Ignorando a Lei da Ficha Limpa, velhos personagens da política nacional, conhecidos por estarem envolvidos em escândalos de corrupção, entre outros crimes, estão decididos a concorrer nas eleições deste ano, embora tenham pendências na Justiça capazes de torná-los inelegíveis. Na lista de pretensos candidatos nessa condição estão o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, que tem o plano de disputar o Palácio do Planalto; o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), que mira o Senado; o ex-deputado Eduardo Cunha (PTB-RJ), postulante à Câmara; e os ex-governadores José Roberto Arruda (DF), declarado pré-candidato a deputado, Wilson Witzel (RJ), que sonha voltar ao posto, e Anthony Garotinho (RJ), na briga por uma vaga de deputado.
Condenados por diferentes acusações, esses políticos têm em comum o fato de que seus processos já foram julgados por órgãos colegiados, o que lhes impõe punições previstas pela Ficha Limpa, ou foram cassados por seus pares, o que também redunda em inelegibilidade. Contudo, eles recorreram contra suas sentenças e, em alguns casos, conseguiram decisões provisórias que lhes permitiram voltar ao páreo.
Entendendo a Lei da Ficha Limpa
Em 2010, a Lei da Ficha Limpa alterou os requisitos para que uma pessoa possa se candidatar a um cargo público. Desde então, políticos condenados por vários crimes, na Justiça Eleitoral e na Justiça Comum, ficam impedidos por oito anos de disputar eleições, após decisão transitada em julgado (quando não cabe mais recurso) ou após decisão de tribunal colegiado.
A regra vale para crimes como os contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público ou privado, o sistema financeiro, o meio ambiente e a saúde pública. Tráfico de drogas, abuso de autoridade e lavagem de dinheiro também compõem o rol dos crimes enquadrados na lei.
Também fica inelegível quem teve o mandato cassado ou renunciou para evitar perder o cargo público, ou governantes que tiveram as contas públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa.
Até profissionais excluídos do exercício da profissão por decisão de um órgão profissional competente em decorrência de infração ético-profissional são impedidos de se candidatar pela lei, que ainda abrange vários outros casos.
De acordo com o jurista Márlon Reis, fundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) – que liderou a criação da Lei da Ficha Limpa – , a regra promoveu “uma mudança absolutamente substancial em todo regime de inexigibilidade”.
Segundo ele, o Supremo Tribunal Federal (STF) blinda a lei juridicamente, que é reconhecida e protegida também pela sociedade. “O Congresso só não alterou porque o impacto negativo será muito forte. [A lei] Virou um branding, é uma marca, reconhecida internacionalmente. E é difícil alterar em algo assim”, diz Reis.
Quem define que o candidato é ficha suja?
A Justiça Eleitoral é a responsável por concluir que determinado pré-candidato está inelegível. Isso ocorre no registro da candidatura, quando o órgão competente irá verificar se o solicitante está apto a disputar o pleito. No caso das disputas estaduais, o responsável é o Tribunal Regional Eleitoral de cada estado. Já na esfera nacional, é o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
É possível recorrer da decisão?
Caso o pré-candidato conteste a decisão do Tribunal, é possível recorrer à esfera seguinte. Por exemplo, caso um pré-candidato a governador seja barrado em seu estado, ele pode recorrer ao TSE. Caso o tema envolva matéria constitucional – quando tem algum fundamento na Constituição – é ainda possível recorrer ao STF, explica o especialista em Direito Eleitoral Alberto Rollo.
O candidato pode disputar a eleição sub judice?
É possível que um candidato concorra ao pleito sub judice (durante o julgamento). Ele pode, inclusive, assumir o cargo em caso de vitória. No entanto, ele perde o cargo caso a condenação seja confirmada.
A regra diz que, quando o registro da candidatura é indeferido, os votos são anulados. No caso de ele ter vencido uma eleição para o Executivo, são convocadas novas eleições.
Se o registro do candidato for indeferido entre o primeiro e o segundo turno, mesmo se ele não tiver votação para continuar na disputa, os votos são anulados. Como isso altera a quantidade de votos válidos, pode decidir se haverá segundo turno ou não entre outros concorrentes.
Se conquistou um cargo no Legislativo, os votos são anulados e não são considerados no cálculo do quociente partidário ou na distribuição das vagas, sendo necessária uma nova totalização dos votos.
