
O Senado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que abre brecha para que o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) fure o teto de gastos e turbine programas sociais a pouco mais de três meses das eleições. A aprovação ocorreu nessa quinta-feira (30) e agora a PEC segue para a Câmara dos Deputados.
Se aprovada pelos deputados, seu impacto nos cofres públicos pode chegar a R$ 41,2 bilhões.
Apelidada de “PEC Kamikaze”, ela propõe o reconhecimento do estado de emergência, o que, em tese, daria respaldo legal para o governo criar benefícios em ano eleitoral. A Lei Eleitoral proíbe essa prática como uma medida para evitar a competição desigual entre os candidatos. Por outro lado, a legislação também prevê que em situações de emergência, a criação de benefícios ou aumento de gastos seriam permitidos.
Na justificativa apresentada pelo relator da PEC, senador Fernando Bezerra (MDB-PE), a situação de emergência seria justificada pelo aumento no preço dos combustíveis e da inflação.
O governo defende a medida afirmando que ela é importante para diminuir o impacto da alta da inflação sobre as pessoas mais vulneráveis. A PEC prevê criar benefícios para caminhoneiros autônomos de R$ 1 mil por mês até dezembro deste ano (o “voucher caminhoneiro”), um auxílio para taxistas, aumenta de R$ 400 para R$ 600 o Auxílio-Brasil (zerando a fila para o benefício), dobra o valor do Auxílio Gás, compensa Estados pela gratuidade do transporte público de idosos, dá subsídios para a produção do etanol por meio de créditos tributários, entre outras medidas.
A proposta, no entanto, é discutida no momento em que Bolsonaro aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto mais recentes, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Além disso, segundo pesquisa do Instituto Datafolha divulgada em março deste ano, 68% dos entrevistados atribuem a ele a responsabilidade pela subida dos preços dos combustíveis.
A professora do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Laura Karpuska, em sua coluna no Estadão, afirma que Bolsonaro pode vir a acelerar o derretimento institucional para tentar, a qualquer custo, ganhar as eleições e que a pauta do Senado desta semana serviu como exemplo prático disso, mostrando que o governo Bolsonaro não está sozinho nesta empreitada.
“Desde que assumiu a Presidência, Jair Bolsonaro trabalha para minar a confiança nas instituições brasileiras. Seu foco nunca foi fazer reformas econômicas de natureza liberal, nem mesmo defender uma pauta conservadora nos costumes. Bolsonaro governa pelo caos, usando-o como estratégia de manutenção do poder e de apropriação do Estado por pequenos grupos de interesse”, disse a colunista.
Laura Karpuska, que é PhD em Economia, ainda destaca que “a PEC passou a ser um pacote de benesses do governo, um populismo eleitoral descarado. O projeto prevê aumento e expansão do Auxílio Brasil, bolsa-caminhoneiro, vale-gás, subsídio a transporte coletivo e compensação para o setor de etanol. Tudo isso a um custo de quase R$ 40 bilhões este ano. Parte desses gastos pode não vir a ser temporários. Isto é, particularmente, arriscado porque não houve discussão técnica que embasasse essas decisões orçamentárias. Há, portanto, aumento do risco fiscal de médio e longo prazos.”
Em uma matéria da BBC News Brasil, economistas apontam um segundo risco que é o aumento da desconfiança do mercado em relação à política fiscal do país. Eles argumentam que, nos últimos meses, essa confiança já vinha sendo erodida por conta de uma outra PEC, a dos precatórios, aprovada no ano passado e que abriu um espaço extra no orçamento do governo que pode chegar a R$ 104 bilhões. Em grande medida, a PEC possibilitou o pagamento em caráter emergencial do Auxílio-Brasil de R$ 400.
Pressão inflacionária e nos juros
A pressão sobre a inflação e os juros, dizem os economistas, é consequência direta da desconfiança do mercado na capacidade de o governo ajustar suas contas. Para 2022, a meta de inflação do país estava prevista em 3,5% com tolerância de 1,5 ponto percentual.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a inflação acumulada em 2022 até maio segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) já é de 4,78% e, nos últimos 12 meses está em 11,73%. Segundo o Banco Central (BC), a estimativa é que a inflação acumulada de 2022 chegue a 8,8%.
A taxa básica de juros estipulada pelo Banco Central, a Selic, está em tendência de alta. Em janeiro de 2019, ela era de 6,5% ao ano. Agora, ela está em 13,25%.
Dificuldade fiscal a partir de 2023
Especialistas alertam, também, que PEC deverá impor dificuldades fiscais para quem quer que assuma o governo federal a partir de 2023. Além do custo político de manter esses gastos impostos pela PEC, há um prejuízo prático nas contas públicas. De acordo com a reportagem da BBC News Brasil, para o economista André Marques, o raciocínio, segundo ele, é simples: se gastos sem lastro estão sendo feitos agora, vai faltar dinheiro no futuro.
“Quem quer que vença as eleições terá menos recursos para tocar as políticas públicas necessárias. Essa escassez de recursos pode afetar todas as áreas, mas especialmente as mais sensíveis como educação, saúde e assistência social”, avaliou.
Com informações da BBC News Brasil e Estadão