar uma grande ênfase à política externa e a viagens ao exterior. É certo que o Brasil precisava ser reposicionado internacionalmente depois da devastação bolsonarista. Mas Lula deveria dar mais atenção à política interna, assumindo com intensidade o comando político de seu governo, viajando mais internamente.
Lula precisa perceber que a condição de sua liderança política e popular não é mais aquela com a qual terminou seu segundo mandato. Se aquela condição é quase que impossível de ser alcançada, a condição atual precisa e pode ser melhorada. Se as condições do governo no Congresso são difíceis, Lula precisa estar junto ao povo, protegendo e fortalecendo os fracos e enfraquecendo os fortes. Deve fortalecer-se junto ao povo, alargando o espaço de sua liderança, visando contrabalançar a força da direita e neutralizar aqueles supostos aliados que vivem encostando a faca no seu pescoço.
Lula deve assumir aquela condição de general de campo, liderar politicamente seu governo, cobrar seu estado-maior e não vacilar em demitir e trocar ministros que não funcionam e não produzem resultados satisfatórios. O que está em jogo não é apenas o destino do governo, mas o destino do país que corre riscos com uma possível retomada da direita ou da extrema direita. Os setores do centrão que estão no governo negociam atacando, usando ardis e chantagens. O campo governista negocia cedendo, calando, abrindo mão de embates.
A reinvenção do governo é urgente. O governo precisa apresentar-se com uma fisionomia ativa, enérgica e inovadora. O governo precisa de comando político capaz de dar direção e sentido ao país. Não se trata de meras mudanças pontuais. Trata-se de uma reinvenção capaz de mostrar um novo governo.
Por 247