O Brasil deve continuar a ter um elevado número de mortes por covid-19 nos meses de julho e agosto, e um cenário um pouco mais tranquilo só deve começar a ocorrer em setembro, afirmou o médico Drauzio Varella, durante live promovida ontem pelo Valor.
Embora um elevado número de mortes fosse esperado por causa da grande população vulnerável no país, a falta de uma política pública de enfrentamento da pandemia agravou o quadro, disse.
“O vírus continuará se disseminando e não temos uma epidemia única no Brasil, temos várias. Em alguns lugares, as mortes vão diminuir, em outros, não. O conjunto disso tudo é que vamos ter muitas mortes ainda em julho e agosto. Tenho esperança de que, a partir de setembro, as coisas comecem a ficar menos graves”, afirmou Drauzio, ressaltando que essa é sua opinião pessoal, que pode estar equivocada.
Mortes por dia
A média diária de mortes por covid-19 – acima de mil – é muito alta, afirmou o médico e escritor. Ele lembrou que, no início da pandemia, quando a comunidade médica dizia que o país poderia chegar a 100 mil mortos, foi chamada de catastrofista. Agora, quatro meses depois, chega-se a quase 70 mil.
O grande contingente de pessoas morando em habitações precárias, com dificuldade de fazer isolamento, pode ter sido determinante para esse cenário, mas a falta de gestão também ajudou. Instado a fazer uma avaliação da ação do Ministério da Saúde durante a pandemia, disse que “é a pior”.
“O ministério tem se limitado a entregar equipamentos de proteção, faz um delivery de demandas. Ninguém sabe qual é orientação do ministério, falta conhecimento técnico, gente que saiba quais são as medidas adequadas, que saiba avaliar os dados”, afirmou.
O médico destacou o papel do Sistema Único de Saúde (SUS) no combate à pandemia. “Não conseguimos imaginar o que seria da população não fosse o SUS. Sua importância está claramente demonstrada”.
A reação do sistema público de saúde só não é melhor porque seu gestor, o Ministério da Saúde, tem sido usado como moeda de troca há décadas, disse ele. “Nos últimos dez anos, tivemos 13 ministros. A média de permanência é de dez meses. O que se faz num tempo desse?”
Flexibilização
Sobre o relaxamento das medidas de isolamento social, Drauzio diz que é uma decisão complexa. Visto que de um lado governos estaduais e municipais estão permitindo a reabertura do comércio e dos serviços quando os números de casos de covid-19 ainda estão aumentando, de outro há uma população que quer sair à rua para garantir o sustento.
“Como se mantém uma população como a brasileira em casa? Quem vive na periferia não tem espaço e condições de ficar em casa, precisa trabalhar, não tem reserva nenhuma, passa fome. Então, há uma dificuldade e uma pressão muito grande para acabar com o isolamento. E os políticos são sensíveis a isso. Sempre vai haver crítica sobre se a abertura foi feita cedo ou não.”
Promessa da vacina
Quanto a uma eventual vacina contra a covid-19, Varella diz ser possível que se tenha um imunizante antes do fim do ano, mas que ele não estará disponível para todos. Contudo, duas vacinas, que vão ser testadas no Brasil pelo Butantan (junto com o laboratório Sinovac, da China) e pela Fiocruz (junto com a Universidade de Oxford), estão em estado adiantado, afirma ele.
O médico diz ter perdido a esperança na descoberta de um medicamento para o tratamento da covid, ao menos no curto prazo. “Perdi um pouco dessa esperança porque vários foram testados e nenhum demonstrou atividade plena.” Drauzio criticou a politização da cloroquina feita pelos presidentes brasileiro, Jair Bolsonaro, e norte-americano, Donald Trump. “Foram os primeiros presidentes a politizar um medicamento”, afirmou, acrescentando que a cloroquina é inútil para o combate à doença. “Ainda não existe um medicamento dotado de atividade contra o coronavírus.”
Se buscar soluções para enfrentar os efeitos físicos da covid-19 tem sido um desafio, as consequências da pandemia na saúde mental também preocupam a comunidade médica. Pois, ao obrigar as pessoas a se isolar durante muito tempo e gerar um nível sem precedentes de incertezas sobre o futuro, a pandemia deixará a depressão e a ansiedade como sequelas, afirma Varella.
Com informações do Valor Econômico.