Gabriel Gomes percebeu seu prédio entre os escombros pelas redes sociais, após 3 horas de temporal. Morador do Morro da Oficina, bairro Alto da Serra, em Petrópolis, até agora não conseguiu buscar seus pertences. “Na hora eu fiquei muito desesperado pois não sabia ainda se a casa estava de pé e estava com muito medo que um amigo ainda estivesse lá”, conta o morador, de 25 anos. Na tarde de terça-feira (15), a forte chuva atingiu todas as casas no entorno, menos a sua.
Ele é um dos poucos não atingidos pela barreira localizada na esquina com a rua Frei Leão – agora conhecida pela cobertura dos telejornais. Na hora do ocorrido, estava no trabalho, na clínica Pedro II, ao lado da rua Santos Dumont, que também foi destruída pela enxurrada. “De repente o rio que fica em frente [ao trabalho] começou a transbordar e levar todos os carros que estavam na rua. As pessoas começaram a se desesperar e foi um caos total”, Gabriel relata ter saído às 1h40, num cenário de terror. Lama, carros virados e muitos destroços por toda parte. A área permanece isolada, com buscas realizadas por moradores, bombeiros e defesa civil. “Infelizmente perdi muitos vizinhos e alguns ainda estão desaparecidos. Uma amiga que trabalhava comigo também está desaparecida”, diz Gabriel
O previsto para o mês de fevereiro era 238mm, mas em 6 horas, cerca de 259 mm de chuva caiu em forma de temporal, alagando a cidade histórica na maior tragédia climática de todos os tempos. Até o fim da matéria, 152 vítimas fatais foram confirmadas.
Após a tempestade, Petrópolis virou terra sem lei. Pessoas saqueavam lojas com pedaços de pau e armas de fogo.
A baixa da água revelou um cenário triste. Corpos de vítimas, presos entre escombros. Carros, ônibus e até caminhões foram revirados pela força da água. No lugar do asfalto, crateras surgiram impedindo o acesso de bombeiros, policiais e ambulâncias. O trânsito foi impedido no entorno do Centro, bairro Alto da Serra e Valparaíso.
Alessandra Assis só chegou em casa às 02h. Funcionária das Casas Bahia e moradora do bairro dr. Thouzet, próximo ao Quitandinha, teve de desviar de arrastão, enfrentar engarrafamento e trilha de moto.
“Na hora que eu coloquei o pé na calçada do shopping Dom Pedro II, veio uma multidão correndo na nossa direção, gritando e chorando”, conta Alessandra. Quando a água baixou, por volta de 20h, lojas estavam abertas, algumas sem funcionários. Logo surgiram vídeos indicando arrastão por todo o Centro da cidade, ainda sem energia e embaixo de muita lama.
Alessandra saiu com uma cliente, que havia oferecido carona até em casa. Dois passos depois da Casas Bahia, localizada no fim da rua do Imperador, entre sirenes e alarmes, ouviu gritos. “Eu falei ‘corre que é arrastão’. A gente se escondeu num estacionamento que tem do lado da loja, pra se abrigar e esperar todo mundo passar”. A funcionária conta que algumas pessoas batiam no portão do shopping, desesperados para entrar e se abrigar da correria. Na multidão ela reconheceu uma colega, “o patrão dela estava com a bolsa dela na mão, ela chorando, e os dois correndo. Uma loucura!”.
De carro, Alessandra chegou até a praça da Liberdade, em um ritmo de ‘pare e siga’ interrompido quase sempre por ambulâncias e caminhões do Corpo de Bombeiros. A partir deste ponto, foi a pé até encontrar o marido, de moto. “Tivemos que passar por dentro da casa de uma pessoa, no Valparaíso, porque a rua da [fábrica] Batata James estava soterrada por barreira. (…) Cheguei toda suja de lama”, conta.
Busca por desaparecidos
Após a queda das barreiras, a busca incessante por sobreviventes iniciou imediatamente, envolvendo moradores, parentes e pouco depois cerca de 500 bombeiros – com equipamentos e veículos dos municípios de Duque de Caxias, Guapimirim, Magé e São João de Meriti.
