Um novo estudo acaba de demonstrar que a classificação dos usuários por seus interesses feita pelo Facebook podem se afunilar um nível tão profundo ao ponto de determinado anúncio ser direcionado para apenas um usuário.
Estudo de um grupo de acadêmicos espanhóis comprovou pela primeira vez como é simples e barato reduzir ao mínimo a audiência potencial. Assim, uma ferramenta de publicidade pode virar um pesadelo para a privacidade, de acordo com reportagem do El País.
Não é a primeira vez que um estudo demonstra como atividades que parecem corriqueiras, como localização ou compras com cartão, são fontes de informações preciosas para a plataforma que é capaz de identificar individualmente alguém.
Os interesses no Facebook também permitem isso: com apenas 4 interesses raros ou 22 gerais é possível mandar um anúncio a um único entre os mais de dois bilhões de usuários do Facebook no mundo.
Os interesses raros, por exemplo, incluem ser torcedor de determinado time pequeno, morador de um bairro específico ou fã de um grupo musical pouco conhecido. Já os interesses genéricos abrangem, por sua vez, torcer para algum grande time, gostar de café e de comida italiana.
O que o estudo do grupo espanhol traz de novo é a facilidade com que se pode mandar um anúncio específico.
“Não me surpreendeu muito o número de interesses necessários para identificar um usuário”, disse ao El País David García, professor da Universidade Tecnológica de Graz, na Áustria.
“O que me surpreendeu muito é que pudéssemos fazer uma campanha para um só indivíduo. Eu esperava que o Facebook tivesse um monte de controles, mas a verdade é que foi muito fácil”, acrescenta.
Preocupação com usuários
Especialistas em privacidade têm lido os resultados desse estudo com preocupação. Também não acreditavam que fosse possível alcançar grupos tão pequenos de usuários.
“É um dos 10 artigos científicos sobre privacidade mais importantes da década até agora”, diz Lukasz Olejnik, pesquisador e consultor independente para questões de privacidade.
O Facebook permitia a microssegmentação ao definir muito bem as audiências. Este experimento prova que também permite a nanossegmentação, reduzindo o foco do anúncio ao mínimo.
“Minha surpresa se deve a que não acreditava que este tipo de segmentação já fosse possível: eu achava que a audiência mínima seria maior que um, e que estivesse limitada”, acrescenta Olejnik.
Perigos dos dados em poder do Facebook
No artigo, cita-se o caso de um senhor que mandou mensagens à sua mulher uma década atrás, mas essa via também poderia servir para abordagens indesejadas ou para estabelecer comunicação quando outros canais estiverem bloqueados.
Ángel Cuevas, pesquisador da Universidade Carlos III de Madri e também coautor do artigo, cita o seguinte exemplo.
“Se eu tenho um cliente que talvez pense em mudar de fornecedor, atualmente posso através do Facebook lhe mandar uma série de mensagens prejudicando a concorrência. São coisas mais cirúrgicas, que não necessariamente têm a ver com invasão de privacidade. Pode servir para se fazer chantagem com um anúncio do Facebook em lugar de phishing, e dizer: ‘Gravei você vendo pornô e você mora em tal lugar’. Ver isso no Facebook seria chocante”, acrescenta.
A política é outro dos candidatos óbvios, segundo Olejnik.
“Poderia ir desde publicidade política à desinformação e hackeamento, de algo inocente a guerras cibernéticas”, acrescenta.
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O problema possível são as ideias que podem ocorrer a pessoas que se dedicam a tais assuntos. “Uma coisa é certa. Quem souber superar o tamanho mínimo de audiências terá um conhecimento realmente valioso. Dará consultoria por muito dinheiro”, diz Olejnik.
Os autores por enquanto estão céticos, mas já fizeram conferências para grandes empresas dos EUA e departamentos de inteligência artificial.
O fantasma em microescala de algo semelhante ao escândalo da Cambridge Analytica também paira.
“Desde aquele escândalo onde aparentemente se empregou o uso de perfis psicológicos para manipular, acreditemos ou não, há um setor do mundo da privacidade e do marketing que diz que é assim, que existe a capacidade de chegar a alguém porque é mais simples manipular um indivíduo só. Há estudos que afirmam que a probabilidade de que um usuário clique em um anúncio quando a campanha é muito perfilada para esse usuário cresce de maneira importante”, explica Cuevas.