Uma das marcas de Pernambuco é a superlatividade. Na terra de Joaquim Nabuco, por todo lado tem algo que é o maior em linha reta do Brasil, da América Latina, do mundo. Quem nunca ouviu falar da cosmologia pernambucana para a origem do Oceano Atlântico, formado pelas águas do Beberibe e do Capibaribe? Ou na fundação de Nova York por judeus saídos do Recife? Ou no Porto Digital, um dos principais parques tecnológicos e ambientes de inovação do Brasil?
O parque tecnológico é um ambiente de negócios estruturado a partir de articulação de políticas de longo prazo para promover dinâmicas produtivas de conhecimento e inovação. O Porto Digital representa e sintetiza a nova economia do Estado de Pernambuco, governado pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) desde 2007. Criado durante o governo Jarbas Vasconcelos (MDB), à frente do Palácio do Campo das Princesas entre 1999 e 2003, e consolidado pelos socialistas Eduardo Campos (2007 a 2014) e Paulo Câmara (a partir de 2015).
Instalado na área central do Recife, sua atuação se dá nos eixos de produção de software e serviços de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), Economia Criativa, além do foco no futuro das cidades por meio de prototipação com base em fabricação digital e internet das coisas (IoT). Há ainda uma forte pegada cultural que assegura a identidade brasileira e nordestina.
O pesquisador e consultor do Porto Digital em gestão de ecossistemas de inovação, Emanoel Querette, conversou com o site Socialismo Criativo sobre as possibilidade para replicar o modelo pernambucano de inovação para outras localidade brasileiras. Doutor em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestre em Public Politics for Science, Technology and Innovation pela Universidade de Sussex, na Inglaterra, ele comenta que à época em que foi criado o Porto Digital houve uma confluência positiva de interesses do governo e da iniciativa privada.
Ele recorda que crise e falta de perspectivas marcaram a economia pernambucana na década de 1990. “O declínio econômico afetou em cheio empresas de tecnologia de informação e deflagrou um processo intenso de fuga de cérebros. O enfrentamento desse problema requeria novas políticas públicas combinadas entre estado e município”, relembra.
Durante o Seminário Internacional Economia Criativa Como Estratégia de Desenvolvimento, ocorrido dias 22 e 22 de março, em Brasília (DF), realizado pelo PSB em parceria com a Fundação João Mangabeira (FJM), o ex-presidente do Porto Digital, Francisco Saboya, participou do painel “Sociedade, Indústria e Projeto de Desenvolvimento” e compartilhou a experiência pernambucana.
“A gente precisa entender melhor o futuro. A gente tem a mania recorrente de enfiar o passado no presente. Ou a gente supera esse estágio e começa a se entender melhor com o futuro, percebendo que o futuro emite sinais e que a gente tem que aprender a decodificá-los para entrar em sintonia e construí-lo. O futuro não é uma caixa que está fechada para a gente descobrir, não é uma caixa de adivinhação, é uma construção.”
Francisco Saboya
No livro “Socioeconomia pernambucana: mudanças e desafios”, organizado por Tânia Bacelar de Araújo e Tarcísio Patrício de Araújo e publicado pela Cepe Editora, Querette assina com o economista Francisco Saboya, presidente do Porto Digital em 2007, o capítulo “Porto Digital: Uma plataforma para a nova economia em Pernambuco”.
Nesse ensaio, Querette e Saboya traçam a linha do tempo que culminou com consolidação do Porto Digital como uma marca importante para o desenvolvimento socioeconômico de Pernambuco.
“Porto Digital nasceu como um parque tecnológico urbano e central, sendo um dos conectores locais da vasta rede de conexões globais possíveis entre a cidade do Recife e outros espaços econômicos, sendo esta condição em parte atribuída à escolha do lugar. O bairro do Recife Antigo ー berço histórico da cidade ー tem contribuído para que o Porto Digital atraia novas gerações de empreendedores e trabalhadores do conhecimento.”