No morro da Oficina, cerca de 54 casas sumiram. Na Vila Felipe, próxima à antiga estrada da Serra, uma vila veio abaixo tomando outras residências. A Rua Teresa, famosa por reunir um polo de modas a céu aberto, teve cerca de 8 casas soterradas.
Além do Alto da Serra, os bairros Quissamã, Quitandinha, Valparaíso e Centro também registraram quedas de barreiras e danos causados pela tempestade.
Dois ônibus foram levados pela enxurrada e as imagens chocaram quem assistiu. Em menos de 1 minuto, o veículo foi engolido pelas águas enquanto os passageiros tentavam sair.
Segundo o Ministério Público, 24 pessoas foram resgatadas com vida e 165 pessoas ainda estão desaparecidas.
Ruas são evacuadas
Gisele Lopes é enfermeira e moradora da 24 de maio, no momento do temporal estava trabalhando na Vigilância Epidemiológica, no bairro Morin, ao lado do Alto da Serra. “Não tinha noção de como estava a rua da minha casa, só sabia que lá tinha sido bastante afetada”, conta. Ela só chegou no outro dia, conseguiu passar a noite na casa de uma amiga, no Centro, mas sua calma foi logo interrompida com o aviso de evacuação da rua.
“Fiquei sabendo pelas redes sociais, sobre o alerta da Defesa Civil e fui ajudar meus pais a sair de casa”, conta.
A rua 24 de maio foi uma das comunidades inteiramente evacuadas, cerca de 200 famílias deixaram suas casas, apenas com documentos e uma muda de roupas. Segundo moradores, representantes da Defesa Civil entraram em contato pedindo a saída imediata dos imóveis. A notícia correu em grupos e viralizou nas redes sociais. No topo da montanha, estão três pedras. Após as chuvas do dia 15, veias de lama foram abertas no entorno das rochas, despertando um novo pesadelo.
Gisele e seus pais foram para a Escola Municipal Maria Campos da Silva, na rua Buenos Aires, um abrigo temporário. Como eles, mais de 500 famílias estão desabrigadas devido às fortes chuvas e a iminência de quedas de barreiras e pedras.
“O sentimento é de angústia, tristeza e medo, mas com fé e esperança que tudo isso vai passar logo e todos ficaremos bem”, diz a enfermeira.
O temporal destruiu casas e impediu o acesso à comunidade, o que dificultou a descida. Motoqueiros voluntários e defesa civil ajudaram no transporte de moradores.
Omissão do poder público
Claudio Castro (PL), governador do Estado em exercício, chegou em Petrópolis ainda no dia 15, às 22h. Em encontro com Rubens Bomtempo (PSB), prefeito da cidade, criou um comitê de emergência, para operar as medidas imediatas de apoio, como mão de obra e equipamentos de outros municípios – além da liberação de recursos emergenciais.
Já no dia seguinte, durante coletiva, o governo foi questionado sobre a ausência de investimentos em prevenção. “Há uma dívida histórica desde outras tragédias que tiveram. E outra foi também o caráter excepcional, duro dessa tragédia. Foi a maior chuva desde 1932. Unir uma tragédia histórica com um déficit que realmente existe causou esse estrago todo”, respondeu o governador.
Segundo o gabinete do deputado Eliomar Coelho (PSOL), em 2021 o governo do Estado deixou de investir 60% do que deveria ser aplicado em 15 ações para evitar tragédias climáticas. Dos 402,85 milhões de reais estimados, apenas 167,28 milhões de reais foram aplicados.
A atuação tímida do governador Cláudio Castro também foi alvo de críticas. Ele só aceitou a ajuda oferecida por governos vizinhos no terceiro dia de buscas. Em destempero, o governador pediu a expulsão de comentarista da CBN, após ser acusado de estar fazendo “teatro” na cidade. Outra farpa foi trocada com o deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ) no Twitter, por ter protocolado projeto de lei que destina o laudêmio – taxa paga aos herdeiros do imperador Pedro II – para a reconstrução de Petrópolis.
