Uma das mais importantes e renomadas revistas científicas do mundo, a Nature, publicou nesta quarta-feira, 7 de agosto, editorial sobre a importância de cientistas superarem a política e reafirmarem seu valor à sociedade. A publicação faz referência direta aos desmandos de Jair Bolsonaro contra o INPE.
A publicação britânica avalia que estudiosos de todo o mundo estão sentindo o impacto dos interesses políticos e recomenda que a categoria se inspire nos cientistas dos anos 50 que despertaram o alarme sobre as armas nucleares.
O texto cita que Michael Gove, atual ministro da administração do primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, certa vez desdenhou das advertências de acadêmicos e outros profissionais sobre os riscos do Brexit. Na ocasião, em 2016, ele afirmou que o país já teria especialistas suficientes. Pouco depois o Reino Unido votou pela saída da União Europeia.
Agora, constata a revista, três anos depois, as relações entre acadêmicos e políticos em várias democracias seguem piorando. O editorial alerta que pesquisadores de todo o mundo precisam mudar a percepção de que não são confiáveis ou que os cientistas estão de alguma forma separados da população em geral e informa que, de fato, pesquisas sugerem essa confiança nos cientistas nos Estados Unidos está aumentando.
A Nature alerta que a essa necessidade é urgente e cita um episódio brasileiro. No final da semana passada, reporta, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, demitiu o chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) após um impasse sobre os últimos relatórios da agência, que dizem que o desmatamento na Amazônia acelerou durante sua presidência.
Nos Estados Unidos, um órgão de fiscalização federal (Government Accountability Office) concluiu no mês passado que a Agência de Proteção Ambiental violou as regras de ética quando substituiu cientistas acadêmicos por representantes da indústria como membros de painéis consultivos científicos. Na Hungria, também em julho, o governo assumiu o controle formal de cerca de 40 institutos pertencentes à Academia Húngara de Ciências. Na Índia, no início deste ano, mais de 100 economistas escreveram uma carta aberta ao primeiro-ministro Narendra Modi pedindo o fim da influência política sobre as estatísticas oficiais. E na Turquia, o governo do presidente Recep Tayyip Erdogan acusou 700 pesquisadores, que assinaram uma petição pedindo paz, com delitos relacionados ao terrorismo. Centenas foram demitidos e um número menor foi preso.
A publicação avalia que para algumas dessas comunidades acadêmicas, saber o que fazer é um novo desafio. Uma razão é que, ao longo de várias décadas, muitos governos acolheram os cientistas como consultores – inclusive ouvindo suas preocupações sobre a proteção do financiamento da pesquisa durante a austeridade que se seguiu à crise financeira de 2008. Mas agora essa atitude está mudando e os pesquisadores precisam de outras maneiras de fazer ouvir suas vozes.
Acadêmicos encontraram a deles na década de 1950, quando a tecnologia nuclear estava em risco de proliferar sem salvaguardas por causa da corrida armamentista da guerra fria entre os Estados Unidos e a então União Soviética. Albert Einstein e o filósofo Bertrand Russell criaram um manifesto sobre os perigos das armas de destruição em massa. Isso levou à primeira Conferência Pugwash sobre Ciência e Assuntos Mundiais, uma reunião de pesquisadores de vários países e ideologias políticas para discutir os perigos das armas nucleares.
Mais reuniões – formais e informais – se seguiram, no que ficou conhecido como o movimento Pugwash, que deu voz global aos pesquisadores que trabalhavam ou apoiavam a não-proliferação e serviu como um canal de comunicação entre as superpotências. Pugwash acabou por contribuir para os acordos internacionais de não proliferação nuclear, culminando, em 1995, com o Prêmio Nobel da Paz.
Os pesquisadores da atualidade sentem as pressões políticas e enfrentam desafios diferentes e mais variados. Isso significa que qualquer tentativa de usar uma abordagem ao estilo Pugwash para lidar com as pressões atuais deve ser fortalecida pela recente compreensão da importância da inclusão – com um papel significativo para o engajamento público – e um lugar à mesa para pesquisadores de diversas origens disciplinas, não apenas ciência e engenharia.
Mas também há semelhanças importantes com Pugwash, incluindo a necessidade de enfatizar novamente o valor da bolsa de estudos na solução dos problemas da sociedade e de um canal de comunicação entre os governos e suas comunidades de pesquisa.
Tal como aconteceu com Pugwash, crucial para qualquer esforço para dar aos cientistas uma voz maior será a capacidade dos pesquisadores internacionais de se destacar dos argumentos políticos, e afirmar que o apoio à erudição não é uma questão de esquerda versus direita, mas da sobrevivência e prosperidade da própria humanidade.
Fonte: Nature