Sem dúvida, um dos ingredientes do sucesso do PT não veio do pensamento dos seus intelectuais nem do verdadeiro ardor de sua militância. Veio, sim, do pragmatismo sindical que ao invés de levar em conta as implicações sociais mais estratégicas, os ganhos para o conjunto da sociedade, os avanços efetivos de cada ação política, o sindicato vê apenas o que pode apresentar como ganho à “categoria”, como vantagem conquistada na mesa de negociação.
E nessa linha pouco importa quais concessões estratégicas sejam feitas. Dou um exemplo simples, pequeno, mas revelador, vivido por mim: conseguimos introduzir na Constituição de 1988 a jornada de 6 horas para empresas que trabalhavam em turnos ininterruptos. Os operários trabalhariam menos, ganhando mais horas de vida e lazer. Porém, o mais importante era que as empresas abririam novas turmas para mais um turno de trabalho, gerando novos empregos. Só no Polo Petroquímico da Bahia, que à época tinha cerca de 20.000 trabalhadores, criar-se-iam mais 5.000 novos empregos. E era esse o significado mais social e estratégico da novidade constitucional.
A aprovação dessa Emenda deu-se em meio a uma grande batalha parlamentar em que as empresas, inclusive do Polo Petroquímico, diziam que fechariam as portas caso fosse aprovada a jornada de 6 horas. O que era mentira deslavada, pois as petroquímicas da época tinham grandes taxas de lucro, algo em 15 a 18%. Altíssimo para a indústria.
O que fez o Sindicato? Negociou com os empresários uma jornada de 7 horas. Uma hora a menos que a situação anterior e uma hora a mais do que fora conquistado na Constituição. Proporcionou aos operários que já estavam no Pólo a diminuição de uma hora de trabalho e ganhos salariais. Mas as empresas evitaram a criação de quatro mil novos empregos.
Para completar o exemplo: nas eleições de 1990 o autor da emenda que, foi buscar pareceres internacionais, negociava e fazia alianças para transformar a jornada de 6 horas no parágrafo XIV do artigo 7º da Constituição, não se reelegeu deputado. Já o presidente do sindicato, com uma campanha bem maior, foi eleito. Nada de errado, mas muito revelador da forma de pensar e agir do sindicalismo. Abre mão da transformação estratégica, em troca do resultado imediato.
Essa lógica de negociação sindical, ajustou-se muito bem à prática do toma-la-dá-cá da política tradicional e dos setores empresariais mais ligados ao aparelho de Estado. Se o governo precisava fazer maiorias parlamentares, providenciava-se recursos financeiros para ampliar a bancada governista nas eleições, e comprava-se o resto com favores, empregos, mesadas, cargos em direção de empresas.
Devo registrar, contudo, que à época fiz apenas pequenas reclamações, tímidos protestos. Mas não tive força e disposição, para denunciar a manobra. Talvez com receio que alguém pudesse imaginar que eu estava tentando capitalizar eleitoralmente a emenda, que embora assinada e capitaneada por mim teve a participação de muitos parlamentares, inclusive do PT.
Tudo certo? Tudo igual? Sim e não. Porque mesmo sabendo-se que o PT e a esquerda (PSB, PCdoB, PDT) não chegaram ao governo para fazer uma revolução socialista, a maioria das pessoas contava com mudanças mais profundas, econômicas, sociais e culturais. Principalmente, na forma de fazer a política.
15 de maio de 2017
Domingos Leonelli
Presidente do Instituto Pensar
Ex-Deputado Federal