
Participantes do 17º Seminário LGBTQIA+ do Congresso Nacional comemoraram a eleição de mais representantes dessa população no último pleito municipal e cobraram resposta para o assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, que completou mil dias nessa terça-feira (8). Marielle era bissexual e negra.
Com o tema “Vidas LGBTQIA+ em conexão: (r) existências e convergências“, o seminário teve início nesta terça, por videoconferência, com a presença de vereadores LGBTQIA+ eleitos, além de deputados e entidades representativas. Segundo o Coletivo #VoteLGBT, foram eleitas no último pleito mais de 90 pessoas LGBT+. Dessas, conforme a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 30 são pessoas trans.
A sigla que dá nome ao seminário se refere ao movimento em defesa do direito à diversidade de orientações sexuais e de identidades de gênero. As letras representam lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, transexuais, e travestis, queer, intersexo, assexuais e outros grupos.
O deputado David Miranda (Psol-RJ), que é assumidamente gay, destacou a importância de se colocar mais pessoas LGBTQIA+ no poder e afirmou que atualmente as pautas do grupo “não vão para frente” no Congresso Nacional.
“Precisamos forçar que esse Congresso passe leis que protejam os empregos, a integridade física, a integridade psicológica dos nossos LGBTQIA+ no Brasil. Precisamos que nossos aliados estejam na linha de frente para nos proteger. Precisamos que muitos e muitas entendam que os nossos corpos caem às pauladas, são queimados todos os dias neste País”, disse. Ele lembrou que o Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo.
Seminário lembra Marielle Franco
Miranda foi um dos que chamaram a atenção para os mil dias do assassinato de Marielle. Representantes de diversas entidades, como Andrey Lemos, da União Nacional LGBT, e Janaína Oliveira, da Rede Nacional de Negras e Negros LGBT, também cobraram resposta para o crime.
Para a deputada Talíria Petrone (Psol-RJ), Marielle foi morta porque seu corpo não cabia nos espaços de poder. Segundo ela, o Congresso Nacional também é um “não lugar” para muitos corpos: “É um não lugar para mulheres pretas, como eu, para quem é sapatão, bissexual, transexual, gay, para quem é pobre”, citou. “Mas existem corpos resistindo”, completou.
Para a deputada Maria do Rosário (PT-RS), o assassinato de Marielle “simboliza a síntese da violência racista, LGBTfóbica, misógina e da violência contra a participação políticas daqueles que ousam desafiar poderes da estrutura patriarcal”.
Ela pediu apoio para propostas de sua autoria: o PL 7582/14, que pune os crimes de ódio e intolerância; o PL 3774/19, que fixa regras para o registro dos crimes motivados pelo preconceito, e o PL 5423/20, apresentado nesta terça-feira, que garante o registro de dupla maternidade ou paternidade aos casais homoafetivos que tiverem filhos.
Seminário, ameaças e resistência
A deputada Áurea Carolina (Psol-MG) alertou que a violência política se acentua neste momento, com várias parlamentares sofrendo tentativa de intimidação e ameaças. Vereadora trans eleita em Niterói, no Rio de Janeiro, Benny Briolly disse que é uma das parlamentares recebendo ameaças e que isso evidencia como, na herança de Marielle Franco, elas estão construindo um projeto revolucionário, contrário ao “Estado escravocrata, misógino, patriarcal e LGBTfóbico”.
“Hoje completa mil dias sem a Mari, um dia que traz para a gente muita dor, mas ao mesmo tempo traz para a gente muita força para dar continuidade a um projeto de sociedade que vínhamos construindo juntas e continuaremos construindo todas, todos e todes juntos”, destacou.
Para a deputada Erika Kokay (PT-DF), é tempo de resistência no parlamento. Segundo ela, foi essa resistência que impediu a aprovação de propostas contrárias à pauta LGBTQIA+, como o Estatuto da Família, o projeto de lei da Escola sem Partido e permissão para a chamada “cura gay”.
Eleição e assassinato de pessoas trans
Bruna Benevides, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, disse que a recente eleição de pessoas trans para as câmaras de vereadores é fruto de luta de mais de 40 anos:
“Ao contrário do que as pessoas pensam, não foi um fenômeno. É fruto de muita luta, é fruto da história das travestis que se organizaram em 1992, analfabetas, a maioria delas nordestina, negras e prostitutas, que se organizaram e pariram este movimento, que nós estamos vendo hoje dando esses frutos.”
O deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP) citou alguns dados mostrando a violência contra a população LGBTQIA+. “No ano passado, foram 297 pessoas assassinadas e 32 vítimas de suicídio. Nos primeiros oito meses deste ano, segundo a Antra, 129 pessoas trans já foram assassinadas. Uma pessoa trans foi assassinada a cada três dias”, apontou.
Eleita vereadora em São Paulo, Carolina Iara, que é intersexo e portadora de HIV, ressaltou que o adoecimento mata ainda mais a população LGBTQIA+ do que os assassinatos. Intersexo é uma pessoa que naturalmente, ou seja, sem qualquer intervenção médica, desenvolve características sexuais que são parte das definições típicas tanto de sexo masculino e como de sexo feminino.
Pandemia
De acordo com o deputado Helder Salomão (PT-ES), que presidiu a Comissão de Direitos Humanos no ano passado, o isolamento social e o confinamento decorrente do novo coronavírus levaram muitas pessoas LGBTQIA+ a enfrentar mais maus-tratos, violência física e psicológica, já que tiveram de passar mais tempo com familiares que muitas vezes não as aceitam, agravando problemas mentais.
Júlio Cesar Barbosa, do Coletivo LGBT Sem Terra, concorda que a pandemia aprofundou as crises já vivenciadas e afirmou que é preciso primeiro garantir a sobrevivência da população LGBTQIA+ neste momento.
Organizado pelas lideranças do Psol, PT, PCdoB, PSB e da Minoria, com apoio de movimentos da sociedade civil, o seminário prossegue na tarde de hoje e na quarta-feira (9).
Com informações da Agência Câmara de Notícias