Francisco Saboya e Emanoel Querette
Reconhecido por sua territorialidade singular entre os ambientes de inovação, o Porto Digital é um parque urbano instalado no centro histórico do Bairro do Recife, mas já conta com áreas de expansão para os bairros de Santo Antônio, São José e Santo Amaro ー o que totaliza uma área total de 171 hectares na capital pernambucana. A região, antes degradada e de pouca influência na economia local, vem sendo requalificada de forma acelerada em termos urbanísticos, imobiliários e de recuperação do patrimônio histórico edificado. Desde a fundação do parque tecnológico, em 2000, já foram restaurados mais de 84 mil metros quadrados de imóveis históricos.
O Porto Digital é fruto e referência nacional de uma ação coordenada entre governo, academia e empresas, conhecido como modelo “Triple Helix”. Essa iniciativa propiciou o ambiente necessário para fazer com que o Porto Digital se transformasse em um dos principais ambientes de inovação do País e fosse eleito, por três vezes, o melhor parque tecnológico do Brasil nos anos de 2007, 2011 e 2015 pela Associação Nacional de Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec).
Na sua fundação, o parque tecnológico era formado por apenas três empresas e 46 pessoas. Atualmente, o Porto Digital abriga mais de 300 empresas, organizações de fomento e órgãos de Governo, com nove mil profissionais e 800 empreendedores. Esses empreendimentos geram um faturamento anual de mais de R$ 1,7 bilhão. Empresas de vários portes compõem o ecossistema do Porto Digital: de startups a multinacionais, como a Accenture, que transformou o Bairro do Recife em uma de suas áreas de atuação estratégica.
Em fevereiro de 2017, o Porto Digital inaugurou um novo prédio: o Apolo 235, um sobrado com 1.500 metros quadrados que reúne, em um único ambiente, as iniciativas de empreendedorismo, Economia Criativa e fabricação digital. Com uma abordagem de estímulo às conexões entre empreendimentos inovadores, o espaço agregador foi pensado para gerar impacto no ecossistema local. O equipamento foi construído com recursos do Governo de Pernambuco e do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O Porto Digital administra dezenas de projetos voltados à melhoria da competitividade do setor de Tecnologia da Informação e Comunicação, Economia Criativa, além de promover ações de sustentabilidade e melhoria do bem-estar nas cidades e mobilidade urbana.
“Suas atividades estão fortemente presentes no universo lúdico, social e profissional de estratos jovens da população, cujo imaginário é cada vez mais capturado pela trajetória sedutora de crescimento, visibilidade e relevância das maiores companhias globais ー na sua maioria do segmento de informática e da economia criativa, e não de atividades econômicas tradicionais.”
Francisco Saboya e Emanoel Querette
REC’n’Play ー Com workshops, palestras, exibições, hackathons, shows, torneios de e-sports e rodadas de negócios, o REC’n’Play é o maior festival do conhecimento do Nordeste e pretende chegar a 20 mil participantes em 2019. A iniciativa ocupa prédios e ruas do Bairro do Recife durante quatro dias e funciona com três pilares: educação, negócios e entretenimento. Em sua exploração de tendências tecnológicas e criativas, o REC’n’Play é ponto focal de quem se interessa por internet das coisas, robótica, fabricação digital, games, audiovisual, fotografia, design, música, sustentabilidade e clima no âmbito das cidades inteligentes. Além disso, deixar legado é um dos principais propósitos do festival, que busca reunir diferentes perspectivas, ideias e opiniões sobre os desafios vividos pelas pessoas diariamente.
Programa MINAs ー O programa Mulheres em Inovação, Negócios e Artes (MINAs) tem como objetivo fortalecer a presença de mulheres nas áreas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e Economia Criativa, com foco em Pernambuco, especialmente nas cidades do Recife e Caruaru. As MINAs tem como princípios a desmistificação da ideia de que tecnologia não é “lugar de mulher”; além de transformar o ambiente educacional e profissional de tecnologia em uma realidade com maior presença feminina, mais acolhedor às mulheres e com igualdade de oportunidades. As MINAs do Porto Digital ainda tem como base a construção coletiva e feminina das ações – um programa para mulheres e por mulheres – e a inserção da perspectiva da equidade de gênero de forma transversal aos demais programas promovidos pelo Porto Digital.