É possível concorrer estando preso, como pretende o ex-deputado Roberto Jefferson?
Alberto Rollo explica que é possível sim ser candidato mesmo estando preso. Isso porque a Lei da Ficha Limpa não está condicionada à prisão e sim à condenação.
“A prisão em si não afeta a elegibilidade ou inelegibilidade, mas vai afetar a possibilidade de fazer campanha. O problema que pode afetar a inelegibilidade é a condenação. Se ele for condenado criminalmente, ele está inelegível, isso é o que diz a lei”, explica Rollo.
Roberto Jefferson (PTB) foi preso de forma preventiva em agosto de 2021, em operação da Polícia Federal (PF) autorizada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. O ex-deputado foi lançado candidato à Presidência no dia 1º de agosto.
Ele é investigado por suposta organização criminosa em inquérito que investiga ataques às instituições e descrédito do processo eleitoral. A prisão preventiva foi revertida para prisão domiciliar em janeiro deste ano.
Além disso, em 2012, Jefferson foi condenado a 7 anos e 14 dias de prisão no processo do mensalão. Quatro anos depois, ele recebeu um indulto do ministro do STF Luis Roberto Barroso, que declarou a pena extinta. A Lei da Ficha Limpa estabelece, porém, que os condenados por decisão colegiada ficam inelegíveis por oito anos, a contar da data em que terminam de cumprir a pena. Nesse cenário, ao menos em tese, o presidente do PTB não poderia se aventurar nas urnas até 2024.
Outro personagem que corre o risco de ficar de fora das eleições é o pré-candidato a deputado José Roberto Arruda, pivô de um escândalo de corrupção em que foi filmado com maços de dinheiro quando era governador do Distrito Federal, em 2009. Anteontem, o ministro Gurgel de Faria, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), restabeleceu duas condenações por improbidade administrativa impostas a ele, o que o torna inelegível. A situação de Arruda, entretanto, pode passar por uma reviravolta a partir de hoje. O STF vai julgar se mudanças na Lei de Improbidade Administrativa, aprovadas pelo Congresso em 2021, valem para casos que ocorreram antes das alterações. Caso a Corte entenda que a nova legislação alcança processos anteriores, Arruda e outros políticos podem ser beneficiados e concorrer.
MP recorre
Embora se encontre numa situação diferente de Arruda, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha também pode ser barrado das urnas. O Ministério Público Federal (MPF) recorreu contra a decisão do desembargador Carlos Augusto Brandão que autorizou o ex-deputado, cassado em 2016, a disputar as eleições deste ano. Na decisão que devolveu os direitos políticos a Cunha, que almeja retornar à Casa numa vaga por São Paulo, o magistrado sustentou que o processo de cassação do então parlamentar “não teria respeitado os princípios constitucionais”. Caso a Justiça acolha os argumentos do MPF, Cunha torna-se inelegível.
No Rio, nomes que se lançaram ao governo, Senado e à Câmara estão ameaçados. Daniel Silveira, pré-candidato ao Senado, foi condenado em abril pelo STF a 8 anos e 9 meses de prisão por ataques antidemocráticos. Ele já declarou que pretende registrar a candidatura amparado no indulto concedido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), que extinguiu a pena.
Há cerca de três meses, o procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, avaliou em manifestação ao STF que o decreto de Bolsonaro não derruba a inelegibilidade. Já Silveira argumenta que uma súmula do TSE permite sua candidatura.
O ex-governador do Rio Wilson Witzel, que sofreu impeachment no ano passado, pretende voltar à cadeira da qual foi deposto. No caso dele, no entanto, o Tribunal Especial Misto que determinou seu afastamento também decidiu pela suspensão de seus direitos políticos por cinco anos. Ignorando a decisão, Witzel tem feito atividades de campanha.
Outro ex-governador do Rio, Anthony Garotinho (União), lançado como candidato a deputado federal, também tem pendências judiciais. Além de aguardar uma decisão favorável do STF no julgamento sobre a nova lei de improbidade, o que pode levar à prescrição de uma de suas penas, Garotinho atua em outra frente, na Segunda Turma da Corte, na tentativa de reverter uma condenação por compra de votos que o torna inelegível. No último mês, o ministro Ricardo Lewandowski negou um pedido feito pela defesa de Garotinho para que ele fosse beneficiado por uma decisão que suspendeu a pena de outro condenado no mesmo caso.
Com informações do O Globo e CNN Brasil