Para Françoise Vergès, as feministas brancas só podem fazer seus discursos porque outras mulheres fazem a faxina
Com a chegada ao Brasil do livro “Um Feminismo Decolonial”, Françoise Vergès, cientista política, historiadora, ativista e especialista em estudos pós-coloniais confronta o feminismo branco europeu, tido como civilizatório, considerando-o insuficiente para responder às questões postas por mulheres racializadas. E a francesa nascida em uma família de militantes comunistas vietnamitas é contundente ao afirmar que o feminismo ocidental nunca questionou os privilégios das mulheres brancas.
Em entrevista à Folha ela fala que esse feminismo que se coloca como universal e acredita salvar mulheres racializadas do obscurantismo contrasta com a pautas do movimentos feministas antirracistas, anticapitalistas e anti-imperialistas.
E, corroborando a tese de apagamentos elaborada pelo feminismo negro brasileiro, Verges decreta a falência do feminismo fundado em bases européias.
“O feminismo europeu, branco, burguês, civilizatório perdeu sua hegemonia. Ele conseguiu, nos anos 1960 e 70, impor sua narrativa e a ideia de que existia apenas um feminismo, o seu. O que é uma mentira.
Perguntada pelo jornal sobre o MeToo, movimento contra o assédio e agressão sexuais iniciado a partir de denúncias de atrizes estadunidenses, em 2017 , ela disse que “Se o MeToo quer combater violências, deve reconhecer a dimensão estrutural, as ligações entre essa brutalidade e os regimes de dominação econômica, cultural e social.
Decolonial
O termo decolonial, cunhado em sua obra, faz referência ao esforço de tornar pensamentos e ações livres do legado das diversas colonizações, diferenciando-se, e na tradução ao português se refere aos processos históricos de desligamento das metrópoles e ex-colônias.
“Ao ler a história do feminismo, acredita-se que só as mulheres europeias entenderam a libertação das mulheres. As feministas europeias fazem de sua história a universal, sendo que é local. O feminismo não pertence às mulheres brancas. Mas o feminismo ocidental nunca se questionou sobre os privilégios que são dados às brancas, que repousam sobre o racismo. Ele quer fazer crer que estava protegido como que por milagre das ideologias e das práticas racistas que se perpetuam por séculos em favor de seus países”, acusa ela que foi presidente do Comitê Nacional pela Memória e História da Escravidão na França.
Vergés que cresceu em uma ilha francesa do oceano Índico, próximo à África, estudou nos Estados Unidos e deu aulas na Inglaterra, ainda fala à Folha sobre as mudanças no feminismo e os efeitos da pandemia sobre as mulheres.