Portomídia ー Um dos principais projetos do Porto Digital é seu braço de Economia Criativa, o Portomídia, que conta com laboratório de finalização, de edição de imagem, animação e ilustração, pré-mixagem e de correção de cor e mixagem. Além da incubadora própria, o Portomídia abriga diversos programas de qualificação, exibição e desenvolvimento nas áreas de design, cine-vídeo-animação, games, mídias digitais, fotografia e música. Entre os equipamentos de última geração disponíveis nos laboratórios estão projetor de cinema 4K e sistema de som surround JBL, voltados para a pós-produção de filmes com estrutura de cinema de verdade. Além disso, o Portomídia conta com o único Baselight – utilizado para o tratamento cinematográfico na correção de cor – no Nordeste.
Armazém da Criatividade (Caruaru) ー Seguindo conceitos do Portomídia, o Armazém da Criatividade é uma unidade avançada do Porto Digital no município de Caruaru, no Agreste pernambucano. O ambiente, inaugurado em setembro de 2015, conta com estrutura, incubadoras e crédito próprios para desenvolver empresas em diversas áreas temáticas, realçando as vocações ligadas à cadeia produtiva do setor têxtil, uma das principais marcas da região.Com amplo espaço, o Armazém conta com showroom, salas de reunião e treinamento, espaço coworking, laboratórios de prototipagem (impressão, corte e costura), laboratório de criação (mesa audaces, impressoras 3D, ilhas de edição, mesas digitalizadoras), laboratório de fotografia, de música e de edição de imagem e plotter de impressão.
Novos Negócios ー Desenvolver um ambiente favorável à criação de novos negócios inovadores é um dos principais objetivos do Porto Digital. Para isso, o parque conta com três incubadoras de empresas: a C.A.I.S. do Porto, voltada para Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), e a incubadora do Portomídia, direcionada para empreendimentos em Economia Criativa, além da incubadora de negócios do Armazém da Criatividade, em Caruaru. Nos três programas de incubação, as startups passam por um período de formação de um ano.
Jump ー O parque tecnológico conta ainda com a Jump, aceleradora de empreendimentos voltada para startups de alto potencial de crescimento. As empresas aceleradas na Jump também contam com diversas mentorias e aporte financeiro da instituição durante o ciclo de seis meses da aceleração.
Além de incubar e acelerar novos negócios, o Porto Digital investe na formação empreendedora por meio do Mind the Bizz, que estimula empresas nascentes a formatarem um mínimo produto viável para seus negócios em um processo mais curto, de 10 semanas. O Mind the Bizz é desenvolvido em parceria com o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (CESAR) e o Sebrae Pernambuco.
A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) é outra parceira na formação de jovens empreendedores. O Pitch – Conexões Empreendedoras é o primeiro espaço físico do Porto Digital na UFPE e consolida uma parceria de 15 anos, uma vez que a academia é um dos atores estratégicos na formatação de projetos e ações desenvolvidas pelo parque tecnológico, desde a sua fundação.
L.O.U.Co ー Além de lançar-se em um processo de interiorização, as novas cidades inteligentes e o futuro dos ambientes urbanos fazem parte da preocupação presente no Porto Digital, por meio do Laboratório de Objetos Urbanos Conectados, o LOUCo, um ambiente para experimentação, desenvolvimento e prototipagem em fabricação digital e internet das coisas (IoT). O LOUCo é equipado com impressoras e scanner 3D, cortadora laser, fresa de precisão e uma biblioteca de softwares e sensores que permitem a estudantes, startups e empresas desenvolverem, desde a ideação até o protótipo final, soluções para o bem-estar das grandes cidades.