Alvo de denúncia na Procuradoria Militar por ter participado de manifestação política ao lado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o general Eduardo Pazuello já esteve no centro de outra investigação por conta de sua conduta. O ex-ministro da Saúde obrigou um soldado negro de 19 anos a substituir um cavalo e puxar uma carroça quando comandava o Depósito Central de Munições do Exército, em Pacarambi (RJ), em 2005.
A denúncia é do jornal O Estado de S. Paulo deste domingo (30). Segundo o jornal, Pazuello considerou que dois soldados estavam conduzindo uma carroça em alta velocidade e, assim, maltratando o animal. O então tenete-coronel mandou parar o veículo, desatrelar o animal, e determinou que um deles, Carlos Vítor de Souza Chagas, um jovem negro e evangélico de 19 anos, substituísse o cavalo. O soldado teve de puxar a carroça com o outro soldado em cima, enquanto o quartel assistia à cena, às gargalhadas, narrou o repórter Marcelo Godoy.
O ex-soldado disse ao repórter que fora escolhido por um tenente para ajudar um colega a carregar uma banheira na carroça. “Ele não tinha como pegar sozinho”, afirmou. Foi quando Pazuello apareceu. “Eu não estava pilotando o cavalo, estava na carroça. Quem estava era o outro garoto.” Mas foi ele o escolhido para o castigo.
Chagas afirmou que acredita ter sido vítima de racismo. “Pelo meu tio eu botava para frente (na Justiça), mas eu dei mais ouvido ao meu pai, que é evangélico, por medo de represália. Isso aí agora está nas mãos de Deus, Ele é o Senhor de todas as coisas.”
Caso envolvendo Pazuello foi arquivado
O Estado de S. Paulo conta que o ex-ministro ganhou fama de duro entre os subordinados quando estava na 1ª Região Militar. No Depósito de Munições, onde foi acusado de humilhar o recruta, viu-se às voltas com uma investigação sobre o desvio de munição excedente do local para ser vendida como sucata.
O agora ex-ministro respondeu, na época, a um inquérito policial militar (IPM) para apurar sua conduta em relação ao jovem recruta. Chagas estava acompanhado na carroça pelo também soldado Celso Tiago da Silva Gonçalves.
No inquérito, Celso disse que estava com o ombro machucado e por isso “não poderia cumprir a ordem de puxar a carroça”. “Foi prontamente atendido pelo tenente-coronel”, conforme registrou a procuradora-geral militar Maria Ester Henrique Tavares, que decidiu arquivar o caso.
Na ocasião, a defesa de Pazuello informou que ele tratava os subordinados com “seriedade e dignidade” e usou depoimentos de outros militares para atestar que ele não quisera impor maus-tratos ao recruta.
“Há aspectos pessoais da vida de Pazuello que demonstram sua familiaridade e, sobretudo, amor aos equinos”, assinalava trecho da defesa. Segundo os defensores do então tenente-coronel, relata o Estadão, Pazuello não quis humilhar o soldado, mas somente orientá-lo “para a preservação da boa saúde dos cavalos de tração utilizados na OM (organização militar)”.
Possibilidade de candidatura
As alegadas humilhações ao soldado não impediram Pazuello de seguir sua carreira. Após o depósito, ele comandou o 20.º Batalhão Logístico da Brigada Paraquedista. E seria mandado à Amazônia para coordenar a Operação Acolhida dos imigrantes venezuelanos. No governo de Bolsonaro viraria ministro da Saúde. A exposição pública poderia lhe garantir a candidatura a um governo estadual ou ao Senado.
É que ninguém mais se lembrava do argumento usado pelo tenente-coronel para se livrar do IPM da carroça. Além de dizer que ele tratava os subordinados com “seriedade e dignidade”, a defesa usou depoimentos de outros militares para atestar que Pazuello não quisera impor maus-tratos ao recruta.
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Tudo se resolveu assim. Pazuello não quis humilhar o soldado; só orientá-lo “para a preservação da boa saúde dos cavalos de tração utilizados na organização militar”. Quinze anos depois, promovido a general de divisão, Pazuello se viu de novo diante dos limites da disciplina. O afeto e a obediência a Bolsonaro – “É simples assim: um manda e o outro obedece, mas a gente tem um carinho” – o transformaram em alvo da CPI da Pandemia.
Pazuello esteve em evento político um mês antes
Pelas regras militares, integrantes que estão na ativa não podem participar de ato político ou partidário, como o protagonizado por Bolsonaro no dia 23 de maio, em meio a milhares de motociclistas no Rio.
Depois de ter pedido desculpas aos membros da CPI da Pandemia por ter ido a um shopping em Manaus sem máscara, Pazuello voltou a circular sem o adereço, em meio à aglomeração, no palanque do presidente. O gesto foi visto como uma provocação por integrantes do colegiado, que decidiram reconvocá-lo.
Um mês antes de comparecer ao comício de Bolsonaro no Aterro do Flamengo, no Rio, o general participou de evento político do governo, em Manaus, que foi encerrado pelo presidente com seu slogan da campanha eleitoral de 2018: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
Tratava-se da inauguração do Centro de Convenções do Amazonas, que se transformou em ato de desagravo a Pazuello e à política do governo na pandemia nas vésperas da abertura da CPI da Pandemia. O ministro do Turismo, Gilson Machado, abriu a cerimônia. Saudou os colegas ministros presentes, como general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), deputados federais e os comandantes militares.
O ex-ministro da Saúde havia voltado ao Exército e estava à disposição do Comando Militar da Amazônia – naquele dia seria transferido para a Diretoria-Geral de Pessoal, em Brasília. Já havia, portanto, sido revertido à ativa e, como militar da ativa, não poderia participar de atos político-partidários. Trajando roupas civis, Pazuello foi abraçado por Bolsonaro, que acenava ao público como uma celebridade. O evento durou pouco mais de 50 minutos.
‘Não foi a primeira vez’
Para o ex-presidente do Superior Tribunal Militar (STM), tenente-brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla, a presença de Pazuello no Aterro do Flamengo não foi a única vez que o militar comparecera a evento político. “Essa não foi a primeira vez.”
O vice-presidente Hamilton Mourão defendeu publicamente que Pazuello sofra algum tipo de sanção. Bolsonaro teve conversa com o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, e tenta livrar o ex-auxiliar de qualquer punição. Entre as sanções possíveis, está a passagem dele para a reserva.
O caso está nas mãos do Comando de Exército, que decidirá se pune o general por infringir o Regulamento Disciplinar do Exército. O comportamento de Pazuello, como sua presença no evento em Manaus, será levado em consideração.
Com informações do O Estado de S.Paulo e Congresso em Foco