As quedas de barreiras e enchentes acontecem com periodicidade na região serrana, mas pouco foi feito para impedir novas tragédias. Em 2011, a CPI da Serra, presidida pelo deputado Luiz Paulo (Cidadania), indicou 43 recomendações para evitar novas tragédias climáticas. Entre elas: desapropriar casas em zona de risco, institucionalização da Defesa Civil e criação de residências para desabrigados.
Em entrevista à Fórum, Yuri Moura (PSOL), vereador de Petrópolis, reconhece o fortalecimento da Defesa Civil – com criação de Núcleos em locais de risco e treinamento de moradores. Mas aponta a falta de dedicação do poder executivo municipal e estadual em investir em prevenção. “A gente não tem cancela automática, na rua Coronel Veiga, para prever que cenas como a do ônibus se repitam”, informa.
No dia 15, o vereador se dirigiu à Escola Municipal Vereador José Fernandes, no Alto da Serra, para ajudar na evacuação de crianças e professores. Uma barreira atingiu a estrutura do prédio causando pelo menos uma vítima fatal, um aluno. Nas redes, vídeos circulavam com estudantes sujos de lama, recebidos no Posto de Saúde do Alto da Serra, vizinho à unidade escolar.
Desde a tempestade, o vereador tem dedicado sua rotina a conectar grupos de apoio a quem precisa de socorro. Além disso protocolou uma Comissão Especial para acompanhar a aplicação dos recursos de socorro às vítimas da tragédia.
Bolsonaro oferece ajuda discreta
Diferente das tragédias no sul da Bahia, na sexta-feira, 18, o presidente Jair Bolsonaro (PL) esteve em Petrópolis, recém-chegado de sua viagem ao leste Europeu. Ao lado do governador Cláudio Castro e ministros, anunciou um pacote de ajuda de R$ 500 milhões, encaminhado para a prefeitura da cidade. Na coletiva falou pouco, chamava os ministros que anunciavam recursos liberados para aliviar os transtornos.
“Estamos fazendo uma série de planos junto com a prefeitura [de Petrópolis] de recursos subsequentes de retomada e da reconstrução. Foi feita medida provisória de mais de R$ 550 milhões. E haverá uma nova medida provisória, provavelmente até segunda-feira, de quase R$ 500 milhões. São mais de R$ 1 bilhão à disposição de Petrópolis e também dos demais estados estados da federação que estão com problema por causa de catástrofe climática”, disse o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho.
O presidente da Caixa Econômica falou mais uma vez sobre a liberação do saque FGTS para as cidades afetadas pela chuva.
Ações de solidariedade
Para auxiliar na busca, a página @desaparecidosempetropolis foi criada por um grupo de voluntários no Instagram, centralizando imagens e telefones de contato de pessoas desaparecidas ou encontradas. Em 24 horas mais de 10 mil pessoas passaram a seguir e compartilhar as publicações do perfil.
O grupo de 12 pessoas teve iniciativa no dia seguinte à tempestade. Lorran Kasensky, arquiteto e morador da cidade, informou o encontro de 32 famílias por meio da iniciativa até o dia 18. Para ajudar, é possível enviar para a página foto, nome e telefone de contato. “É muito importante conferir com a família se a pessoa realmente está desaparecida, pois tem muita desinformação circulando nas redes” conclui.
O cadastro oficial de desaparecidos é feito pela Polícia Civil e o Ministério Público, nos contatos:
Telefone: (21) 2262-1049
E-mail: [email protected]
O Centro de Direitos e Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), a iniciativa SOS Petrópolis – criada para apoiar famílias durante o período da COVID-19 – os quatro principais times do Rio, Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo, estão recolhendo valores e materiais para doar para as vítimas.
A Rede Globo criou o praquemdoar.com reunindo iniciativas solidárias no portal.